VIAJANTES, AVENTUREIROS E
EXPLORADORES
Beryl
Markham – (Ashwell (Inglaterra), 26/10/1902 – Nairobi,
03/08/1986) – Treinadora de cavalos, aviadora e aventureira. O seu pai, Charles
Clutterbuck, capitão britânico, possuía uma pequena quinta no condado de Leicester
onde passava uma vida monótona, intercalada entre caçadas à raposa e bailes de
salão. Dificuldades económicas levaram-no a decidir-se por embarcar para o
Protectorado do Quénia (1), deixando
na grande ilha a esposa – Clara Alexander – e os dois filhos do casal: Richard
e Beryl.
Desembarca em Mombaça e adquire terrenos
onde cria uma fazenda agrícola mas com o propósito de se dedicar à criação e
venda de cavalos. O clima, as doenças tropicais, a ausência de estradas
propícias ao escoamento dos produtos produzidos na fazenda e à vinda de
pessoal, a inexistência dum telégrafo que, para além de poder encomendar o que
carecesse, desse algum conforto psicológico de haver algum vestígio
civilizacional europeu, a ausência de povoados ao redor de dezenas de quilómetros
da sua fazenda que albergasse algum europeu, tornaram duros os primeiros tempos
do progenitor a nossa aventureira. A própria Mombaça de 1900 era um povoado
insalubre, decrépito, de ruas lamacentas, sem qualquer tipo de saneamento ou
planificação urbana.
Mas esses tempos também estavam a ser o
limiar do Génesis do Éden colonial que os britânicos estavam a começar a
construir à sua imagem e semelhança e que iriam tornar o Quénia num potentado
fabuloso duma terra de oportunidades, de aventuras, emoções, paixões. Os
britânicos tinham acabado de descobrir a fórmula alquímica de fundir a sua
civilização tecnológica com o espaço geograficamente paradisíaco que tinham a
seus pés. Um dos deuses alquimistas deste Éden colonial foi Hugh Cholmondeley (2).
A vida não corre de feição para Charles
Clutterbuck pelo que acaba contratado como capataz agrícola de Hugh
Cholmondeley. Em 1905 a sua esposa – Clara Clutterbuck - reúne-se-lhe, trazendo
os seus dois filhos. Mas a vida sentimental do casal não corre de feição. Clara
sentia a falta da vida social que levava na Inglaterra, do conforto
civilizacional europeu, dos bailes, das atenções dos admiradores que a
cortejavam sabendo-a só e com o marido ausente nas longínquas terras africanas.
Aqui, em África, ela dormia numa cabana rústica, sem conforto, sentindo o frio
e a humidade a entrarem-lhe nos ossos, com uma arma debaixo do travesseiro para
se defender de feras.
Com o correr do tempo a vida foi
melhorando, em campos financeiros, e Charles Clutterbuck acaba contratado para
tratador dos cavalos de Hugh Cholmondeley. Mas a sua mulher, aborrecida com o
tipo de vida que levava acaba por se envolver emocionalmente com um oficial
britânico, pelo que a separação do casal foi o natural desenlace. Clara
Clutterbuck regressa à Grã-Bretanha levando com ela o filho Richard, deixando
Beryl com o pai.
Esta cresce em roda livre, efectuando
estudos elementares e ajudando o pai a tratar dos cavalos, no que viria a ser
uma das suas grandes paixões. Cresce a brincar com os miúdos nativos da sua
idade, confundindo-se como se fosse um deles e nascendo aqui uma forte amizade
com um deles, que manterá pela vida fora, um jovem do povo nandi, com o nome de
Kibii. Dão-lhe o nome de “Lakwet” (Menina Pequena), aceitam-na com toda a naturalidade.
“Eu conhecia muito bem os nativos, o
suficiente para saber que nunca me abandonariam e que cuidariam de mim como um
dos seus próprios filhos”, conforme
recordará mais tarde. Desses tempos ainda dirá: “Passava os dias montada a
cavalo, a caçar animais com os filhos dos criados, porque o pai não tinha tempo
para mim.” A sua educação foi entregue,
aos sete anos, a preceptoras que a maltratavam, incluindo agressões físicas a
cavalo-marinho que lhe deixavam marcas, pois não aceitavam o seu feitio rebelde.
Quando o pai se inteira destes métodos de ensino despede as preceptoras mas
para Beryl o undo feminino torna-se odiento, preferindo o mudo masculino.
Abandonada pela mãe, que ao ir para Inglaterra levara o irmão com quem ela se
identificava bastante, maltratada pelas preceptoras que eram encarregues de a
educar, acabou por construir a sua infância e adolescência no seio dos nandi,
seus companheiros inseparáveis. Com doze anos desflora-se nos jogos iniciáticos
dos rituais deste povo com jovens circuncidados e o sexo é, para si, um acto
natural onde não vê maldade nenhuma.
Aos treze anos vai para Inglaterra, para
um internato feminino, por decisão paterna, que a queria retirar das
influências nefastas (no seu conceito) do convívio da sua filha com os nandi e
os massai, que ele considerava, à semelhança dos restantes colonos europeus,
como preguiçosos, vagabundos e aldrabões. Havia que a civilizar para se
preparar para o casamento com Alexandre Purves, um oficial britânico, com quem
o seu pai se estabelecera de acordo. Deste modo, a que fora “Lawket”, de livre
vontade, para os nandi e para o seu amigo Kibii, retornava, à força, a ser
Beryl para os europeus. Quando retornou ao Quénia, porque nenhum colégio a
aguentava (acabava sempre expulsa), Kibii já se tornara adulto, nos rituais
nandi e agora era Arap Ruta.
Casa-se em 1919 com o referido Alexandre
Purves e rumam para a Índia onde vivem alguns meses. O casamento não lhe corre
de feição, pois o marido para além de alcoólico é ciumento e as agressões
começam a ocorrer com demasiada frequência. O casal regressa a Nairobi e Beryl
vê que o seu pai, arruinado financeiramente, vendeu todos os seus pais e parte
para a União Sul-Africana (3) a
tentar a sua sorte como tratador de cavalos. A ruína económica familiar, a
partida do seu pai e o casamento insípido e desamoroso atiram-na para um estado
de desorientação que sairá um pouco quando chega a Nairobi o seu irmão Richard,
mas mesmo este falecerá passados uns meses na colónia, de malária.
Envolve-se amorosamente com diversos
colonos e dedica-se ao treino de cavalos. Consegue uma licença nesta matéria
tornando-se na primeira mulher no Quénia a singrar nesta profissão dominada por
homens. Torna-se proprietária dum cavalo (“Pégaso”) e, como treinadora,
participa em diversas corridas, vencendo diversas. O seu nome e o seu estilo de
vida começam a deixar marcas no seio dos colonos. Isola-se do marido e monta a
sua própria cabana onde passa a viver, espartanamente, grande parte do seu
tempo. Retoma a sua ligação com Arap Ruta, que passa a ser a sua sombra
permanente. A sua fama como tratadora e treinadora de cavalos cresce e todos a querem
contratar, até porque os cavalos por si treinados vencem corridas importantes.
É neste mundo duma Nairobi, que evoluíra
urbanamente bastante como cidade, que Beryl virá a conhecer o famoso caçador
Denys Finch-Hatton (4), guia de caça
de safaris para os milionários que, vindos da Europa ou da América, ali
aterravam na busca dos prazeres da caça grossa. Relaciona-se também com Karen
Blixen e as duas partilharão o mesmo amor por este homem e, na sua morte, ambas
se sentirão viúvas dele.
A primeira metade da década de 20
torna-se atribulada para Beryl, quando se vê acusada de dopar os seus cavalos
nas corridas, com uma erva medicinal, cujo efeito dopante era utilizado pelos
nativos em caçadas para melhor correrem. A sua fama vê-se manchada e começa a
perder clientes e vê-se afastada dos circuitos dos hipódromos. O relacionamento
com o marido ainda se afunda mais quando este, alcoolizado e ciumento, ataca
Thomas Cholmondeley, filho de Hugh Cholmondeley, acusando-o de ser amante da
sua mulher. Assim, Beryl viaja até Londres, onde se deixa ficar durante alguns
meses juntamente com o seu grande amor Denys Finch-Hatton, que também para ali
se dirigiu, a renovar as suas licenças de voo e de caça. Regressa a Nairobi em
1924 e volta a treinar cavalos e a entrar nas corridas. Divorcia-se e conhece o
milionário Mansfield Markham, que se encontrava de passagem pelo Quénia em
roteiro de caça. Acaba por se casar com ele, de quem fixará de vez o seu
apelido.
Viajam pela Europa em lua-de-mel, numa
verdadeira viagem de conto de fadas. De
regresso ao Quénia retoma a sua actividade de tratadora de cavalos e o
relacionamento com o marido começa a esfriar. O casamento mantém-se por um fio
de aparências sociais e, em 1928, quando o herdeiro da Coroa Britânica, o
Príncipe Eduardo, de Gales, visita o Quénia, acompanhado do seu irmão o Príncipe
Henry, Duque de Gloucester, Beryl Markham juntou-se à nata colonial para as suas
recepções. Daí a amantizar-se com o Duque foi um passo, amores estes que
duraram muito para além da estadia do Príncipe em terras africanas e se
prolongaram na capital londrina, até a Rainha-Mãe ter posto cobro de vez,
quando se soube que a mesma estava grávida e todos garantiam ter o feto sangue
real. O bébé nasceu muito doente e ao mesmo foi dado o nome de Gervase, o único
filho que Beryl Markham teve e ao qual não aprimorou na sua educação. A troco
do seu silêncio e de deixar o Príncipe Henry, da família real veio um
estipêndio mensal de quinhentas libras até ao fim da sua vida. A criança ficou
entregue aos cuidados de Mansfield Markham pois, para Beryl, o seu filho era um
estorvo.
Na restante década de vinte Beryl Merkham
vive junto com Denys Finch-Haton e com este participa em voos de safari de caça
e este incentiva-a a tirar o brevet de piloto para em conjunto, o que esta
consegue. A morte de Denys ser-lhe-á extremamente dolorosa para, já que o mesmo
foi o grande amor da sua vida, se bem que o tivesse partilhado com Karem
Bkixen. As duas seguirão rumos diferentes: Karen Blixen rumará para a Europa
dará lugar à escritora Isak Dinesen e Beryl Markham tornar-se-á piloto de
safaris. Em 1933 torna-se na primeira mulher a ter uma licença de voo
comercial, na África Oriental Britânica. Aos comandos do seu Gipsy Moth voa
sobre toda a África Central, em safaris de caça e ou transporte de clientes
milionários. Eram os heróicos tempos dos primórdios da aviação em África, nos
seus alvores, em que se sobrevoavam milhares de quilómetros sobre territórios
que não estavam cartografados, sem apoio de terra, conhecimentos de ventos,
inexistência de aeródromos para abastecimentos de combustível e onde bastas
vezes a aterragem forçada dum avião em plena selva ou deserto significavam
dissabores de sobra para os pilotos solitários. Beryl Markham torna-se numa
piloto experiente e dá-se ao luxo de efectuar alguns voos de ida e volta até
Londres.
Em 1936 efectua o seu último voo que a
fará entrar nos anais da aviação. Aceitando uma aposta londrina, a 04 de
Setembro de 1936 levanta voo de Londres, pilotando um Veja Gull, ruma para o
continente americano, com intenção de aterrar em Nova York. Vinte e duas horas
mais tarde afocinhava aparatosamente o nariz do avião na costa canadiana da
Nova Escócia, por o último tanque de combustível ter-se congelado. Com quarenta
horas sem dormir, ferida do acidente, ensopada de lama e da humidade, andou
horas a pé à deriva até que acabou por se cruzar com um lavrador que a
recolheu. Não atingira o seu objectivo de aterrar em Nova York, mas tornara-se
na primeira mulher da História da aviação a pilotar solitária um avião da
Europa para a América, tendo sido recebido como uma heroína por onde passasse,
quer no Canadá quer nos Estados Unidos. Mas nunca mais voltou a pilotar um
avião.
Depois duma estadia em Londres retorna
aos Estados Unidos onde vem a conhecer Raoul Shumacher, que virá a ser o seu
terceiro marido, escritor e guionista de cinema em Los Angeles. Através dele,
Beryl Markham virá a travar conhecimento e a conviver com as grandes estrelas
de Holywood. Por incitamento dele publicará o seu único livro “West with the night”
colocando o seu nome como autora (5),
onde ela percorre as suas memórias da sua infância no Quénia, a sua vida como tratadora
e treinadora de cavalos e depois a sua fase como aviadora. O livro torna-se um
êxito de vendas e dos proventos do mesmo, o casal encarrega-se alegremente de
delapidar, em prolongadas e luxuosas estadias no Novo México. O álcool, a
droga, a vida ciosa que levavam acabam por arruinar financeiramente o casal,
que acabam por se separarem em 1950.
Retorna ao Quénia e enceta de novo a
actividade do hipismo. Vence algumas corridas mas os seus áureos tempos já
tinham passado à História e, para muitos, ainda se mantinha a história de
drogar os cavalos para estes correrem mais depressa. De qualquer modo atravessa
a década de 50 no Quénia, onde se liga sentimentalmente a Jorgen Throne, um
sueco vinte anos mais novo que ela. Após a independência do País vai viver para
a África do Sul, sempre ligada ao negócio dos cavalos. Mas o álcool e a droga
já se tinham apoderado de si e entra em conflito com os seus sócios e com
Jorgem Throne, de quem se separa. O crepúsculo da sua vida caminha a passos
largos. Só e doente regressa ao Quénia, e é Mansfield Markham quem a ampara
economicamente, para poder trabalhar. Mas recebe novo golpe quando as
autoridades lhe retiraram, de vez, a licença de treinadora de cavalos.
O seu nome volta a constelar um pouco em
1977 quando, na capital queniana, é lançado um livro biográfico de Denys
Finch-Haton e o seu nome aparece ligado ao caçador, em paralelo com Karen
Blixen. Vive num quarto em Nairobi e aos oitenta anos, velha, alquebrada,
alcoólica e doente é espancada e assaltada. Vive os últimos tempos
miseravelmente mas ainda brilham os olhos quando é filmado “Out of Africa” e
os jornalistas a procuram. Queriam espiolhar toda a história das relações deste
triângulo, mas Beryl Markham manteve o silêncio. Denis Finch-Haton tinha sido o
grande amor da sua vida.
Quando levantou voo para a última viagem
da sua vida, aos 84 anos, Beryl Markham, a loira provocante, levara uma vida
transbordante de emoções por homens, cavalos e aviões mas, acima de tudo,
largara o seu perfume na paixão por uma África onde ela caminhara, navegara e sobrevoara
no pleno.
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Nota: a principal (mas não única) fonte de informação do presente texto foi "Memórias de África" de Cristina Morató (Gótica, 2004), já anteriormente referido.
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(1)
Quénia – Pura criação colonial britânica, esteve até à recta final do
século XIX sob a égide da Companhia da África Oriental Inglesa. Em 1895 passou
a Protectorado britânico e em 1920 ascendeu no patamar político-administrativo
da colonização britânica e passou ao estatuto de Colónia. Em 1963 torna-se
independente, sob forma de República.
(2) Hugh
Cholmondeley – (1870/1931) – Pertencente à baixa classe da nobreza inglesa,
tinha o título de Barão de Delamere, sendo de família abastada e com
pergaminhos ancestrais. Inicia as suas viagens a África a partir de 1891, vindo
anualmente à Somalilândia* a safaris
de caça grossa. Em 1894 quase morre sob as garras dum leão ferido e, dois anos
mais tarde, efectua uma travessia dos planaltos desérticos somalianos em
direcção ao Sul, liderando uma cáfila de dezenas de camelos, atingindo o
território da África Oriental Britânica (na altura Quénia e Uganda) e
apaixonando-se perdidamente pelas paisagens do planalto central queniano.
No entrar do século XX fixa-se no Quénia,
arrendando ao Governo colonial 100 mil hectares de terreno por um século, a
cerca de trinta quilómetros de Nakuru, ao qual deu o nome de “Equador”. Arrenda
mais terrenos tornando-se num gigante latifundiário e num dos mentores do
desenvolvimento agrícola na colónia, lançando as bases do plantio do milho e do
trigo a par da pecuária e da indústria de produtos farináceos. Contrata colonos
europeus para laborarem nas suas propriedades e incentiva outros nobres a
instalarem-se no paraíso africano, acabando por fundar o Happy Valley, lugar
onde o escol colonial britânico dava largas ao seu desbragamento, de álcool,
sexo, drogas e jogo. Eram, para aquela casta social, o “must” dos prazeres
terrestres**. Defensor acérrimo do
colonialismo britânico e da presença europeia em África, como entidade tutelar
dos povos africanos em estágio civilizacional atrasado, dizia que “… aquele (o Quénia) era um País para homens brancos”).
Considerado o Cecil Rhodes do Quénia, Hugh
Cholmondeley durante uma trintena de anos foi o principal motor das
reivindicações dos colonos europeus naquele território. Os seus descendentes
prosseguiram as suas vidas na colónia e quando o Quénia ascendeu à
independência, o seu neto, também de nome Hugh Cholmondeley***, manteve-se no território, tendo-se recusado a deixar o mesmo,
contrariamente a inúmeros britânicos que optaram por abandonar o País, por
falta de confiança nas novas autoridades.
……………………………….
* - A
Somalilândia (terra dos somalis) é a actual República da Somália. Este
território, no auge do colonialismo europeu, esteve dividido por três
potências: França, Itália e Grã-Bretanha.
** - Aqui
nasceram histórias lendárias de colonos e aventureiros para quem não havia
limites nem limitações. Enquanto o espírito quisesse e o corpo aguentasse o céu
era a meta para as loucuras que ali se desenrolaram desde a troca sexual de
esposas em bailes, a partidas para caçadas perigosas com apenas uma bala, jogos
com apostas que só terminavam quando os jogadores adormeciam na mesas, os fumos
dos ópios, enfim, a história de Happy Valley nunca foi verdadeiramente contada.
Hugh Cholmondeley entrava no bar montado a cavalo para saborear a sua bebida,
sem nunca se apear.
*** - Por
curiosidade registe-se que o seu filho – Thomas Cholmondeley - foi acusado de
dois homicídios de caçadores furtivos nos seus terrenos, em anos diferentes.
Absolvido no primeiro acabou condenado no segundo.
(3) – União Sul-Africana – Foi constituída a partir de 1910 e resultou da
fusão política de quatro territórios bóeres e britânicos, que eram a Província
do Cabo, Natal, Estado Livre do Orange e Transvaal. Com o culminar de duas
guerras anglo-bóeres, que acabou no início do século XX com a derrota bóer, a
facção britânica dominou o concerto político na altura e levou à criação desta
União, a fim de cotar de raiz outras veleidades autonomistas da comunidade
bóer. Geograficamente corresponde ao actual território da República da África do
Sul. A União Sul-Africana mediou entre 31/05/1910 e 31/05/1961, tendo sido a
transição política da união das Repúblicas bóeres (Transvaal e Orange) e colónias
britânicas (Cabo e Natal) para a criação da República da África do Sul, nascida
em 1961. Este assunto será tema de análise quando se estudar a História da
África Austral.
(4) Denys
Finch-Hatton – (1887/1931) – Em 1910 efectua uma viagem pela África
Oriental, iniciada na União Sul-Africana e acaba por se estabelecer no Quénia.
Estabelecendo amizades com o núcleo familiar do todo-poderoso Hugh Cholmondeley,
estabelece-se como guia e caçador de caça grossa. Seguia métodos muito pouco
ortodoxos de caça, pois utilizava uma avioneta para localizar manadas de
elefantes ou de outros animais, seguir os mais corpulentos e depois sinalizar a
presença dos mesmos aos seus clientes milionários. A sua fama deveu-se também
ao facto de se ter relacionado amorosamente com Karen Blixen*. Também manteve uma relação amorosa
com Beryl Markham, tendo sido as duas mulheres, das diversas que teve, que mais
o terão marcado na sua vida. Virá a morrer aos comandos da sua avioneta quando,
ao levantar voo, esta rodopiou e caiu em chamas.
* - Karen
Blixen – (1885/1962) – Natural da Dinamarca, casou-se em 1914 com Bror von
Blixen, um barão sueco. O casal rumou para o Quénia, onde se lançaram na
exploração do café. Separam-se na década de vinte e Karen Blixen continuou a
tentar singrar no negócio cafezeiro. No entanto acaba por falir e retornar à
Europa, na década de trinta. Escreveu diversos livros, mas a obra que a lançou
na fama foi “Den afrikanske farm” (“A fazenda africana”), onde relata as memórias da sua vida no
Quénia. Utilizava o pseudónimo de Isak Dinesen. Este livro está publicado em
português com o título “África minha”
existindo, no mercado, diversas edições do mesmo. A sua vida ficou celebrada no
filme “Out of África” (“África
Minha”).
(5) – O livro terá sido escrito por
Raoul Schumacher, que a tal estava habituado pois não só era guionista de
filmes, como também exercia a actividade de “ghost writter”. Apesar disso, até
morrer, Beryl Markham assumiu-se sempre como a autora do livro.
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HISTORIANDO MOÇAMBIQUE COLONIAL
Bóer – Agricultor, camponês; o mesmo que africânder.
Bóeres,
Síntese das relações de Portugal com as Repúblicas – A origem da
colonização europeia no território da actual República da África do Sul teve início no ano de 1652, quando um
grupo de colonos holandeses, chefiados pelo médico Jan van Reabeek**, integrados
numa armada da Companhia Holandesa das Índias Orientais**, desembarcaram num
local onde hoje se situa a cidade do Cabo e aí se estabeleceram, fundando uma
colónia. As relações entre os portugueses e os descendentes destes primeiros
colonos apenas se terão iniciado em finais do século XVIII, pois até aí, quer
pelo distanciamento geográfico quer pela ausência dos portugueses na colonização
da parte sul de Moçambique, fizeram com que entre os dois povos não existissem
contactos regulares. O abandono lusitano na zona sul de Moçambique levou a que
em 1688 o navio holandês Noord sondasse a baía de Lourenço Marques e, em 1725,
um grupo de holandeses do Cabo, chefiados por Jan van Capelle**, instalasse aí
uma feitoria*, à qual deram o nome de Forte Lijdsaamheijd. Foi deste forte que,
nesse mesmo ano, uma coluna holandesa chefiada por De Kuiper, saiu na tentativa
de atingir as minas do Reino do Monomotapa*, tentativa fracassada, já que a
expedição não conseguiu passar os montes Libombos, face às resistências nativas
encontradas. Em 1730 os holandeses levantaram a feitoria e regressaram ao Cabo.
Em 1782 os portugueses criam o Presídio de Lourenço Marques*, pelo que só a
partir desta altura é que se começou a pensar com alguma acutilância, na fixação
e assunção de plena soberania lusitana nas terras ao sul de Moçambique, as
quais, até aí, tinham estado entregues ao sabor de diversos aventureiros de
várias nacionalidades. Em Setembro de 1795 forças britânicas ocupam a colónia
do Cabo, tendo-se iniciado aí a sua lenta implementação na colonização na parte
meridional do continente africano. Aí permaneceram até Fevereiro de 1803,
entregando depois o território à efémera República da Batávia (República efémera
(1795/1806) criada na região central da actual Holanda, de inspiração napoleónica).
A Companhia Holandesa das Índias Orientais já desaparecera do mapa, em 1798 e,
em 1806, a
Grã-Bretanha reocupa de novo o Cabo até que, em 1814, a Holanda cedeu este
território, em definitivo, à Grã-Bretanha. O relacionamento estabelecido entre
os novos senhores britânicos e os descendentes dos holandeses era tenso, agudizado
pelo factor religioso, sendo aqueles anglicanos e estes calvinistas. A partir
de 1820 colunas bóeres começam a internar-se no sertão africano, atravessando o
rio Orange. Não sendo um adeus definitivo ao Cabo e ao novo estilo de vida
implantado pelos britânicos, mais virado para o pragmatismo, já era um sinal de
desgaste no relacionamento entre as duas comunidades europeias. Com as
independências das colónias americanas a Grã-Bretanha vira as suas atenções
para o continente africano e promove a abolição do tráfico de escravos, que
implementa, em 1833, no Cabo. Esta medida política vem aumentar as clivagens
entre as duas comunidades europeias e os bóeres, não aceitando a política
abolicionista britânica, incrementam a sua partida para as terras do interior,
onde pudessem criar uma pátria segundo os seus preceitos políticos e
religiosos. Essa debandada geral para terras nortenhas, desertas de colonização
europeia e, por isso, livres da influência britânica, inicia-se a partir de
1836, destacando-se entre os chefes bóeres Piete Retief**; Pieter Jacobs**, Pieter
Uys**, Louis Trichard** e Johannes van Rensburg** que, chefiando longas
caravanas (treks) de famílias bóeres, buscam novas pátrias. Será o início do
relacionamento entre os bóeres e os portugueses. A necessidade dos bóeres se
livrarem da clausura territorial a que se encontravam confinados levou-os a
procurarem caminhos para o mar, a fim de importarem e exportarem produtos, bem
como a necessidade de estabelecerem relações diplomáticas com outras nações que
os reconhecessem como entidade política autónoma e que equilibrassem a pressão
britânica, levou-os à procura do estabelecimento de relações com os
portugueses, os seus vizinhos europeus mais próximos. Por outro lado, atendendo
à situação de privilégio geográfico que o porto laurentino apresentava e ao
facto de, bastas vezes, os portugueses estarem em conflito com os interesses
britânicos, mais os levou a procurar estes para relações de interesse mútuo.
Surge então João Albasini* que acaba por incrementar este relacionamento
quando, em 1846, vai viver para o Transval. Instalando-se no seio da comunidade
bóer, acaba nomeado Vice-Cônsul português em terras bóeres tendo, durante
muitos anos, desempenhado estas funções, contribuindo em larga escala para o
estreitamento das mesmas. Outro português que incrementou relações comerciais
com os bóeres de Zoutpansberg foi o sertanejo Diocleciano Fernandes das Neves*.
As convulsões dinásticas ocorridas no Reino de Gaza**, após a morte de Manicusse**,
que obrigou um dos candidatos ao trono, Muzila**, a buscar refúgio no Transval,
até à sua vitória final sobre o seu irmão Maueva**, também ajudaram, de
sobremaneira, a incrementar o relacionamento entre portugueses e bóeres. Outra
razão que contribui para esta aproximação foi apolítica imperialista da
Grã-Bretanha, muito mais realista no que concerne aos objectivos da
consolidação europeia em terras africanas do que o estilo de actuação quer dos
portugueses quer dos bóeres, o que tornava aquela potência colonial uma adversária
comum. No ano de 1836 saem, do Cabo, Louis Trichard** e Johannes van Rensburg**,
dois chefes bóeres que dirigem, em conjunto, uma numerosa caravana de famílias
rumo ao norte desconhecido, acabando por se estabelecerem em Zoutpansberg,
criando o Transvaal. Separando-se, Johannes van Rensburg e o seu grupo
continuam a rumar para norte, para atingirem a povoação de Inhambane*, acabando
todos massacrados nas margens do rio Limpopo. Vinte anos mais tarde sairia da
povoação de Inhambane para o Transval, numa viagem de ida e volta, o Padre
católico Santa Rita Montanha que, acompanhado pelo Alferes António Sousa
Teixeira, elaboraria um relatório completo sobre o modo de vida bóer.
Entretanto Louis Trichard vem a tomar conhecimento do massacre do grupo de van
Rensburg e decide rumar para Lourenço Marques, em busca de protecção, quando já
se encontrava instalado nas margens do rio Doren, receando vir a ter o mesmo
fim do seu companheiro. Para tal envia uma carta ao Governador do Presídio,
José António da Silveira, com um pedido de autorização, que envia por dois
estafetas. Eventualmente poderá ser o primeiro documento escrito, não oficial,
sobre o relacionamento que se virá a estabelecer entre os dois povos, relatando
o mesmo: “Aos honrados cavalheiros e
amigos de Lourenço Marques. Excelentíssimos senhores: Com os meus melhores
cumprimentos tomo a liberdade de vos comunicar que, no mês de Julho de 1837,
oito famílias das que se nos haviam juntado, num total de quarenta e nove
pessoas, não contando os serviçais, os quais não posso enumerar, saíram daqui
no propósito de fazerem a jornada directa até vós, em Lourenço Marques, para
que pudessem com a vossa amável autorização, estabelecer relações convosco.
Soubemos agora por uma tribo nativa, que vive junto às margens do Grande Rio,
que essa gente foi toda massacrada por elementos de uma tribo denominada Cafres
Nus. Receamos, por isso, que nos seja igualmente muito difícil, ou perigoso, chegar
até vós. Encontramo-nos com grande falta de vestuário e de munições para nos
defendermos de semelhantes agressões. Contando com a vossa amável autorização,
pedimos licença para nos informarem se permitem que levemos connosco os
seguintes artigos: gado abatido, carneiros, bois, lã, vitelos, peles de animais
selvagens, etc. Se esta sugestão merecer a vossa aprovação, agradecia que disso
nos fizessem ciente, por carta. Gabriel de Buys e o vátua Waai Waai, poderão
ser os portadores da vossa mensagem para nós. Somos sete famílias num total de
cinquenta e três pessoas, mas apenas nove homens de entre nós se encontram em
condições de pegar em
armas. Sou de V. Exa. --- P.S. – Se nos puder confiar valores
até 50 ou 60 dólares, em artigos de vestuário, linhas de coser, agulhas,
dedais, etc. seria favor entregá-los aos portadores de Buys e Waai Waai,
juntamente com a factura. A minha mulher pede ainda três libras de chá, cinco
libras de café e cinco libras de açúcar.”
A 13 de Abril de 1838 Louis Trichard e a sua comitiva atingem Lourenço Marques,
tendo tido acolhimento favorável das autoridades portuguesas. Em 1840 o chefe
bóer Andries Potgieter** vem a Lourenço Marques discutir com as autoridades
portuguesas o estabelecimento de rotas comerciais, repetindo essa mesma viagem
em 1843. Era visível a necessidade que os bóeres tinham do porto de Lourenço
Marques** como vital para a sua sobrevivência. Todo este movimento migratório bóer
acabou por criar três estados livres irmãos: o Natal, o Orange e o Transval. Os
britânicos, a quem as sucessivas deslocações bóeres para fora da sua influência
no Cabo, não os tinham incomodado, sentiram-se tocados com a instalação dos
mesmos no Natal pois, por abranger uma larga faixa litoral da costa africana e
dotado dum excelente porto, onde se desenvolveria a futura cidade de Durban e
poder vir a criar complicações com a assistência à sua poderosa marinha mercante
e de guerra, apressaram-se a ocupar essa zona, em 1843, cortando, cerce, as
aspirações autonómicas dos poucos bóeres ali residentes de construírem uma
pátria. Em relação aos outros dois estados, por se situarem em regiões interiores
e inóspitas e sem nenhum tipo de implementação europeia, o governo britânico do
Cabo tolerou tacticamente a criação dos mesmos. O estado do Transval era dirigido
por Hendrieck Pretorius** e o do Orange era dirigido por Andries Potgieter** e,
não existindo bom relacionamento entre ambos, reuniu-se pela primeira vez o parlamento
bóer (Volksraad), a fim de tentar dirimir as desinteligências no seio da família
bóer. Com a instalação definitiva dos britânicos no Natal, uma caravana bóer de
183 carros transportando 1.578 pessoas, lideradas por Andries Poetgieter,
abandona Potchefstroom em 03 de Junho de 1845 e dirigem-se para nordeste e,
ultrapassando a zona onde hoje se ergue a cidade de Pretória continuaram a
viagem até se terem instalado num vale fértil. Aí fundaram a primeira república
comunitária bóer no Transvaal, a que deram o nome de Andries Ohrigstad.
Passados dois anos deslocam-se de novo para outro local e fundam Lydemburg,
onde acabam por se incrementar as relações já estabelecidas de Andries Potegieter
com João Albasini. Nesse mesmo ano João Albasini desloca-se a Lourenço Marques
a aconselhar as autoridades portuguesas locais a facilitarem as relações com os
bóeres. Toda esta movimentação bóer em torno de Lourenço Marques e as suas aspirações
independentistas em relação aos britânicos, levou ambas as partes a entenderem-se,
tendo subscrito a Convenção de Sand River**, em 17 de Janeiro de 1852, no qual
os britânicos reconheciam a independência das repúblicas bóeres e estabeleciam
acordos de comércio, liberalizando o mesmo e permitindo a circulação dos seus
produtos pelo porto de Durban, no Natal. Este acordo beneficiou ambas as
partes, pois permitiu aos britânicos controlarem, através de Durban, o comércio
bóer e a estes porque arranjaram uma solução alternativa a Lourenço Marques
para estabelecerem trocas comerciais com mercadores holandeses. É que,
independentemente das autoridades de Lourenço Marques, na sua generalidade, mostrarem
simpatias pela causa bóer, não tinham, na altura, um porto tão desenvolvido
como o de Durban, como também o governo central de Lisboa não via com bons
olhos a aproximação bóer a Lourenço Marques, receosa de vir a perder aquela
possessão, por a ter pessimamente defendida, uma administração parca e corrupta
e fraca densidade populacional europeia não dispondo, assim, de meios que
pudessem obstaculizar uma eventual anexação bóer daquela parcela. Por outro
lado Lisboa cedia às pressões de Londres, sua ancestral aliada e contra a qual
não tinha nem argumentos nem forças para contrariar as suas pretensões. Com o
falecimento dos chefes bóeres Andries Potgieter e Andries Pretorius, ocorrido
ambos em 1853, o Transvaal passou a ter como Presidente Marthinus Pretorius,
filho de Andries Pretorius, tendo o Parlamento deste estado mudado o nome para “República da África Meridional (ao norte do
rio Vaal)”, abandonando o nome que originalmente os colonos bóeres
tinham posto que era “República Holandesa
de África”. Em 1858 o Parlamento promulga a constituição (Grondwet),
lançando as raízes do “apartheid”.
A teoria racista da supremacia dos brancos sobre todos os outros povos ganhava
foros de lei e um estilo de vida retrógrado, baseado no fundamentalismo da
Bíblia e num modo de estar medieval assentavam praça, de vez, nas repúblicas bóeres,
razões fulcrais que tinham determinado a sua saída da colónia do Cabo. O Estado
de Orange, denominado de Estado Livre do Orange tinha, como Presidente, Hendrick
Brandt e a capital situava-se em Bloemfontein. A rivalidade entre as duas
repúblicas eram constantes, culminando com a tentativa, em 1857, de anexação do
Orange pelo Transval, facto que não se chegou a consumar. Em 29 de Abril de
1868 Marthinus Pretorius proclama os limites geográficos do Transval anexando,
nessa proclamação, território que os portugueses consideravam seus,
nomeadamente os que se encontravam situados a oeste da cordilheira dos Libombos
e territórios que os britânicos consideravam seus, no Natal. Estabeleceu-se uma
batalha diplomática que envolveu os três países e, após diversas diligências
recheadas de peripécias no seio da diplomacia portuguesa com os desencontros
entre o representante de Portugal no Cabo, Alfredo Duprat, e o Vice-Cônsul de
Portugal no Transval, João Albasini, sobre a efectiva fronteira dos territórios
portugueses, conseguiu-se estabelecer um acordo entre a República da África
Meridional e Portugal. A 29 de Julho de 1869 é assinado um tratado de paz,
amizade, comércio e limites territoriais entre os bóeres e os portugueses, onde
se fixam as fronteiras meridionais de Moçambique, com manifesto prejuízo para
os interesses portugueses, que acabaram por ver a sua soberania morrer na
cordilheira dos Libombos. Este acordo, teve o seguinte teor: “TRATADO DE PAZ, AMIZADE, COMÉRCIO E LIMITES
ENTRE SUA MAJESTADE EL-REI DE PORTUGAL E DOS ALGARVES E O GOVERNO DA REPÚBLICA
DA ÁFRICA MERIDIONAL: Sua Majestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e o
governo da República da África Meridional, igualmente animados do desejo de
estabelecer relações permanentes de paz, amizade, comércio e limites entre os
seus respectivos países, territórios e povos, determinaram concluir para este
efeito um tratado e nessa conformidade nomearam para seus plenipotenciários e
conferiram plenos poderes para negociarem o dito tratado, a saber: Sai
Majestade El-Rei de Portugal e dos Algarves ao Comendador Alfredo Duprat,
Cônsul Geral de Portugal na colónia do Cabo da Boa Esperança e no Sul de África
seu plenipotenciário, e o governo da África Meridional /Transwaal Republick)
uma comissão autorizada pelo honorável Volskraad de 08 de Junho de 1869,
consistindo de Heeren Martinus Wessels Pretorius, Presidente da República, dos
senadores Heinrich Julius Ueckerman, Joseph Johannes Fourie, John Robert Lys,
Marthius Jacobus Viljoen, Stephanus Johannes Paulus Krueger, Comandante Geral,
senhor Berenard Cornelis Ernest Proes, Secretário Geral do Governo, os quais
tendo trocado os ditos poderes, que acharam em boa ordem e devida forma, concordaram
os seguintes artigos: Artº 1º - Haverá inviolável paz e perfeita amizade entre
Sua Majestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, seus herdeiros e sucessores, e
o Governo da República da África Meridional em toda a extensão dos seus domínios
e territórios e entre os seus súbditos e cidadãos respectivamente sem distinção
de pessoas ou lugares; Artº 2º - As duas partes contratantes, desejando colocar
o comércio dos respectivos países sobre base liberal de perfeita igualdade e
reciprocidade, mutuamente convém que haja liberdade recíproca do comércio entre
os seus territórios. Os súbditos e cidadãos de cada uma delas poderão com toda
a segurança de suas pessoas e fazenda entrar em todos os lugares e rios dos
territórios da outra, onde for permitido a estrangeiros comerciar. Ser-lhes-á
lícito morar e residir em toda e qualquer parte dos ditos territórios, onde
seja permitida a residência de estrangeiros de origem europeia a fim de
tratarem dos negócios do seu comércio e gozarão, para esse efeito, dos mesmos
direitos, protecção, segurança e privilégios de que gozem ou vierem a gozar os
súbditos ou cidadãos do País onde residem, com condição de ficarem sujeitos às
leis, regulamentos, usos e costumes nele estabelecidos a que os súbditos ou
cidadãos nacionais estiverem sujeitos; Artº 3º - A liberdade de comércio
convencionada por este tratado será extensiva a toda a qualidade de
mercadorias, exceptuando unicamente armas e munições de guerra de toda a espécie,
os quais objectos ficarão sujeitos aos regulamentos especiais das alfândegas de
qualquer das partes contratantes; Artº 4º - Igualmente se estipula que não é
nem será permitido aos súbditos ou cidadãos de qualquer das partes contratantes
o tráfico de escravatura nos territórios da outra, Aqueles que nesse tráfico
forem achados serão capturados e entregues às autoridades do País a que
pertencerem para serem processados na conformidade das leis e os escravos que
tiverem sido comprados serão logo declarados livres, devendo as autoridades dos
dois países comunicar entre si sobre o que a tal respeito ocorrer; Artº 5º -
Toas as outras mercadorias e objectos não exceptuados nos dois artigos
precedentes serão tidos e considerados como livres e objectos de livre e lícito
comércio, de sorte que poderão ser levados e transportados com toda liberdade
por ambas as partes contratantes, até para lugares de inimigos; exceptuando-se
unicamente aqueles que a esse tempo estiverem sitiados ou bloqueados e., para
evitar toas as dúvidas neste particular, declara-se que só se devem considerar
sitiados ou bloqueados os lugares que efectivamente estiveram ameaçados por uma
força beligerante capaz de obstar à entrada dos neutrais; Artº 6º - À importação
nos domínios de Portugal de quaisquer objectos, produtos do solo ou da indústria
dos territórios da República do Transwaal, assim como à importação dos
territórios do Transwaal de quaisquer objectos, produtos do solo ou da
indústria dos domínios de Portugal não serão impostos direitos alguns maiores
ou diferentes dos que pagam ou vierem a pagar por objectos idênticos, produtos
do solo ou da indústria de qualquer País estrangeiro e bem assim, em nenhum dos
dois países se imporão à exportação de quaisquer objectos para os domínios de
Portugal ou para os territórios da República do Transwaal, respectivamente
direitos ou contribuições algumas maiores ou diferentes das que se pagam pela
exportação de objectos idênticos para outro qualquer País estrangeiro, nem à
importação ou exportação entre os domínios de Portugal e os territórios da República
do Transwaal de quaisquer objectos, produtos de solo ou da indústria dos dois
países se imporá a proibição ou restrição alguma que não seja igualmente
extensiva a todas as outras nações; Artº 7º - Se alguma das partes contratantes
conceder, para o futuro, algum favor especial em objectos de comércio a
qualquer outra nação, esse favor tornar-se-á imediatamente comum à outra parte
ou absolutamente quando assim for concedido a essa outra nação, ou estipulando-se
a mesma compensação quando a concessão for condicional; Artº 8º - Todos os
privilégios de trânsito e todos os outros prémios ou gratificações e restituições
de direitos que forem concedidos dentro dos territórios de uma das partes contratantes
à importação ou exportação de quaisquer objectos estrangeiros, serão igualmente
concedidos aos objectos idênticos, produtos do solo ou da indústria da outra
parte contratante; Artº 9º - Todos os comerciantes ou mais súbditos e cidadãos
de ambos os países terão plena liberdade de tratar pessoalmente dos seus
negócios em todos os lugares sujeitos à jurisdição de qualquer deles, no
tocante à consignação e venda das suas fazendas e mercadorias, por atacado ou
por miúdo, devendo em todos estes casos ser considerados como súbditos ou
cidadãos do País em que residirem ou pelo menos equiparados aos súbitos ou
cidadãos da nação mais favorecida; Artº 10º - Os súbditos e cidadãos de
qualquer das partes contratantes não serão sujeitos a embargo algum nem a serem
retidos com as suas mercadorias ou efeitos para expedições militares, ou para
algum outro fim,, quer seja de interesse particular, quer seja de interesse
público, sem se dar aos interessados indemnização suficiente; Artº 11º - Os
súbditos e cidadãos de cada uma das partes contratantes poderão dispor dos bens
móveis que possuírem nos territórios da jurisdição da outra, por venda, doação,
testamento ou por qualquer outro modo e os seus herdeiros, que forem súbditos
ou cidadãos da outra parte sucederão nos ditos bens móveis, ou por testamento
ou “ab intestado” e, por si ou por procurador, poderão tomar posse dos mesmos
bens e dispor deles a seu arbítrio, pagando tão somente os direitos impostos ou
encargos que forem obrigados a pagar, em semelhantes casos, os habitantes do
País onde os seus bens existirem e, se o herdeiro estiver ausente, tomar-se-á
conta dos ditos bens da mesma forma que tomaria dos de um indivíduo nacional em
caso idêntico, enquanto o legítimo proprietário não der providências para ser
entregue deles. Suscitando-se alguma dúvida entre diversos pretendentes sobre o
direito aos referidos bens, essa dúvida será decidida pelas leis e juízes do
País onde eles existirem mas, se os ditos pretendentes assim o convencionarem,
será a questão decidida por árbitros por eles nomeados e a decisão desses árbitros,
de que se lavrará termo, terá a mesma força e efeito que teria se fosse dada
pelo respectivo juiz. E quanto aos bens de raiz, se aos sobreditos herdeiros
for vedado entrar na posse da herança, em razão de serem estrangeiros,
conceder-lhes-á um prazo de três anos para disporem dela como lhes aprouver e
para apurarem e retirarem do País o seu produto, sem que se lhes oponha
embaraço algum, nem fiquem sujeitos a nenhuns outros encargos senão àqueles que
estiverem estabelecidos pelas leis do País e com isenção de todos os direitos
de detracção da parte dos governos dos respectivos países; Artº 12º - Ambas as
partes contratantes prometem e obrigam-se, formalmente, a cada uma delas dar a
sua especial protecção às pessoas e propriedades dos súbditos e cidadãos da outra, de todas as classes que se achem, ou de passagem
ou de permanência nos territórios sujeitos à sua jurisdição, franqueando-lhes o
acesso dos tribunais da justiça para a eles recorrerem nos seus pleitos
judiciais nos mesmos que for uso e costume praticar-se com os súbditos ou
cidadãos de origem europeia do País em que estiverem; para o que poderão
empregar em defesa dos seus direitos em todas as suas demandas os advogados, os
procuradores e agentes que lhes parecer convenientes e tanto às próprias partes
como aos seus agentes será permitido assistir às decisões e sentenças dos
tribunais em todos os casos que lhes disserem respeito e bem assim estarem presentes
a todos os depoimentos e provas que se tomarem e exibirem nas ditas demandas,
do mesmo modo que for permitido aos súbditos ou cidadãos nacionais; Artº 13º -
Igualmente se estipula que, tanto quanto for possível, todos os súbditos ou
cidadãos de qualquer das partes contratantes, que sendo réus de crimes de
assassinato, incêndio, roubo, moeda falsa e bancarrota fraudulenta, se
refugiarem da justiça nos territórios da outra, serão reciprocamente entregues,
se assim for exigido; Artº 14º - Os testamentos, certidões de casamento e
quaisquer outros documentos passados pelas competentes autoridades de uma das
partes contratantes, que devam ser apresentadas perante os tribunais ou outras
autoridades da outra parte, sendo autenticadas pelos agentes consulares
respectivos, terão neles toda a validade; Artº 15º - Os súbditos e cidadãos de
ambas as partes contratantes gozarão da mais perfeita e completa liberdade de
comércio nos territórios sujeitos à jurisdição de cada uma delas, não podendo
nunca ser inquietados por causa da sua crença religiosa enquanto respeitarem as
leis do País e os costumes estabelecidos. Além disso os corpos dos súbditos e
cidadãos de uma das partes contratantes, falecidos nos territórios da outra,
serão enterrados nos cemitérios usuais ou em algum outro lugar decente e apropriado,
devendo ser protegido de qualquer violação ou insulto; Artº 16º - As duas
partes contratantes concedem reciprocamente, uma à outra, a faculdade de cada
uma ter, nas terras comerciais da outra, onde for permitido a estrangeiros
comerciar, cônsules, vice-cônsules ou agentes comerciais de sua nomeação e aos
quais competirão os mesmos direitos, atribuições, prerrogativas e imunidades
dos cônsules, vice-cônsules e agentes comerciais da nação mais favorecida e
dar-se-á protecção e o auxílio que for necessário para bem desempenharem as
suas funções, ficando contudo reservada, a cada uma das partes contratantes, o
direito de exceptuar os lugares onde a admissão e residência dos ditos
cônsules, vice-cônsules ou agentes comerciais pareça não ser conveniente.
Declara-se, porém, expressamente, que no caso dos ditos cônsules, vice-cônsules
ou agentes comerciais se comportarem ilegalmente, ou de algum modo
inconveniente em relação às leis ou governos do País onde residirem poderão, nesse
caso, serem perseguidos e punidos na conformidade das leis e suspensos do
exercício das suas funções pelo governo ofendido, o qual deverá informar o
outro dos motivos que teve para assim obrar; ficando contudo entendido que os
arquivos e documentos relativos aos negócios do consulado serão inviolavelmente
respeitados e cuidadosamente guardados debaixo dos selos dos cônsules,
vice-cônsules ou agentes comerciais, e da autoridade do lugar onde eles
residirem, não podendo nenhum magistrado, debaixo de pretexto algum, apoderar-se
dos ditos arquivos e documentos, nem ter ingerência alguma neles; Artº 17º - A
fim de que os cônsules, vice-cônsules e agentes comerciais das duas partes
contratantes possam gozar dos direitos, prerrogativas e imunidades que lhes
competem como funcionários públicos deverão eles, antes de entrar no serviço
das suas funções apresentar o seu diploma em devida forma ao governo junto do
qual forem acreditados, e havendo obtido o seu “exequatur”, serão tidos e
considerados como tais por todas as autoridades, magistrados e habitantes do
distrito consular onde residirem; Artº 18º - Igualmente se estipula que os
cônsules, seus secretários e as pessoas agregadas ao serviço dos cônsules, não
sendo súbditos ou cidadãos do país em que os cônsules residirem, serão isentos
de todo o serviço público e também de todo o género de tributos e contribuições,
excepto os que forem obrigados a pagar pelo seu comércio ou propriedades e a
que estejam igualmente obrigados os súbditos ou cidadãos e habitantes nacionais
e estrangeiros do País em que residirem, ficando em tudo o mais sujeitos ás
leis dos respectivos países; Artº 19ª - Ambas as partes contratantes convém em
conceder aos enviados, ministros e outros agentes públicos de cada uma delas
respectivamente, os mesmos favores, imunidades e isenções que gozam ou vierem a
gozar os das nações mais favorecidas; Artº 20º - Quando uma das partes
contratantes estiver em guerra com outro estado, nenhum súbdito ou cidadão da
outra parte contratante poderá acudir ao dito inimigo ou cooperar com ele
hostilmente contra a dita parte contratante com quem estiver em guerra, sob
pena de perder o direito à protecção do governo a que pertencer; Artº 21º - Se
por fatalidade, que não é de esperar e Deus não permita, as duas partes contratantes
tiverem guerra uma contra a outra, conceder-se-á o prazo de seis meses aos
negociantes residentes nas costas e portos e de um ano aos que habitam no
interior, para arranjarem os seus negócios e transportarem os seus efeitos para
onde quiserem dando-se-lhes, para esse fim, o necessário passaporte que lhes
garanta toda a protecção de que careçam até chegar ao lugar designado. Os
súbditos e cidadãos de todas as outras classes que se acharem estabelecidos nos
territórios das duas partes contratantes serão respeitados e mantidos no pleno
gozo da sua liberdade individual e propriedade, mesmo no dito caso de guerra,
contanto que o seu comportamento particular não os faça perder esta protecção
que, por considerações de humanidade, as duas partes contratantes se obrigam a
dar-lhes; Artº 22º - As dívidas por que os indivíduos de uma das partes
contratantes forem obrigados aos das outras, as acções e o dinheiro que tiverem
em fundos públicos ou em bancos públicos ou particulares, nunca poderão ser
sequestrados ou confiscados em caso nenhum de guerra ou contenda nacional; Artº
23º - Sua Majestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e o governo da República
do Transwaal, desejando tornar tão duradouras quanto as circunstâncias o
permitam as relações que se trata de estabelecer entre as duas partes
contratantes, por meio deste tratado ou convenção geral de paz, amizade, e comércio
declaram, solenemente, que concordam nos seguintes pontos: A)- O presente tratado
terá vigor por tempo de seis anos, a contar do dia da troca das ratificações e
se doze meses antes de findar esse prazo nenhuma das partes contratantes tiver
notificado oficialmente a outra da sua intenção de suster a execução do mesmo
tratado, ficará ele ainda sendo obrigatório por espaço de uma ano, além daquele
tempo e assim por diante, até findarem os doze meses que se seguirem a
semelhante notificação, qualquer que seja o tempo em que tenha lugar. E mais se
estipula que passado um ano depois de ter sida recebida a dita notificação de
qualquer das partes contratantes pela outra, este tratado cessará e terminará
inteiramente em tudo que for comércio, excepto o trânsito livre, e em todas as
provisões relativas a paz, amizade e trânsito livre, ficará sendo permanente e
perpetuamente obrigatório para ambas as partes contratantes; B)- Sendo o
Distrito da baía de Lourenço Marques, que nas cartas hidrográficas inglesas é
denominada Delagoa Bay, a mais meridional das possessões portuguesas da África
oriental, fica entendido que nestas regiões do continente africano as
estipulações deste tratado serão executadas por parte da Coroa de Portugal nos
territórios que a ela pertencem, os quais ao Sul têm por limites a linha, que
sendo tirada desde um ponto em 26º 30”
de latitude sul em linha recta para o Oeste até às montanhas dos Libombos,
dali ao longo do cume das ditas
montanhas até ao passe do rio Incomáti, onde aquele rio corre entre as
montanhas dos Libombos, dali para Nor-Nordeste, até ao monte chamado Pokineskop
que fica ao norte do rio Elefantes, onde ele corre naquelas vizinhanças, dali
para Nor-Noroeste, até ao ponto mais próximo da serra de Chicundo, onde corre o
rio Umbovo; dali em linha recta até à junção dos rios Pafúri e Limpopo; C) – Se
algum ou alguns dos súbditos ou cidadãos de qualquer das partes contratantes
infringir alguns artigos deste tratado, esse súbdito ou cidadão será
individualmente responsável por semelhante infracção e a harmonia e boa
correspondência entre os dois países não serão, por isso, interrompidas,
obrigando-se cada uma das partes contratantes a não proteger de modo algum o
infractor e a não sancionar tal infracção; D)- Se infelizmente, o que não é de
esperar, alguns dos artigos do presente tratado for violado ou infringido de qualquer modo que seja,
expressamente se estipula que nenhuma das partes contratantes ordenará ou
autorizará a actos alguns de represália nem declarará guerra à outra por
agravos de injúrias ou danos, sem que a mesma parte contratante, que se
considerar ofendida, haja primeiramente apresentado à outra uma nota das ditas
injúrias ou danos competentemente comprovada, pedindo justiça e satisfação e
esta lhe tenha sido denegada ou, sem justo motivo, preterida. E dado mesmo este
último caso, nenhuma das partes contratantes praticará, para com a outra, acto
algum de represália ou de hostilidade sem que ambas tenham recorrido a uma
potência amiga também de ambas, que escolherão de comum acordo, para que a dita
potência, tomando conhecimento de todas as circunstâncias ocorridas, possa
aconselhar-lhes o que devem fazer para a manutenção da boa harmonia entre si;
E) – Nada do que se contém neste tratado se entenderá derrogar o que se acha
estabelecido pelos anteriores tratados públicos com outros soberanos ou estados
e que estiverem em vigor; Artº 24º - Este tratado será aprovado por sua
Majestade El-Rei de Portugal e dos Algarves e pelo governo da República do
Transvaal e as ratificações serão trocadas na cidade do Cabo da Boa Esperança,
dentro de uma ano contado da data da assinatura, ou mais cedo se for possível.
--- Em testemunho do que os respectivos plenipotenciários assinaram o presente
tratado, em originais duplicados na língua portuguesa e holandesa, e o firmaram
com selo das suas armas. Feito em Pretória, aos 29 dias do mês de Julho do ano
do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1869.” O tratado, muito favorável aos interesses dos
bóeres veio a ser ratificado por ambas as partes, posteriormente. Entretanto,
no triénio de 1867 a
1869 a
descoberta de diamantes nas repúblicas bóeres vem revolucionar todo o modo de
vida pacato e atrai toda a espécie de aventureiros àquelas paragens, os
uitlanders**, com passagem obrigatória por Lourenço Marques. Estava lançada a
semente donde iria germinar a destruição das repúblicas bóeres, pois o
surgimento de fabulosas riquezas naquele subsolo não iria deixar indiferentes
os interesses económicos dos capitalistas britânicos. Em 1872 Pretorius cede a
cadeira presidencial a Thomas François Burgers e a sua actuação política
promove o descontentamento em numerosas famílias bóeres, que iniciam nova
partida para outros territórios nortenhos, razão de instalação de bóeres em
terras de Angola, depois de terem atravessado o Cunene. O incremento económico
do Transvaal obriga à criação de um caminho-de-ferro que ligasse aquela
República ao porto de Lourenço Marques**, agora que os portugueses tinham o
reconhecimento internacional da plena soberania desta cidade e territórios
circundantes, depois da decisão do Presidente francês Mac-Mahon**, que arbitrou
o conflito que opôs Portugal à Grã-Bretanha, em 1875, na questão da baía de
Lourenço Marques**. Em 12 de Abril de 1877 os britânicos declaram a anexação do
Transvaal, mas revogam essa decisão mais tarde, fruto da resistência da
população bóer e da derrota sofrida na primeira guerra anglo-bóer**. O
caminho-de-ferro que ligava Lourenço Marques ao interior transvaliano acaba por
ser inaugurado em Julho de 1895, depois de muitas peripécias e contratempos. Em
1886 descobriu-se ouro no Transvaal e nova hecatombe de estrangeiros
(uitlanders) caem naquelas paragens, o que ainda vem aumentar mais o fosso
entre os bóeres e os estrangeiros, extremando as posições. Por um lado estavam
os bóeres, que se achavam os legítimos donos daquelas terras, por as terem
colonizado décadas antes e com um estilo de vida baseado na liberdade individual,
nos princípios bíblicos fundamentalistas e na supremacia branca e tentando defender
um código de valores familiares puristas e do outro lado toda uma turba de
aventureiros de múltiplas nacionalidades, sem escrúpulos e na busca do lucro
rápido e fácil sem olhar a meios, que acabavam sempre por justificar os fins. A
acrescer a este caldeirão de turbulência social encontravam-se os britânicos,
devidamente organizados, quer militar quer economicamente, à espera de atacarem
na primeira oportunidade. Surge em cena uma dos maiores predadores britânicos
que acabará por acender o rastilho a toda esta pólvora social, Cecil Rhodes*,
com a sua companhia majestática, a British South Africa Company*, pura e dura
guarda avançada do capitalismo britânico. Em 1895 promove a que ficou conhecida
como incursão militar “Jameson Raid”** em terras transvalianas. Apesar de ter
sido derrotado e sofrido consequências políticas que ditaram a sua queda de
prestígio na cidade do Cabo, lançou a semente para a futura segunda guerra
anglo-bóer** que, tendo estalado em 1899 terminou formalmente em 1902, com a vitória
britânica. As simpatias portuguesas pela causa bóer não conseguiram fazer muito
para salvá-los da derrota. Em Maio de 1900, Paul Kruger**, Presidente do
Transval, resigna e parte para o exílio europeu, embarcando em Lourenço Marques. Daí em diante a Grã-Bretanha
era a nova soberana das terras que tinham sido repúblicas bóeres e era com os
novos senhores que os portugueses, para o bem e para o mal, tinham que conviver.
Boi –-
Nome popular, no decurso do século XIX, que se referia ao contrato estabelecido
entre os negreiros e as autoridades portuguesas, recebendo estas uma certa importância,
em dinheiro, para autorizarem a saída dos barcos esclavagistas.
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* - Já aberta ficha
** - A abrir ficha posteriormente
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ROMANCES
Título: Loanda escravas, donas e senhoras
Subtítulo: Uma estória de amor e coragem, de mulheres fortes
num mundo só de homens: a Loanda Seiscentista no Reyno de Angola.Autora: Isabel Valadão
Editora: Bertrand Editora Ano: 2011 Págs.: 280 Género: romance colonial
Um romance baseado na temática colonial,
tendo como palco e época a cidade de Luanda no século XVII. Centrando o enredo
na vivência de duas mulheres que ali terão vivido – Maria Ortega, uma ex-escrava
degredada pela Inquisição e Anna de São Miguel, com ascendência espanhola,
romanceia a vivência de amor e coragem destas mulheres num mundo de então
dominado pelos homens, tais como fidalgos, traficantes, degredados, libertos,
escravos, todos eles rodopiando à volta destas mulheres. Com personalidades
vincadas estas duas mulheres, que existiram na realidade, deixaram o seu cunho
pessoal marcado nesta cidade se bem que, no romance, a Autora ficcione bastante
as suas histórias, a par da História que na realidade terá ocorrido.
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Título: Antologia do conto fantástico português
Subtítulo: Autor: Diversos Autores
Editora: Arte Mágica Editores Ano: 2003 Págs.: 511 Género: Conto
Sendo o conto um dos meus géneros
literários favoritos, nomeadamente nos subgéneros histórico e memorialista,
reconheço que é um tipo de literatura pouco acarinhado, em relação ao romance.
Ao deambular numa feira de livros logrei tropeçar nesta colectânea, composta
por 35 contos, escritos por nomes de peso no nosso panorama lusitano (um conto
por Autor), dispostos cronologicamente pela época dos seus Autores e,
iniciando-se com Alexandre Herculano, finda com Almeida Faria encontrando, de
permeio, escritos de Natália Correia, Branquinho da Fonseca, Eça de Queiroz,
Fialho de Almeida, Raul Brandão e tanto outros notáveis.
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DISCOTECA
Fausto
Bordalo Dias – (Vila Franca das Naves, 26/11/1948) – Compositor e cantor.
Pouco após o seu nascimento vai para Angola, onde atravessa a sua fase de
infância e adolescência. Vinte anos mais tarde regressa a Portugal para
prosseguir os seus estudos, agora no âmbito universitário.
A sua vocação musical já se soltava em
Angola, onde integrava uma banda denominada “Os Rebeldes”. A par dos estudos
universitários, a sua carreira musical e a sua militância política aproxima-o
dos músicos de intervenção da época e Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira,
Manuel Freire, entre muitos outros fazem parte do seu círculo de amizades. Ao longo da sua carreira musical,
iniciada com a publicação do primeiro álbum em 1970, ainda activa, editou doze
álbuns de originais, que o cotaram como um dos mais importantes músicos da música
popular portuguesa da segunda metade do século XX.
É o consagrado Autor do duplo álbum “Por este rio acima”
no qual, inspirando-se no livro “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, musicou magistralmente o mesmo (1982). Foi o
início duma trilogia de duplos álbuns sobre a saga lusa dos Descobrimentos,
publicando em 1994 o “Crónicas da Terra Ardente” e fechando com chave de ouro em 2011 com o “Em busca das
Montanhas Azuis”. Fui dos que lamentou
que, no lançamento do livro “O corsário dos sete mares” (aqui referido na mensagem de 24/10), Fausto não tivesse estado
presente a actuar. Teria sido ouro sobre azul.
Nunca escondi, em textos anteriores
neste blogue a minha grande admiração pelo percurso deste músico. Admiro-o
incondicionalmente, fazendo o mesmo parte integrante da minha Santíssima
Trindade Musical: Fausto, Pedro Barroso e Pedro Abrunhosa. Todos eles
compositores, letristas, cantores e tocadores de instrumentos. Todos eles
reflectem na sua obra os cuidados da sua passagem por este Mundo. Todos eles
são músicos excepcionais e, para a dimensão do País que somos e rendidos à porcaria
da “pimbaria”, são um escol que tende a diminuir – não quero ser pessimista e
dizer que estão a desaparecer.
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FILMOTECA
Título: África minha (Out of Africa)
Produtor: Realizador: Sydney PollackActores: Maryl Streep, Robert Redford
Ano: 1985 Género: Biografia Duração: 150 minutos
Este filme é baseado no livro memorial
que Karen Blixen escreveu depois de ter saído do Quénia. Centrado nos amores
que esta mulher teve com o caçador Denys Fich-Hatton, o filme tem uma belíssima
fotografia e, para mim, nada mais do que isso, independentemente da
interpretação dos artistas.
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ACONTECEU
Félix
Baumgartner – Praticou um feito fabuloso ao saltar estratosfericamente
a 39.068 metros de altitude, pulverizando vários recordes, entre os quais o de
ter ultrapassado a barreira do som, tendo atingido a louca velocidade de
1.341,9 kms/hora em queda livre. Tão ou mais importante que os recordes batidos
está o ampliar do conhecimento científico sobre várias matérias ligadas à
conquista espacial bem como sobre as reacções físicas e psicológicas do corpo
humano quando submetido a uma brutal pressão como esta.
Dele registo uma frase lapidar, depois
do feito que durou cerca de quinze minutos: “Às vezes temos de chegar muito alto para ver como somos pequenos.” Caramba, 1.173 kms/hora em queda livre… não
tenho palavras.
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