"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Daphne Sheldrick e David Sheldrick



VIAJANTES, AVENTUREIROS E EXPLORADORES


Daphne Sheldrick – (Quénia, 04/06/1934) – Conservacionista, especializada no resgate e reintegração de elefantes e rinocerontes.
 

 

Descendendo duma família geracionalmente instalada em África: “… No início do século XX o meu tio-bisavô Will tinha uma vida relativamente próspera no Cabo Oriental da África do Sul…”, em 1907 o seu tio-avô, caçador entusiasta que, volta não volta, deslocava-se ao Quénia para a actividade cinegética, recebeu uma proposta do Governador da Colónia do Quénia – Charles Eliott – que “…se ele conseguisse trazer vente famílias para o Quénia, o Governo atribuir-lhes-ia terra gratuita para se estabelecerem…”. O que virá a suceder, e Daphne Sheldrick torna-se num dos elementos da terceira geração da sua família no Quénia: “… Em 1930, um ano depois do casamento (falando da mãe Marjorie, que se casara com o seu pai Bryan) foi mãe – um filho, Pete, seguido 18 meses depois, por uma filha, Sheila. E três anos mais tarde, em Junho de 1934, nasci eu. A nossa irmãzinha Betty chegou quatro anos depois de mim…”

Vivendo numa herdade, o contacto com a Mãe-Natureza no geral e o mundo animal, no particular, era uma constante da sua vida: “… Havia animais por todos os lados: os seus sons, os seus odores, o seu comportamento, faziam parte do tecido quotidiano da vida…” e “… ao sairmos de casa… juntavam-se a nós todos os nossos cães, Bob, a impala, Daisy, a corça e Ricky-Ticki-Tavi, o mangusto anão…” Os seus olhos maravilham-se com a descoberta do mar nas férias familiares: “… O que mais me agradava era a Lagoa Azul, em Watamu, o oceano a sul de Malindi…Havia duas lagoas separadas por um antigo promontório de corais, cujos lados irregulares tinham sido escavados pelo mar, criando grutas frescas… Nalgumas grutas, a descida da maré deixava pequenas poças e a luz do Sol que passava pelos orifícios do promontório acima criava prismas que reflectiam as cores do arco-íris. O efeito era mágico… E é aqui que: “… A lagoa e o seu espectáculo mágico da vida marinha foi o mais perto que estive das fantasias de países encantados da minha infância… Foi o meu derradeiro verão de inocência…”.

A Segunda Guerra Mundial veio alterar um pouco este panorama bucólico da sua vivência, pois como refere, carecendo o Governo britânico de alimentar as tropas que combatiam na Abissínia (actual Etiópia) e Birmânia (actual Myanmar), ordenou o abate de milhares de animais selvagens. “… De maneira a obter alimentos, milhares de animais tiveram de ser sacrificados e, para levar a cabo esta tarefa, o meu pai foi escolhido para matar gnus e zebras na Reserva de Caça do Sul, num local chamado Selengai…”

Inicia a sua vida escolar: “… Aos seis anos juntei-me aos meus irmãos como aluna interna em Nakuru…” e “…Quando fiz treze anos inscrevi-me na mesma escola da minha irmã mais velha, no Liceu Feminino do Quénia, em Nairobi…”

Os murmúrios da revolta dos negros contra o domínio colonial começam a adensar-se: “… Quando entrámos nos anos 50, a estrutura da vida começou a mudar. A agitação entre a população africana foi crescendo, lenta, mas firmemente… Havia sinais de que os Mau-Mau (1), um grupo clandestino de membros da nação kikuyo (2), pretendiam livrar-se do protectorado britânico no Quénia e dos colonos europeus, pois achavam-se despojados da sua própria terra…”. Assiste, involuntariamente, ao fenecer do domínio colonial naquelas paradisíacas paisagens e membros da sua família são espancados por assaltantes “… Na calada da noite, o avô e a avó Webb foram roubados e violentamente espancados, durante um assalto à sua casa, por bandidos suspeitos de serem iniciados dos Mau-Mau…”.

Aos 16 anos “… deixei de estudar…” e torna-se uma doméstica a tempo inteiro, preparando-se para um casamento com o seu namorado de então (Bill Woodley). Apesar de ter vencido uma bolsa de estudo, para cursar medicina em Inglaterra, a perspectiva dum exílio dourado de sete anos longe do paraíso que ainda era o Quénia e do seu amado Bill levaram-na a tomar tal decisão. Inscreve-se num curso de secretariado, numa associação cristã e, concluído este, emprega-se numa empresa de produtos químicos. Nesse espaço de tempo, já com 17 anos, a roda do destino começa a girar sem se aperceber. O seu irmão Peter e o seu noivo, Bill, acabam por serem colocados no Parque Nacional Tsavo (3), onde pontificava David Sheldrick.

A revolta Mau-Mau aumenta de intensidade e as autoridades britânicas acabam, em 1952, por prender Jomo Kennyatta (4) acusando-o de liderar a revolta. O terror aumenta e as mortes, quer de colonos quer de negros fiéis tornam-se galopantes. Fruto disso o governo cria corpos de milícias paramilitares para protegerem as populações e, quer Peter quer Bill, integram essas milícias. Mas os colonos sentem-se cada vez mais asfixiados e as cisões entram no seio familiar. O desnorte de não serem nem carne nem peixe assola-os: “…Naturalmente, a nossa comunidade estava a tornar-se noutra coisa sem sequer sabermos. Rotulados de Tribo Branca de África, começámos rapidamente a perder direitos no país que considerávamos com a nossa casa e não poderíamos voltar a ser verdadeiramente britânicos, devido ao prolongado isolamento em África. Da mesma forma que também era impossível sermos verdadeiramente africanos, por causa da cor e da cultura…”. Apesar de todos os contratempos que os novos tempos traziam, mantinha o seu firme desejo de casar com Bill e ir viver com ele no Parque Nacional de Tsavo. Até porque, tendo crescido numa quinta em comunhão com a vida selvagem, o seu emprego de secretária, fechada numa sala duma empresa, na capital da colónia, não a seduzia nada.

Dois nefastos eventos antecederam o seu casamento: a chacina, pelos Mau-Mau, de todo o pessoal que trabalhava numa quinta duma sua tia-avó em Nanyuki e o falecimento do seu avô Webb, por causas naturais. Apesar disso o casamento com Bill segue para a frente (1953), em Naivasha, junto ao lago do mesmo nome (5). Dois anos mais tarde a maternidade traz-lhe a alegria duma filha (Jill) e acaba por se instalar em Tsavo, onde vem a travar conhecimento mais profundo com David Sheldrick, que a impressiona: “… Era alto e, nos seus olhos de um azul profundo, havia um misto de interesse e divertimento: olhos debruados por longas e espessas pestanas que seriam alvo de cobiça por qualquer rapariga. O seu aperto de mão era forte e as pernas bem proporcionadas…”. Quatro anos antes, com 17 de idade, cruzara-se uma vez com ele de relance e, naquela altura, a presença daquele homem nada lhe dissera no íntimo.

Lentamente a influência de David Shelkrick começa a interiorizar-se no seu dia-a-dia e, fascinada, aprende com ele a lidar com elefantes, principalmente com dois que ele resgatara. Fruto da sua formação de secretariado, que cursara e ainda trabalhara em Nairobi, Daphne instala-se no escritório de David Sheldrick, colaborando com o mesmo em todo o trabalho burocrático.

Seis anos volvidos, o conto de fadas que fora o casamento com Bill começou a esfriar-se com o correr dos tempos: “… Por outro lado eu ia cada vez mais perdendo o encanto pelo Bill. Os seus horários informais há muito que eram fonte e frustração mesmo antes do casamento…” As longas ausências profissionais de Bill, no combate aos caçadores furtivos, o facto dele, anualmente, nas suas férias dedicar-se á caça de elefantes (tinha licença de caça profissional) em vez de as passar com a família, o que chegava a causar reparos negativos da parte do próprio David Sheldrick: “…Eu própria sentia-me muito envergonhada por o Bill retirar tanto prazer de matar um elefante e até o Director dos Parques Nacionais, o coronel Mervyn Cowie, franzia o sobrolho a esse facto e exprimia o seu desagrado ao David…”. Lutando entre o morrer do seu amor por Bill e o nascer da paixão por David Sheldrick esta última haveria de prevalecer.

Em 1959, o ainda seu marido Bill foi nomeado responsável pelos Parques Nacionais de Aberdere, a cerca de 500 quilómetros de Tsavo. Não aceitando a saída de Tsavo, onde tinha uma vida aventurosa, nem o desligar-se de David Sheldrick, a sua paixão, Daphne abre o jogo até aí escondido ao seu marido e requer a separação do casal, o que acabou por ser aceite por este. O divórcio consumar-se-ia passado pouco tempo. 

Agora ligada de vez e publicamente a David Sheldrick, Daphne leva uma vida de sonho no paraíso africano de Tsavo. O Parque, que finalmente tinha controlado a caça furtiva, era visitado regularmente por cientistas zoólogos e as constantes incursões que fazia na busca de espécimes de plantas com que os elefantes se alimentavam e de controlo de manadas dos mesmos, tornaram-na rapidamente numa especialista destes proboscídeos.



Daphne Sheldrick e um dos seus orfanatos para elefantes

Em 1960 o Quénia caminha inexoravelmente para a independência, aceleração essa que toma forma depois de Harold Macmillan, Primeiro-Ministro britânico ter proferido, no Parlamento sul-africano, o célebre discurso que ficou conhecido para a História como “Ventos de Mudança” (5). O receio adensa-se nos colonos, pois a perspectiva de “um homem um voto” faria recair nas mãos negras o futuro governo independentista.

Nesse mesmo ano Daphne casa-se com David e adopta o apelido Sheldick. Tinha 26 anos e como ela confessa nas suas memórias: “… começou para mim uma época de extrema felicidade…”. No ano seguinte nasce uma filha deste segundo casamento, de nome Ângela. Dedica-se ao estudo dos hábitos elefantinos, apoiada incondicionalmente por David Sheldrick tornando-se numa eminência mundial. As crias órfãs de elefantes, rinocerontes e búfalos aumentava dia a dia e o seu convívio diário e permanente com as mesmas, levava-a a efectuar estudos que ia anotando minuciosamente.

A 12 de Dezembro de 1963 nasce a República do Quénia e o casal Sheldrick mantém-se em Tsavo na sua intensa actividade, contrariamente a muitos colonos que optam por partirem para outras paragens mais “brancas”, tal como a Rodésia (actual Zimbabwé) ou África do Sul.

Na década de 70 Daphne Sheldrick atinge maior notoriedade mundial quando, em desespero de causa para alimentar uma elefanta órfã, depois de diversas tentativas desesperadas consegue acertar na fórmula láctea para alimentar uma cria que ela baptizara de “Aisha”: “… Chegou o dia em que estava demasiado fraca para sequer se por de pé. Sentada com a cabeça dela no meu colo, as lágrimas corriam-me pela cara, à medida que pensava como iria mantê-la viva. Voltei à minha dispensa e fixei as filas de fórmulas diferentes que tinha andado a tentar uma a uma. Só faltava experimentar uma, que me tinha siso dada pela Ruth Eden, uma simpática visitante inglesa e, ao ler os ingredientes percebi que incluía óleo de coco. Lembro-me de em tempos ter lido que este era o substituto mais próximo da gordura do leite de elefante, por isso animei-me – nem tudo estava ainda perdido. Preparei a mistura conforme as indicações na lata e fui aliviar a fome da “Shmerty” (outro nome de “Aisha”). Funcionou! Fiquei exultante. Mal podia acreditar que tinha desvendado o mistério de como criar um elefante bébé…”. Foi uma descoberta sensacional, que abriu novas pistas para a preservação dos elefantes bébés órfãos em todo o Mundo.

Viúva, instala-se no Parque Nacional de Nairobi. “… Senti-me profundamente agradecida ao Governo queniano por me conceder o privilégio único de residir no Parque Nacional de Nairobi...”. Mantendo-se activa na preservação dos elefantes bébés órfãos, em 1987 cria o “Fundo David Sheldrick para a Protecção da Vida Selvagem” (“DSWT – David Sheldrick Wildlife Trust”) numa justa homenagem à memória do seu falecido marido, dedicando-se também em conferências internacionais, visando o combate ao tráfico do marfim e dos cornos de rinocerontes, bem como na criação de orfanatos para estes animais para depois serem reintroduzidos na vida selvagem, após uma passagem pelos centros de reabilitação que o DSWT criou com os fundos que dispõe.

Nos dias de hoje ainda é viva e activa, nas possibilidades da sua idade, tendo escrito o livro autobiográfico “Uma história de amor em África”. Condecorada, em 2001, com a “Ordem da Lança Ardente do Quénia” recebe, em 2006, a Comenda do Império Britânico. Justas homenagens a uma lutadora incansável pelas causas ambientais africanas.

No dia em que se for juntar a David Sheldrick, o grande amor da sua vida, de certeza que os elefantes de África barrirão em homenagem à sua “Mãe”.

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1 – Mau-Mau – Nome com que ficou conhecida a revolta negra contra o domínio colonial britânico no Quénia, provocando um conflito de guerrilha campestre e com actos de barbárie. Este movimento independentista, maioritariamente com a componente kikyuo, perdurou durante toda a década de 50. A origem do termo “Mau-Mau” é incerta, admitindo-se que pudesse ser um anagrama do grito kikuyo “Uma Uma”, que significaria “vai-te embora, vai-te embora”.

2 – Kikuyo – Um dos povos que compõem o mosaico étnico do Quénia.

3 – Parque Nacional Tsavo – É o mais antigo e maior dos parques naturais quenianos. Criado em 1948, possui uma área aproximada de 12.000 quilómetros quadrados. Localiza-se numa área ancestralmente referido por Deserto Taru.

4 – Jomo Kennyatta (1893/1978) – Conduziu o País à independência, que ocorreu em 1963, tornando-se no primeiro Presidente da República, após ter exercido o cargo de Primeiro-Ministro. Governou o mesmo com mão férrea, até à data do seu falecimento. É considerado o pai fundador deste país.

5 – Sobre o lago Naivasha, e a luta pela sua preservação aflorei, ao de leve e em mensagem anterior, a vida de Joan Root (e do seu marido Alan Root), que pagou com a sua vida a luta tenaz contra os interesses economicistas que levaram à destruição do mesmo. Numa próxima mensagem voltarei a biografar a vida deste lendário casal, mas com mais desenvolvimento.

6 – “Ventos de mudança” – Este famoso discurso foi por mim abordado e transcrito parcialmente na mensagem de 27/05/2012 (dedicado a Dian Fossey), numa adenda da secção de Poesia, onde falava de Rui Knopkli e dum poema seu, precisamente titulado de “Winds of change”.

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David Sheldrick – (Alexandria, 23/11/1919 – Nairobi, 13/06/1977) – Conservacionista. Exerceu o cargo de Director do Parque Nacional Tsavo, no Quénia. Filho dum ex-combatente da Primeira Guerra Mundial (1914/1918), ainda criança acompanhou os pais para o Quénia, quando estes ali montaram uma fazenda para cultivo de café.

 
 

Após ter efectuado os estudos na Grã-Bretanha, retorna ao Quénia (1930) e trabalha como gestor duma quinta, em Kinangop mas, no deflagrar da II Guerra Mundial (1939/1945), serve o seu País, quer na Abissínia (Etiópia) e em Burma (Myanmar). Após o findar do conflito regressa de novo ao Quénia e, casado e com dois filhos, emprega-se na empresa “Safariland”, a primeira empresa a dedicar-se, em Nairobi, ao negócio dos safaris. Acaba colocado no Parque Nacinal de Tsavo e cria o corpo de guardas florestais (1948), parque este criado neste mesmo ano.

Conservacionista, a par de criar de raiz as infraestruturas do Parque Nacional, desenvolve também a sua actividade na recolha e reintegração posterior na vida selvagem de diversas espécies de animais, nomeadamente de elefantes e rinocerontes adoptando, no início, dois bébés elefantes: “Sansom” e “Fatuma”. Profundo conhecedor da vida selvagem africana, a sua colocação em Tsavo foi “… uma escolha óbvia para o cargo que exigia a transformação de uma mata implacável, que era conhecida como deserto taru, num parque nacional viável…”. Mas, apesar de aparentemente desértica, e por não ter fixação de colonos europeus, a vida selvagem “… esta terra era conhecida pela sua diversidade de espécies indígenas, incluindo leões assustadores, manadas reprodutoras de elefantes e milhares de rinocerontes pretos, e por caso era ali que se misturavam as faunas oriental e ocidental, duplicando assim as raças de girafas, avestruzes, e gazelas-grant…”.

Lutador incansável pela preservação da fauna, era um adversário implacável dos caçadores furtivos “… David era firme e apaixonado quando falava na necessidade urgente de travar os caçadores furtivos, erradicar o terrível número de vítimas que causavam em manadas de criação de elefantes, pelo marfim, e de rinocerontes, pelos chifres…”.

Cabia-lhe a responsabilidade de administrar um parque que, na altura, teria cerca de 20.000 quilómetros quadrados de área, com poucos recursos, quer financeiros quer materiais, lutando contra a falta de água, a caça furtiva, as setas envenenadas dos caçadores ilegais que se viravam contra ele e os seus homens, a malária, os ataques de escorpiões, cobras, leões, entre outros, bem como contra a incompreensão dos centros decisores em Nairobi (mais preocupados com a evolução política do País) tendo criado um corpo de guardas florestais, inicialmente disciplinados e recrutados no seio de populações guerreiras que, para além do valor combativo, também eram exímios pisteiros.

Mas os guardas florestais, com o correr dos tempos tornam-se mais laxivos e corruptos, fechando os olhos às actividades da caça ilegal, pelo que David Sheldrick acaba por criar uma força paramilitar recrutada entre povos de regiões afastadas do Quénia e que, assim, não teriam relações de parentesco ou de amizade com os caçadores locais. Para além disso enquadrou-os com militares que tinham combatido consigo na Guerra Mundial. Deste modo criou a génese duma força especial de guardas florestais que viriam a ser o modelo adoptado para muitas outras forças congéneres que viriam a ser criadas noutros países africanos.

Finalmente consegue o reconhecimento da sua actividade pelas autoridades em Nairobi, graças aos esforços de Noel Simon, Director Executivo da recém-formada “East African Wildlife Society”, que lhe fornecem meios de comunicação rádio, uma avioneta, piloto para a mesma e um magistrado para tratar das acusações contras os actos ilícitos da caça, para além de reforço de pessoal.

Em 1959 é condecorado como membro da Ordem do Império Britânico e o seu prestígio é de tal ordem que o mais temido caçador de caça furtiva, que nunca fora devidamente aprisionado, Galogalo Kafonde, entrega-se voluntariamente às autoridades, desde que fosse levado à presença de David Sheldrick a quem lhe diz: “… Os elefantes estão acabados. Os ricos que querem cada vez mais e mais são os responsáveis. Tal como você, temo o desaparecimento dos elefantes, pois estão no centro da nossa cultura e do nosso quotidiano. Os walingulu viveram sempre entre os elefantes e caçaram-nos honradamente como verdadeiros homens, apenas atingindo machos grandes e nunca matando fêmeas e as suas crias. Agora, “outros” que não se preocupam com eles, matam-nos desastradamente por mero lucro. Não quero ter parte em nada disso e juro que jamais voltarei a caçar um elefante…”

Por alturas da independência nacional o Parque Nacional de Tsavo regurgitava de animais e a população elefantina (entre outras) tinha aumentado. Efectuada uma contagem rigorosa com meios aéreos (a Operação Contagem): “… os números finais da contagem demonstravam que, em vez dos 5.000, como inicialmente previsto, havia 9.000 elefantes contados, com cerca de 15.000 no ecossistema… A partir de inspecções aéreas pelo parque, e agora que os elefantes começavam a partilhar as árvores de mirra, era claro que as espécies ruminantes estavam a proliferar e ganhar visibilidade. O que outrora eram grupos pequenos e isolados de zebras, búfalos, órixes e outros antílopes reuniam-se para formarem manadas consideráveis no que eram agora pradarias abertas…”.

No entanto, em meados da década de 70, fruto de medidas políticas que retiraram autonomia aos parques, centrando-se na esfera do Ministério do Turismo, da corrupção que atingia as altas esferas dos centros decisórios em Nairobi e da alta dos preços do marfim, a explosão demográfica humana a carecer de novos territórios para culturas alimentares, entre outras causas, desencadearam novos surtos de caça desenfreada aos elefantes e aos rinocerontes. Os armazéns do Parque Nacional de Tsavo transbordavam de: “… pontas de marfim, peles de leopardo, chifres de rinocerontes, arcos e flechas…” apreendidos aos caçadores ilegais. A fusão dos Parques Nacionais com o Departamento de Caça, decretada parlamentarmente em 13 de Fevereiro de 1976: “… Foi o princípio do que resultou um período trágico, escandalosamente negro, na orgulhosa história dos parques nacionais do Quénia. Para os seus habitantes selvagens, especialmente elefantes e rinocerontes, foi a sentença de morte…”. 

David Sheldrick acaba nomeado o cargo de supervisor de todos os parques e reservas nacionais, como Director da Unidade de Planeamento, sendo-lhe atribuído um escritório em Nairobi e um substancial aumento de vencimento. Mas teria que abandonar Tsavo, onde passara a maior parte da sua vida. A passagem da gestão do parque de Tsavo para a esfera do Departamento de Caça iria por em perigo de vida os animais tão arduamente preservada ao longo dos anos. Por isso a sua nomeação era um cargo dourado para o afastar dali.

Em 1977, David Sheldrik, conhecido carinhosamente por “Bwana Saa Nane” (1), com apenas 57 anos, é traído pelo seu coração que sofre uma síncope, terminando aqui a sua odisseia terrena em prol da vida selvagem. Mas a lenda não morreu, deixando um legado inolvidável que se projectou, após o seu passamento, no “David Sheldrick Wildlife Trust”, criado pela sua viúva Daphne Sheldrick.

 
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1 – Segundo relato de Daphne, era conhecido carinhosamente por: “…bwana Saa Nane, o Senhor Duas Horas, que o David ganhara entre os locais, pois fazia a sua pausa para almoçar todos os dias a essa hora…”.

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Nota 1: As transcrições constantes no presente trabalho foram retiradas do livro de Daphne Sheldrick “Uma história de amor em África”. Sobre este livro refiro-o mais à frente, na secção “Leituras em prosa”.

Nota 2: Leio que se encontra em rodagem um filme sobre a vida de Daphne Sheldrick, realizado por Philip Noyce, e tendo a actriz Nicole Kidman como protagonista do principal papel, filme este que terá, eventualmente, por título “My wild life”.

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HISTORIANDO MOÇAMBIQUE COLONIAL


 



Aires de Ornelas – (Camacha (Madeira), 05/031866 – Lisboa, 14/12/1930 – Aires Ornelas de Vasconcelos) - Oficial do Exército Português. Em 1895 chega a Moçambique, como Tenente e torna-se no Chefe do Estado-Maior de Mouzinho de Albuquerque*.
 
 
 
 Combate as forças de Gungunhana*, em Marracuene* e em Coolela* e, dois anos depois, integra a expedição que derrota Maguiguana*, o último chefe militar vátua, bem como também participa na campanha dos Namarrais. Tendo regressado a Portugal, ingressa na vida política. Em 1906 é nomeado Governador do distrito de Lourenço Marques mas nesse mesmo ano regressa a Lisboa para assumir a pasta ministerial da Marinha e Ultramar, sendo neste cargo que promulga o Código Administrativo de Moçambique. Com a queda da monarquia mantém-se fiel a esta e, em 1922, é eleito deputado para o Parlamento. Condecorado com a Torre e Espada, deixou diversos escritos sobre as campanhas de Moçambique, bem como uma obra denominada “As raças e as línguas indígenas de Moçambique”. 


Cobula (? - ?) - O último dos rebeldes de Angoche. Era Régulo* da zona da Mogovola, tendo combatido os portugueses, aliando-se a Farelay, a Ibrahimo-bin-Sultani e a Guarnea. Em 12 de Dezembro de 1902 as suas gentes assassinam Paes de Almeida e Pitta Simões. Em 1910 rompe com Farelay e, comandando um exército de milhares de guerreiros, ataca Neutel de Abreu*, em Junho desse ano. No entanto, sai derrotado do confronto e perde o seu familiar mais próximo e sucessor natural, o seu sobrinho Sali, morto nesse combate. Ainda nesse ano, Farelay, Guarnea e Ibrahimo-bin-Sultani são presos e Cobula torna-se o único chefe de guerra a dar combate aos portugueses. Em 1911 leva a guerra ao interior do sertão, aproveitando a revolta do Xeque de Sangage*, Mussa-Piri. Finalmente, em 1913, em Iuluti, Cobula é preso. Terá morrido, no decurso da década de 30, na clandestinidade.

Namarrais, Campanha dos - Operações militares que decorreram entre Outubro de 1896 e Março de 1897, concebidas e conduzidas por Mouzinho de Albuquerque*, com o fito de pacificar todas as áreas sublevadas, no litoral norte, entre Angoche e Fernão Veloso. Tendo começado a reforçar as capitanias de Angoche, Mogincual e Fernão Veloso criou, de seguida, corredores de penetração para o interior, separados uns dos outros por cerca de cinquenta quilómetros. A 19 de Outubro de 1896 a coluna de Mouzinho de Albuquerque trava o combate da Mujenga, sofrendo um violento ataque que o obriga a retirar-se para Natule, sempre debaixo de fogo e ferido, sendo a sua retirada coberta por Gomes da Costa**, na altura Capitão-Mor* das terras firmes fronteiras à ilha de Moçambique*. Tendo chegado reforços militares de Lisboa, em Janeiro de 1897, Mouzinho de Albuquerque relança a campanha e, em Março seguinte sucedem-se diversos combates, sempre vitoriosos para os portugueses, registando-se os de Naguema, a 02 de Março, de Ibrahimo, a 06 de Março e de Mocute-Muno, a 07 de Março, sendo aqui as forças lusitanas comandadas por João de Azevedo Coutinho**. A 19 de Março Mouzinho de Albuquerque manda suspender a campanha, por ter que deslocar forças para o sul, a fim de dar combate à rebelião de Maguiguana*. No findar das operações, para além de ter batido alguns povos do interior, conseguiu instalar mais três postos militares - Muchelia, Itoculo e Ibrahimo. No entanto, em 20 de Maio deste mesmo ano, uma coluna militar comandada pelo Capitão Eduardo Costa que tentava dominar uma rebelião das gentes do Régulo* namarral* Matula-Muno é derrotada e obrigada a retirar-se desde Calapúti até ao posto militar de Ibrahimo.

Eduardo da Costa – (1865 – Luanda, 1907 – Eduardo Augusto Ferreira da Costa) - Oficial do Exército Português (Tenente-Coronel). Sendo Alferes em 1886, acaba promovido a Tenente em 1888 e a Capitão em 1889. Profundo estudioso das campanhas militares britânicas em África, embarca para Moçambique, a fim de se integrar na equipa que planificava a campanha contra o Reino de Gaza*. Em 21 de Janeiro de 1895 chega a Lourenço Marques*, juntamente com o Tenente Aires de Ornelas. Integrando o Estado-Maior das forças militares portuguesas, organiza a coluna militar que trava o combate de Marracuene* e também participa no combate de Coolela*, onde é ferido. Regressa a Portugal para se tratar mas, em 1897, encontra-se de novo em Moçambique, sendo nomeado Governador do Distrito de Moçambique. Integra-se na segunda fase da campanha dos Namarrais, onde volta a ser ferido por forças do Régulo* Matula/Muno, a 20 de Maio de 1897, no combate de Calapúti que o obriga a retirar-se para o posto militar de Ibrahimo, em condições muito duras, sendo que esta retirada foi considerada como um feito brilhante, face às condições adversas do terreno, homens feridos e falta de munições. Suspendendo, depois, a sua actividade militar ingressa nos quadros da Companhia de Moçambique* e torna-se, mais tarde, Secretário da Província daquela colónia, até 1902, altura em que é nomeado Governador de Benguela, em Angola, já como Tenente-Coronel. No ano seguinte é nomeado Governador-Geral de Angola, onde vem a falecer, por doença, em 1907.

Farelay – (? -?) – Originalmente o seu nome era Muhamunheva mas viria a adoptar o de Farelay. Era sobrinho directo de Ussene Ibrahimo e sobrinho, em segundo grau, de Mussa Quanto*. Tendo efectuado alguns estudos em Parapato, na escola muçulmana, acabou por criar uma quadrilha e, em 1882, instala-se nos arredores desta localidade, começando a exigir impostos e licenças aos comerciantes que pretendiam mercadejar no sertão. Entre 1889 e 1890 ataca várias vezes Parapato, sendo sempre derrotado, até que entrega-se às autoridades, hábil manobra política que lhe permite ganhar tempo. A 07 de Outubro de 1896 volta a atacar Parapato mas, de novo, é derrotado pois Mouzinho de Albuquerque*, ao iniciar a campanha dos Namarrais*, reforçara em homens e material aquela vila. Em 1897 a campanha dos Namarrais é suspensa e Farelay, aliando-se ao Sultão de Angoche*, Ibrahimo Bin Sultani e ao Régulo* Guarnea, formará um triunvirato que, até 1910, jamais darão descanso aos portugueses. A estes chefes rebeldes também se alia o Régulo Cobula. O Morla* Muno, um velho aliado dos portugueses morre, em 1902 e Farelay invade as suas terras, assumindo a chefia do Reino com o nome de Monga Muno. Em Maio de 1903, perante o crescendo bélico de Farelay, os portugueses nomeiam o Tenente José Augusto Cunha como Capitão-Mor* de Angoche e este desencadeia diversas acções militares de isolamento contra Farelay registando-se, entre outras, o ter obrigado o Sultão Ibrahimo Bin Sultani a fugir da ilha de Angoche e a refugiar-se no continente, sendo destituído do cargo, em Agosto de 1903. No ano seguinte os portugueses deportam, para Angola, Momade Omar, líder do Xecado de Sangage*, outro aliado de Farelay. Até 1910 fustiga os portugueses, provocando sublevações, guerrilhando no mato e atacando os pequenos postos militares que iam sendo montados até que, em Agosto desse mesmo ano, já isolado e perseguido, ao pedir refúgio ao Régulo Mamuia é preso por este que o entrega às autoridades coloniais. Morre, deportado, na Guiné.

Guarnea (? - ?) – Régulo* imbamela, de Likhoro, nas terras de Angoche, vassalo do Morla* Muicuna. Após a morte deste, ocorrida em 1887, estalam guerras intestinas, pois sendo os Morlas, por tradição, apoiantes dos interesses portugueses, entraram em rota de colisão com as gentes de Guarnea, que sempre recusaram pactuar com os colonos. Em 1889 Guarnea apoia Ussene Ibrahimo (o Muhenhua) e ataca, sem êxito, as gentes de Imbamela. A Morla Muicuna sucede-lhe Morla Namo (falecido em 1888) e a este sucedeu-lhe o seu irmão Morla Ualava que, em 1902, consegue estabelecer as pazes com Guarnea, fazendo perigar os interesses dos portugueses naquela zona. Após a morte do seu aliado Ussene Ibrahimo, Guarnea junta as suas forças às de Farelay, desencadeando diversos ataques a povoados portugueses sendo, no entanto, derrotado em 24 de Fevereiro de 1890 no ataque que desencadeou à vila de Parapato. Recompondo-se do desaire, reafirma a aliança com Farelay e ataca as forças do Morla Muno, aliado dos portugueses e, em Outubro de 1897, os seus homens matam o Tenente João da Cruz Fonseca e Almeida. Alargando o leque de aliados, a Guarnea e a Farelay vêm juntar-se as forças de Ibrahimo bin Sultani, conluiando uma aliança que durou até 1910. Em Fevereiro de 1907 os três chefes de guerra atacam a vila de Larde, mas não conseguem desalojar os portugueses. Em 1906 Guarnea volta a atacar as gentes do Morla, rompendo o tratado de paz que estabelecera em 1902. Entre Junho e Julho de 1910 Guarnea e os seus homens travam sucessivos combates contra o Exército Português mas, já sem poder contar com Farelay, também ele isolado, acaba por ser preso em Matatane, em Julho de 1910. Morre, deportado, na Guiné.

Ibrahimo Bin Sultani – (? - ?) - Sultão de Angoche. Formou, em conjunto com Guarnea e Farelay, um triunvirato anti-português. Herdando, por morte do seu tio Ussene Ibrahimo, o sultanato de Angoche*, renegou as ideias do seu pai, o sultão Sulimane Bin  Rajah, que se avassalara aos portugueses, após a morte de Mussa Quanto* e, fiel à sua política, alia-se a Farelay, tendo sido o único chefe  que se recusou, na presença do Governador do Distrito Eduardo da Costa, a aceitar a soberania portuguesa, quando este foi a Angoche em 1897. Em 1903, o Capitão-Mor* de Angoche, Tenente José Augusto Cunha, invade esta ilha, o que obriga Ibrahimo Bin Sultani a fugir para a zona do M´luli, no continente onde, sempre coligado a Farelay e a Guarnea, continua a combater os portugueses. É vencido, em 1910, e preso em Parapato.

Imã Chefe religioso muçulmano.

Imbuta Cerimónia de iniciação feminina, entre o povo chope*.

José Augusto Cunha– (? - ?) - Oficial do Exército Português (Tenente). Em 1903, como Capitão-Mor* de Angoche, inicia operações militares e, em Maio desse ano, tenta capturar Farelay mas, não o localizando, destrói o seu povoado, Erráti. De seguida, e sempre debaixo de fogo rebelde, consegue chegar a Boila e reconquista esse posto, nos primeiros dias de Junho. Ainda nesse mesmo mês desembarca na ilha de Angoche, para deter Ibrahimo-bin-Sultani mas, não o encontrando, arrasa todas as suas casas e mesquitas e avassala os ilhéus. Em Agosto, num ataque surpresa, tenta capturar Farelay em Mulaba, mas este consegue fugir, no meio da confusão da luta. Entre Setembro e Outubro de 1903 continua a batalhar as forças rebeldes, conquistando Mapasa, onde prende o Xeque* Amadi.

Manuel Simões  – (? - 1881) - Encontrando-se a residir em Angoche, em 1872 foi encarregue pelo Governador daquele distrito de organizar uma pequena expedição de auxílio ao Morla* Muno, aliado dos portugueses, contra Mussa Quanto*. Dirigindo-se para as terras do Morla Muno, na Imbamela, foi emboscado e preso pelas forças do Mussa Quanto, que o condenou à morte. Horas antes da execução consegue fugir do acampamento onde se encontrava prisioneiro e reúne forças do Morla Muno, travando sempre sucessivos combates contra as tropas de Mussa Quanto, rompendo o cerco que estas mantinham a Angoche, onde colheu armas e pólvora. De seguida, volta ao continente e, sempre em combate permanente e debaixo de fogo contra as forças de Mussa Quanto conquista, a 23 de Julho de 1872, de vez, o povoado de Parapato.

Paes de Almeida – (? /1902) – Engenheiro. Tendo-se associado a Pitta Simões requereu, em Janeiro de 1900, uma concessão em Angoche, para exploração de pesca, sal, borracha e gado, que pretendia subsidiar com a exploração de carvão e ouro que pensava existir na área de Mogovola. Foi assassinado, juntamente com o seu sócio, pelas gentes de Cobula.

Pitta Simões – (?/1902) - Sargento do Exército Português. Foi assassinado juntamente com Paes de Almeida, pelas gentes de Cobula.

Terras firmes - Assim chamadas por se situarem no continente, eram pequenas áreas territoriais fronteiras às ilhas onde se instalavam os portugueses registando-se, a título exemplificativo, as da ilha de Moçambique* (Cabaceira Grande, Cabaceira Pequena e Mossuril) e as de Pemba (Mocímboa e Pangane).

Ussene Ibrahimo – (? - 02/1889) – Sultão. Sucessor de Mussa Quanto* no Sultanato de Angoche*, de quem era sobrinho em segundo grau e seu companheiro de luta no sertão, depois de ter vencido as pretensões de Suleiman Bin Rajah, favorável aos interesses portugueses. Em 1885 subjuga o Sultão Buan Amadio, do Xecado de Sangage*, e faz perigar as pretensões portuguesas em Parapato. No entanto, nesse mesmo ano, volta a perder Sangage para os portugueses e, fruto disso, ataca as terras do interior, avassalando vários régulos. Inimigo do Morla* Muno, de Imbamela, que em 1887 auxiliara os portugueses contra o seu ataque ao Parapato provocando-lhe uma derrota, Ussene Ibrahimo razia estas terras em Janeiro de 1889, acabando vencido. Em Fevereiro desse mesmo ano repete as operações militares contra o Morla, mas acaba por morrer em combate. A sua espada, o seu feitiço e uma das suas mãos decepadas são enviadas, como troféus, ao Governador de Angoche.

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* - Já aberta ficha
** - A abrir ficha posteriormente

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LEITURAS EM PROSA

Título: Uma história de amor em África
Subtítulo: A vida notável de uma mulher singular em defesa da vida selvagem      
Autora: Daphne Sheldrick                                            
Editora: Casa das Letras      Ano: 2013     Págs.: 386       Género: Autobiografia

 


 
Escrito na primeira pessoa, é o relato vivencial da biografada desta mensagem. Pujante, é um grito de alerta para os perigos da desertificação animal e florestal em África mas também é, em simultâneo, uma mensagem de esperança. Obrigatório, numa biblioteca dos conservacionistas.

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Título: O império dos homens bons
Subtítulo: Moçambique, 1847: um amor proibido ente um padre e uma escrava. Uma história verídica de sobrevivência.
Autor: Tiago Rebelo
Editora: ASA     Ano: 2013      Págs.: 531     Género: Romance histórico / colonial

 
Mais um notável romance colonial que saiu da pena de Tiago Rebelo, que se centra na vivência do Padre Joaquim Santa Rita Montanha em Moçambique, na localidade de Inhambane, após ter sido lá colocado em 1847. Quando, a 01/05/2012, no “Historiando Moçambique Colonial” coloquei a ficha sumária da vila de Inhambane, onde abordava muito ao de leve o Padre Santa Rita Montanha, estava longe de imaginar que, posteriormente, iria sair um livro romanceando a sua odisseia.

À semelhança do seu outro livro “O tempo dos amores perfeitos”, já aqui referido por mim numa mensagem anterior, a personagem central da presente obra também é um antepassado do Autor. Muito bem concebido, encorpado numa estrutura linear bem construída, dota-nos duma leitura de digestão fácil, emotivamente apaixonante e encontrando-se historicamente bem documentado, por acção peculiante do seu irmão, segundo o mesmo refere.

A escrita de Tiago Rebelo consegue colocar-me numa máquina do tempo e transportar-me suave suavemente para a afro-era do colonialismo novecentista. Por isso dei por muito bem empregue a pecúnia que desembolsei por esta obra, cuja leitura recomendo vivamente. 

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Título: Na senda de Fernão Mendes Pinto
Subtítulo: Uma viagem inesquecível aos lugares explorados pelo maior aventureiro português de todos os tempos.                          
Autor: Joaquim Magalhães Castro
Editora: Parsifal     Ano: 2013     Págs.: 223       Género: literatura de viagens

 
O Autor, fixado em Macau, é um reputado jornalista, escritor, fotógrafo, documentarista e especialista na investigação da História da Expansão Portuguesa. Para além de diversos livros publicados, quer de escrita quer de fotografias é também autor de diversos documentários televisivos.

Pelo subtítulo do presente livro plasma-se o que nele se incorpora. Apaixonado pela lendária figura desse ínclito português que foi Fernão Mendes Pinto (1) e aproveitando a comemoração dos 500 anos da chegada dos portugueses à China, Joaquim Magalhães Castro seguiu a rota que terá sido deambulado por aquele aventureiro e relata a sua vivência num livro leve, escrito um pouco ao jeito de reportagem jornalística.

A única discordância que aponto ao Autor é que não considero Fernão Mendes Pinto como “… maior aventureiro português de todos os tempos.”. Houve alguns mais, gigantes como ele, como é o caso de Pêro da Covilhã e Pêro Escobar.
 
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1 – Pouco conhecido de muitos portugueses durante muito tempo, Fernão Mendes Pinto foi um dos gigantes da aventura portuguesa, que só tardiamente começou a ser descoberto. O seu livro – “Peregrinação” – é justamente considerado um dos ícones mundiais da epopeia europeia. Sobre a vida aventurosa deste personagem veio a lume, no último trimestre do ano passado, o romance histórico de Deana Barroqueiro titulado de “O corsário dos sete mares”, já por mim abordado numa mensagem anterior.

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LEITURAS EM POESIA

Reli, esta semana, dois dos livros do poeta José Craveirinha (“Xigubo” e “Maria”) que, indubitavelmente, considero um dos pilares da poesia moçambicana e de quem sou um admirador incondicional, não só pela sua actividade literária, como também pela sua postura numa vivência de dois mundos aparentemente antagónicos: ser-se português e moçambicano, sem se atrofiarem.
 
 
Acima dos nacionalismos planava a cultura de ambos os lados, qual cola a uni-los indelevelmente. Nascido em Lourenço Marques, em 1922, foi jornalista, cronista desportivo e, acima de tudo, um poeta gigante do despertar da consciência nacional.

Poema do futuro cidadão

Vim de qualquer parte
De uma Nação que ainda não existe
Vim e estou aqui!

Não nasci apenas eu
Nem tu nem nenhum outro…
Mas Irmão.

Mas
Tenho amor para dar às mãos cheias.
Amor do que sou
E nada mais.

E
Tenho no coração
Gritos que não meus somente
Porque venho de um País que ainda não existe.

Ah! Tenho o meu amor a todos para dar
Do que sou.
Eu!
Homem qualquer
Cidadão de uma Nação que ainda não existe.

Soube manter um perfeito equilíbrio lusófono, ele que era filho de pai branco e mãe negra. Nunca renegou Portugal, mas também nunca desistiu de lutar pelo nacionalismo moçambicano. Transportava em si a perfeita descontração de viver nestes dois mundos aparentemente opostos, mas que o futuro viria a dar-lhe razão. O amanhã vivia hoje em si ao assumir-se, muito tempo antes de se falar nisso, duma mestiçagem cultural que só o enriquecia.
 
Imprecação

… Mas põe nas mãos de África o pão que te sobeja
E da fome de Moçambique dar-te-ei os restos da tua gula
E verás como também te enche o nada que te restituo
Dos meus banquetes de sobras.

Que para mim
Todo o pão que me dás é tudo
O que tu rejeitas, Europa!

A cor da pele segregava-o no tempo colonial, ganhando mensalmente metade do que os seus colegas brancos auferiam pelo mesmo serviço. Preso pela polícia política do regime de então, a PIDE/DGS, cumpriu quatro anos de cadeia (1965/1969). Após a independência de Moçambique foi o primeiro Presidente da AEMO – Associação dos Escritores Moçambicanos, tendo representado o País em diversos eventos internacionais.

N´Goma

A n´goma grita
Sua voz forte de pele curtida e batida
Levantando a vida surpreendida nas plantações

Oh… mamanê… a n´goma grita
Seu grito insistente e bárbaro de sexo forçado
Seu grito milenário de chamamento
Seu grito enlouquecido de chorar as raízes da terra
Seu grito enorme de ritmos de batuque
Terrivelmente místicos.

A n´goma grita!
E seu grito de Mãe é um “chiuáia-uáia” de desespero
E o mato desperta em assombrações de Lua
E o velho batuque fermenta os espíritos
Potente como o grande deus Maguiguana
No coração de África.

Levanta-se potente o batuque
E enquanto os pés batem raivosamente o chão duro
À lua cheia
A n´goma grita
Grita!
Grita!

Multipremiado em diversos países, viu a sua consagração atingir o topo quando, muito justamente, lhe foi atribuído o Prémio Camões, em 1991. Porque, sem dúvida, ao ter partido para a Grande Grande Viagem, ocorrida em 2003, levava como bagagem uma consciência tranquila de nos ter deixado um legado de sã convivência entre povos que falam, sonham e pensam na mesma língua unitária. Mas sem cada um esquecer as suas raízes ancestrais.
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Nota: Os poemas aqui transcritos foram extraídos do livro “Xigubo”, das Edições 70/INLD, em 1980. Inicialmente esta obra foi editada em 1964, pela Casa dos Estudantes do Império, no pleno da ditadura colonial.

O livro “Maria”, lançado em 1988, é uma homenagem do poeta à sua falecida mulher, considerando esta obra, para além de intimista como um dos mais belos livros de poemas de amor que alguma vez já li.

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Sobre o Prémio Camões, o mais alto galardão, instituído pelos governos de Portugal e do Brasil, a parir de 1988 e que alcandora intelectuais que prestigiaram, pelas suas obras, a cultura em língua portuguesa, para além de José Craveirinha, apenas outro moçambicano atingiu este patamar, o escritor Mia Couto, galardoado precisamente no corrente ano.

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MÚSICA

O compositor Mick Jaeger, leader carismático e vocalista do conjunto “Rolling Stones” comemora, no dia de hoje, o seu septuagésimo aniversário. É obra, convenhamos. A banda tem cinquenta anos de actividade em pleno, com milhões de discos vendidos, dezenas de turnés mundiais, derrubando recordes atrás de recordes, quer de vendas de discos quer de assistências nos seus espectáculos.
 
 
O que mais me impressiona é o vigor físico que Mick Jaeger apresenta em palco. São 50 anos de muito sexo, drogas e rock´n roll. Para a vida que levou (e ainda leva) não sei onde é que ele vai buscar tanta energia, tal como os restantes companheiros musicais, todos eles já na casa dos sessenta e muitos. Keith Richard, o guitarrista e também compositor, entrará no clube dos 70 em Dezembro do corrente ano.

Por outro lado a unidade que a banda mantém desde o seu início, apenas com algumas alterações dos músicos é outro facto digno de nota. Outros conjuntos famosos não duraram tanto por dissensões intestinas (Beatles, Pink Floyd, por exemplo), mas os Rolling Stones estão aí para provarem que são, para os seus fiéis seguidores, como o vinho do Porto – quanto mais velho melhor.

Pessoalmente não sou grande apreciador deste conjunto, mas também sei que a minha opinião pouco aquece ou arrefece os membros da banda. Há, no entanto, uma música desta banda que é um dos marcos da minha juventude e ainda hoje perdura na minha mente. Trata-se do “Satisfaction”, mas com a sonoridade do solo de guitarra de Brian Jones, o primeiro que a banda teve e que faleceu em 1969.

 

Pelo seu aniversário e por ter mantido a liderança do grupo durante meio século achei que seria justo assinalar tal facto nesta minha singela mensagem. Se bem que tenha a noção perfeita que isto não trará nenhuma mais-valia nem aos Rolling Stones nem ao seu mítico leader. Mas fica o registo.

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FILME


Título:             Um amor em África
Produtor:                            Realizador: John Boorman
Actores: Juliette Binoche; Samuel L. Jackson
Ano: 2004     Género: Documento social    Duração: 103 minutos

 

Quando o sistema político do “apartheid” (1) foi desmantelado na África do Sul, vieram ao de cima todos os traumas e feridas que aquele regime nazificazante legou. Dum lado os “boers” extremistas, que se recusavam a perder o poder com receio da vaga de fundo radical negra que estava a acossá-los. Do outro lado da barricada, a facção radical negra que ansiava tomar o pleno poder nas suas mãos e vingar-se das seculares humilhações que fora vítima.

O País esteve à beira duma guerra civil, que só a muito a custo e no limite foi sustida, graças à tenacidade dalguns agentes políticos que tiveram a plena noção não só do momento histórico que estavam a atravessar como também que podiam escrever História. Todos sabemos o gigante que foi Nelson Mandela, nesta fase crucial da História sul-africana.

Uma das medidas inteligentes que foi adoptada e que logrou ajudar a descomprimir a tensão política que varria o País, foi a criação da “Comissão para a Reconciliação e Verdade”, liderada pelo nobelizado Bispo anglicano Desdmond Tutu, onde algozes e vítimas (de ambos os lados) se cruzaram e libertaram, nas audiências públicas, os “demónios” que os atormentavam, sem incorrerem em riscos de processos judiciais acabando por, dentro do possível, perdoarem-se. Porque em ambos os lados houve algozes e vítimas.

O filme que agora aponto, baseado num livro de Antjie Krog (2), centra-se na interpretação duma descendente dos colonialistas (interpretado por Juliete Binoche) e dum jornalista norte-americano (interpretado por Samuel L. Jackson), que efectuam a cobertura das audiências da “Comissão”. Inspirado em factos verídicos e pleno de humanismo, eis um excelente filme que nos dá uma panorâmica da realidade do que foram aqueles idos tempos das brancas balas silvantes e dos negros pneus queimados à volta dos pescoços.
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1 – Quando acabar o “Historiando Moçambique Colonial” irei abordar, dicionariamente, a História da África do Sul (bem como doutros países da África Austral), onde todos estes temas serão abordados.

2 – Antjie Krog (1952) – Poetisa e escritora sul-africana, cujo livro “Country of my skull” (editado em 1998 e baseado em experiências próprias) serviu de base ao presente filme.

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ESCULTURA

Humberto Abad – Não conhecia a arte deste jovem escultor de madeira, residente em Burgos – Espanha, até que mão amiga me enviou um “mail” com dados sobre o mesmo, acompanhando um portefólio dos seus trabalhos, que me fascinaram.

 
Vale a pena pesquisar na “net” os espantosos trabalho deste artista. Mas, preferencialmente, visitar uma exposição sua. O que farei numa futura ida às terras dos “nuestros hermanos”.
 


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PORQUE SÓ HÁ UM PLANETA


 

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ACONTECEU

Bana – A meados do corrente mês calou-se fisicamente, para sempre, a voz daquele que desbravou a morna para o Mundo. Adriano Gonçalves, de “nominho” Bana, o pai musical de quase todas as vozes verdeanas contemporâneas, deixou-nos. De certeza que tinha encontro cósmico marcado com Cesária Évora, a diva insular. Restam-nos os registos magnéticos. Mas também a saudade do seu largo sorriso, do tamanho do Mundo.   
 
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Guilherme de Melo – Na recta final do mês passado faleceu este escritor, jornalista e combatente pelos direitos da causa homossexual. Natural de Moçambique (Lourenço Marques), legou-nos dezena e meia de livros, entre romances e ensaios. Não lhe colhendo simpatias pelas suas opções políticas (deu-se sempre bem com ditaduras), respeito-o pela sua luta elegante pelos direitos dos homossexuais. Da escrita, retenho a sua autobiografia romanceada “A sombra dos dias”.

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A revista “África 21, do corrente mês de Julho, traz um artigo sobre as comemorações do quinquagésimo aniversário da fundação da OUA – Organização de Unidade Africana, antecessora da actual União Africana. Não pretendendo sobrepor-me ao excelente artigo que aí vem relatado, acrescento a seguinte nótula:

Organização da Unidade Africana (OUA) Antecessora da actual União Africana (UA), este organismo continental, foi criado em 25 de Maio de 1963, em Adis-Abeba (Etiópia), sendo os seus principais impulsionadores Kwame N´Krumah (Gana), Sekou Touré (Guiné Conakry) e Gamel Abdel Nasser (Egipto). Na sua Primeira Conferência estiveram presentes trinta e dois países africanos de pleno direito e com o estatuto de observadores, os delegados dos movimentos de libertação de Angola, Moçambique, Malawi, Zimbabwé, Swazilândia e Quénia. Os fundadores desta organização são: N´Garta Tombalbaye (Chade), Abubakar Balewa (Nigéria), Gregoire Kaiibanda (Ruanda), Mobido Keita (Mali), Hailé Selassié (Etiópia), Gamal Abdel Nasser (Egipto), William S. Tolbert (Libéria), Leon Mba (Gabão),  Miltom Margai (Serra Leoa), Kwame N´Krumah (Gana),  Mwambutsa IV (Burundi), Fulbert Yulu (Congo Brazzaville), Nicolás Grunitzky (Togo), Idriss I (Líbia), Milton Obote (Uganda), Joseph Kasavubu (Zaire), Philibert Tsiranana (Madagáscar),  Hubert Cutucú Maga (Benin), Ahmed Ben Bella (Argélia), Hamani Diori (Níger), Julius Nyerere (Tanzânia), Ahmed Sekou Touré (Guiné Conacry), Leopold Sedár Senghor (Senegal), Ahmadu Ahidjo (Camarões), Habib Burguiba (Tunísia), Uld Daddah (Mauritânia), Hassan II (Marrocos), Félix Boigny (Costa do Marfim), Aden Abdulah Osman (Somália), Maurice Yameogo (Alto Volta), Ibrahim Abboud (Sudão), David Dacko (República Centro Africana). A organização reunia anualmente a cimeira dos Chefes de Estado, onde se renovava a direcção política e, tradicionalmente, o Chefe de Estado do país anfitrião presidia nesse ano à Organização. 

 É, aliás, em homenagem à data da sua fundação, que a mesma foi considerada o Dia de África.

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E, já que estou com a mão na massa, permito-me traçar um reparo positivo à revista “África 21”. Mensalmente adquiro-a e continua, na minha opinião, a manter a fasquia bem alta, no que toca à qualidade do papel, da escrita dos textos, fotografias cuidadas e não a considerando sectária. Noticiando, mensalmente, o que de importante aconteceu naquele continente, sem ser cansativa, é uma revista que projecta bem alto o contexto africano, nomeadamente o do mundo lusófono.

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