"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

João Albasini



Hoje é Dia de Portugal




Apenas para lembrar que, se não estou em erro, o nosso País é o único no Mundo em que a data do dia nacional foi escolhida para celebrar e honrar a memória dum Homem de cultura universal e não a celebração duma batalha ou a conquista de algo ou bem material.
Saibamos ser dignos deste Sagrado Legado que os nossos Pais criaram.


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VIAJANTES, EXPLORADORES E AVENTUREIROS



João Albasini - (Lisboa, 26/05/1812 - Goedewenesh (Transval), 10/07/1888). Aventureiro, caçador de elefantes, comerciante de marfim, chefe tribal, Vice-Cônsul de Portugal, Superintendente dos Negros, negreiro, agricultor, senhor da guerra e pesquisador de diamantes. Nasceu em Lisboa, filho dum italiano (António Mizouco) e duma portuguesa de ascendência espanhola (Maria da Purificação)



No ano de 1831, desembarca em Lourenço Marques com o seu pai. Em representação da Companhia Comercial de Lourenço Marques e Inhambane, sobem o rio Incomáti e instalam uma feitoria em Taninga, local onde confluía todo o marfim do Império de Gaza**,  do País dos Cossa e da região do Sabié e onde a autoridade portuguesa não se fazia sentir, já que quase que estava espartilhada nos limites da paliçada do Presídio de Lourenço Marques.



Desenho mais antigo que se conhece de Lourenço Marques



Em 26 de Julho de 1833 forças angunes de Manicusse** atacam o Presídio de Lourenço Marques, destruindo-o. O Governador Dionísio António Ribeiro e a guarnição são presos, sendo quase todos mortos, incluindo Dionísio Ribeiro, depois de uma noite inteira a ser cruelmente torturado. Os Albasinis são apanhados nesta leva e assistem à morte dos seus conterrâneos mas escapam pois, na sua função de comerciantes sertanejos, e por estarem isolados no mato, davam bons saguates* aos nativos e às chefaturas, quer em géneros quer em munições, contrariamente aos do Presídio que tratavam mal e com sobranceria os nativos. Em 1834 António Albasini regressa à Europa, legando ao filho todos os negócios, e o encargo da feitoria, que intercalava com caçadas aos elefantes, na busca do precioso marfim*.



É nestas andanças pelos matos interiores, raramente palmilhados por europeus, que João Albasini cruza-se com um grupo errático de elementos changanas da tribo dos Ma-Gwamba, entre os rios Limpopo e Save, reduzidos à miséria devido a uma vasta seca prolongada. Com eles João Albasini viverá os próximos dois anos, conduzindo-os para locais mais acolhedores, resgatando-os da fome, da miséria e dos ataques inimigos. Acabará por se tornar no chefe tribal dos mesmos, adoptando o nome gentílico de "Juaua", que é uma corruptela fonética nativa de João. Cria família com uma nativa cossa de Magude e terá netos que vingarão no jornalismo moçambicano.



Em 1843 participa activamente na defesa de Lourenço Marques, quando esta é atacada por forças dos régulos da Magaia e da Moamba, a 25 de Agosto desse ano, defesa essa que é liderada pelo Governador de então, o Major António Joaquim Teixeira. Em 1844 trava-se de amizades com bóeres que chegam a Lourenço Marques, numa coluna liderada por Hendrick Potgieter** (21 de Dezembro de 1944) e que tentavam estabelecer relações comerciais e políticas com os portugueses, como forma se afirmarem como autónomos em relação aos britânicos que os tinham expulsado do Sul da África (zona do Cabo). Também pretendiam fundar o povoado de Ohrigstad, numa zona do hinterland, em que se calculava que ainda estivesse na jurisdição portuguesa e, assim, também pretendiam inciar relações pacíficas com  estes.




A comunidade bóer de Ohrigstad, em 1856,
liderada por Hendriks Potgieter




 Na caravana de  retorno, em 1845, João Albasini acompanha-os, instalando-se  em Mpumalanga, junto ao rio Sabié, em território do régulo Makaxule, onde hoje se situa o Parque Nacional Krueger e próximo de Ohrigstad, que começava a crescer. Acompanhavam-no os Ma-Gwamba e cinco comerciantes goeses: Lourenço Mariano Nunes, Jacob Cristóvão Couto, Gelásio Fernandes, Manuel da Gama e Casimiro Simões. Em Maio de 1847 vem a Lourenço Marques, onde apresenta um relatório consubstanciado sobre a estrutura política, económica, social e religiosa dos bóeres, sendo  o primeiro português que estabeleceu a ligação terrestre entre as duas regiões. Terá sido este o primeiro relatório feito por um estrangeiro sobre a comunidade bóer.




Ruínas da feitoria de João Albasini, em Mpumalanga
Parque Nacional Krueger



Em 1850, estabelecido em Ohrigstad, casa-se com uma bóer, Gertina Petronella Maria Janse van Rensburg, com a qual virá a paternizar nove filhos. Por esta altura os Ma-Gwamba mudam-se para perto dele e João Albasini, dedicado ao comércio e agricultura, enriquece de sobremaneira, levando uma vida opulenta, autêntico senhor feudal rico, com propriedades em Ohrigstad e Lydemberg e conduzindo as suas gentes em guerras contra outras tribos insubmissas à penetração colonial europeia. Era um puro senhor da guerra em toda a sua plenitude.



Apoia as pretensões de Muzila** ao trono de Gaza,  contra o seu irmão Mueva** após a morte de Manicusse** aconselhando, juntamente com Diocleciano Fernandes das Neves**, as autoridades de Lourenço Marques a fornecerem-lhe armamento. Ele próprio colabora activamente incorporando homens seus nas fileiras de Muzila, que serão decisivos para este reconquistar o trono do Reino de Gaza**.


Em 1855 instala-se na cidade de Goedewenseh, por ter entrado em conflito com as autoridades de Zoutpansberg e aí constrói uma autêntica fortaleza residencial, que baptiza de  "die skanz" ("o reduto"). Para tal contrata o alemão Von Marnecke para lhe construir um forte à volta da sua casa, que se torna num rectângulo amuralhado com ameias e plataformas para canhões, tendo dois de bronze. O forte era abastecido de água através da construção dum canal. Atinge o apogeu da sua vivência, sendo nomeado (por instigação própria) Vice-Cônsul de Portugal para o Transval (1861) e Superintendente dos Negros (entre 1861/63), pelas autoridades bóeres, mantendo desde sempre a chefatura dos Ma-Gwamba.


João Albasini, Vice-Cônsul português



A descoberta de diamantes em Kimberley e a condução de múltiplas guerras contra tribos insubmissas, várias delas mal sucedidas, e a propagação dum surto de malária na zona, levam à desertificação humana da zona onde João Albasini imperava, o que causa a sua ruína financeira. Cai em desgraça no seio da comunidade bóer, que o acusa de negligência na condução da guerra contra o povo Denda, e é-lhe retirado o cargo de Superintendente dos Negros o que, a somar à sua ruína económica, leva-o  a mudar-se para Kimberley em 1868, em busca da fortuna no negócio dos diamantes.


Antes de partir para Kimberley oferece a Portugal as suas terras tansvalianas, para aí ser fundada a colónia de São Luís, terras essas que se situavam para lá dos montes Libombos, entre os rios Save e Incomáti e que tinham sido propriedade do Régulo Makuxula. 



Conforme ele declara em escritura por si assinada e testemunhada: " ...faço doação ao Governo de Sua Magestade Fidelíssima o Senhor Rei de Portugal, das terras que me pertencem (por compra) e que eram do régulo Makuxula, situadas nas margens do rio Save e que se prolongam em largura até ao rio Incomáti, à distância de cinco dias de viagem de Lourenço marques, ao norte do paralelo 26º, cedendo eu por minha parte todo o direito e senhorio." Mas tal projecto, apesar de aceite e aprovado pelas autoridades portuguesas de Moçambique, veio a  ser anulado pelos diplomatas de Lisboa que, em 29 de Julho de 1869, reconheciam aquelas mesmas terras como sendo pertença da República do Transval(1) morrendo, aí, o sonho de João Albasini passar à História como Benemérito da Pátria, consagração essa que tanto almejava.


Instalado em Kimberley lança-se, para além de pesquisador, como contratador de mão-de-obra para as minas de diamante, usando os seus próprios súbditos tribais, mas os ventos não lhe correm de feição, de novo, tendo as autoridades locais, inclusive, acusado o mesmo de esclavagista. Durante dois anos João Albasini leva uma vida miserabilista, lutando contra  tudo e todos e apenas contando com o apoio dos Ma-Gwamba, que nunca o abandonaram.




Garimpo de diamantes




Mas lentamente recomeça de novo a sua ascensão social, quando acaba nomeado Juíz de Paz em Spelonken bem como o ter-se tornado  encarregue de cobrar o imposto de palhota (1871), cabendo-lhe dez por cento do cobrado, para além de fornecer trabalhadores para as minas.



Em 1877 regressa a Goedewenseh, reocupando o "die skanz", juntamente com os Ma-Gwamba, retomando a sua actividade agrícola e estabilizando, de vez, a sua vida aventurosa. Atacado de paralisia em 1885, aí virá a falecer em paz um dos mais famosos aventureiros coloniais do século XIX moçambicano e transvaliano. Foi sepulto fora dos muros do seu "die skanz", no dia seguinte ao da sua morte.



Campa de João Albasini
(foto de Christian Stowasser)


João Albasini foi um aventureiro de primeiro plano, no panorama africano português. Foi homem de sete instrumentos. Esteve na opulência e na miséria. Liderou uma tribo nativa e foi acusado de esclavagismo. Foi político, comerciante e caçador de caça grossa. Desbravou caminhos para o interior transvaliano e cimentou relações entre Portugal e as comunidades bóeres de então, sendo o primeiro europeu a palmilhar, em idas e vindas, a ligação Lourenço Marques com o Transval e a elaborar o primeiro relatório que há memória sobre os bóeres. Viu portugueses serem chacinados por nativos e escapou do mesmo fim. Sonhou aumentar o espaço geográfico moçambicano  em milhares de quilómetros quadrados, doando as suas terras ao Governo português, para fundar a colónia de São Luís, utopia esta logo ceifada por outros interesses diplomáticos na difícil relação anglo-lusa na África Austral. Interferiu na sucessão do mais importante Reino a sul do Save (Reino de Gaza**), fornecendo homens e armas a um dos lados. Nesta, ganhou a aposta. Foi católico por formação e calvinista por opção de casamento. Cristão convicto foi bígamo. Vaidoso e narcisista, sonhou ser Benemérito da Pátria. Independentemente de se poder considerar um produto da época a verdade é que foi dos poucos que não se deixou moldar, no todo, por essa mesma época. Também a moldou um pouco ao seu gosto. Fez História.


Por isso o seu nome ainda ecoa nos genes luso-moçambicanos.


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Deixou descendência europeia (sul-africana) e africana (moçambicana). Da parte africana, da sua companheira cossa de Magude, teve dois filhos, um dos quais, António Albasini (o mais velho)assumiu a liderança dos Ma-Gwamba. Ao morrer deixa um filho de tenra idade (João) que vem a suceder-lhe na  chefia da tribo, mas tal facto nunca foi reconhecido pelas autoridades sul-africanas (em 1908 e 1918). Quando, em 1972, o regime do apartheid  cria os bantustões(1), congregam no bantustão de Gazamkulo os descendentes dos Ma-Gwamba que estavam disseminados pelos Transval, vindo a liderança desse bantustão a ser assumida por um bisneto de "Juaua". O outro Francisco João veio  a casar-se com uma filha do Régulo da Maxaquene e dessa união nasceram quatro filhos, dois dos quais (Maria Isabel e António Paulino) ainda eram vivos em meados da década de 50 do século passado em Lourenço Marques. Os outros dois (João dos Santos Albasini e José Albasini), falecidos mais cedo, brilharam no jornalismo moçambicano. Os Albasini formaram uma das famílias moçambicanas mais conhecidas a Sul do Save, tendo-se diluído um pouco após a independência do território, com o fracionamento provocado pela vinda para Portugal duns e outros que optaram por ficarem.


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** - A abrir ficha.
(1) - a ser analisada quando se fichar a História da África do Sul. 


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HISTORIANDO MOÇAMBIQUE COLONIAL





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Nota: Os Direitos de Autor e Propriedade Intelectual dos textos do "Historiando Moçambique Colonial" encontram-se registados e protegidos internacionalmente. Os mesmos serão cedidos gratuitamente, desde que revertam para causas ambientais; não isentando o conhecimento prévio e autorização.


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António Norberto de Barbosa Vilasboas Truão - (Coimbra, 1764 - Chicova, 08/11/1807) - Oficial do Exército Português (Capitão de Cavalaria). Formado em Matemáticas e Filosofia, pela Universidade de Coimbra aos vinte e três anos, acaba por seguir a carreira militar. Em 1802 é nomeado, a seu pedido, Governador da Capitania de Rios de Sena. Desembarca, em 1803, em Moçambique e, no ano seguinte, instala-se em Tete, sede do Governo.


No decurso do seu mandato criou conflitos com a sociedade civil, militar e religiosa, fruto do seu carácter inflexível, o que lhe granjeou várias inimizades. Em 1807, já terminada a sua comissão como Governador e enquanto aguardava substituto, resolveu expedicionar militarmente contra o Régulo Chimatanga, na Marávia, avassalado ao Monomotapa Chofombo, expedição esta que, no entanto, tinha motivações pessoais, pois o Régulo albergava um Soldado português (José Félix Rocha) que traíra o Governador em negócios escusos, recusando-se o Régulo a entregá-lo.



Em Outubro de 1807, após várias dificuldades, forma uma coluna militar tendo como intérprete e guia António José da Cruz*. No mês seguinte, tendo estacionado em Chicova*, acaba prisioneiro das forças do Monomotapa Chofombo e, traído por António José da Cruz* que se conluiara com as forças do Monomotapa, acaba assassinado, juntamente com o resto da expedição. Deste desaire apenas escaparam com vida António José da Cruz e o seu irmão Agostinho José da Cruz. 



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Francisco José de Lacerda e Almeida - (São Paulo, 1750 - Reino do Cazembe  - 18/10/1798) - Explorador dotado de vasta formação científica polivalente - matemático, astrónomo e naturalista. Nascido no Brasil, licenciou-se em matemáticas pela Universidade de Coimbra, após om que integrou uma missão ao Brasil natal (1780) para estudar a delimitação de fronteiras. Em 1791 regressa a Lisboa e, seis anos mais tarde, segue para Moçambique, a fim de organizar e realizar a primeira travessia  europeia terrestre do continente africano, numa tentativa de ligar este território com Angola.






Eminente cientista, muniu-se dos melhores instrumentos científicos da época para efectuar, ao longo do caminho, medições exactas e, a fim de não lhe serem levantados obstáculos, foi nomeado Governador dos Rios de Sena*, com plenos poderes.

Apesar de toda esta boa vontade, a 03 de Julho de 1798, Lacerda e Almeida parte de Tete, rumo ao interior africano, chefiando uma expedição exígua de recursos humanos e materiais, aproveitando o retorno, ao seu País, de uma delegação do Reino de Cazembe (situado na actual Zâmbia), que tinha ido a Tete a trocas comerciais.


No decurso da viagem venceu múltiplas dificuldades, entre as quais se avultavam a deserção dos carregadores, o que obrigou ao abandono de diverso material e, também, a suportar as doenças tropicais e a fome, conforme referiu no seu diário: "Por vergonha ou por brio se mostravam mais animosos, só o Padre Capelão da expedição, o Tenente-Coronel de Milícias Pedro Nolasco de Araújo, o Sargento-Mor Pedro Xavier Nolasco e o Tenente da Praça António José da Cruz*, não mostram indícios de fraqueza ou irresolução." 


Acaba por chegar, bastante debilitado, em princípios de Outubro desse mesmo ano ao Reino do Cazembe, onde é bem recebido pelo Muata (Rei), que lhe dispensa todos os cuidados dos seus curandeiros para o tratar. O seu diário, onde anotou todas as observações científicas e pessoais que realizou durante o percurso, termina a 03 de Outubro, ocorrendo a sua morte a 18 do mesmo mês,tendo ficado sepulto no local, junto ao lago Moero.



Grande audiência do Muata Cazembe


A expedição abandonou a ideia de prosseguir para Angola e retornou a Tete, tendo assumido a chefia da mesma o Padre Francisco João Pinto, que trouxe a notícia da morte do cientista. O diário de Lacerda e Almeida, que foi dado por perdido durante muito tempo, veio a ser encontrado por Gago Coutinho**, em 1926, nos manuscritos arquivados da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Em nota de rodapé acresce dizer que a esposa de Lacerda e Almeida terá sido a primeira mulher europeia a residir em Tete, aí tendo falecido e ficado sepultada.


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António Cândido Pedroso Gamito - (Setúbal, 1806 - Setúbal, 1866) - Oficial do Exército Português e explorador. Chega a Moçambique no ano de 1825, como Alferes e, no ano seguinte, casa-se, em Tete, com Inácia Benedita da Cruz, irmão de António José da Cruz* e tia de Joaquim José da Cruz* (todos da família Cruz, os prazeiros de Massangano). Em 1829, já com a patente de Capitão, é colocado em Sena e é nesta localidade que, em 1831, o Governador de Quelimane e Rios de Sena, Manuel Joaquim Mendes de Vasconcelos e Cirne**, o vai encontrar e convidá-lo a integrar a expedição ao Reino do Cazembe, como segundo-comandante da mesma, o que aceita.



Nesse mesmo ano integra a referida expedição ao Cazembe, que sai a 01 de Julho de Tete, chefiada pelo Major Correia Monteiro. No decorrer da mesma Pedroso Gamito registará, ao pormenor, todos os aspectos da fauna e flora que encontrará no caminho, totalmente desconhecido, na época, para os europeus. Em paralelo também efectua registos de diversos povos com quem vai-se cruzando. Em Novembro desse mesmo ano chegam ao Cazembe, depois de terem percorrido cerca de cinco mil quilómetros, a pé.



No Cazembe, onde ficará até Maio de 1831, visita o túmulo de Lacerda e Almeida e, em jeito de experiência, envia uma carta para Angola, já que pombeiros ligavam o interior do Cazembe com aquela colónia. Essa carta chegará a Angola em 1839, levada pelo pombeiro Pundo Andongo, que nesse ano fora ao Cazembe. Terá sido esta a primeira ligação postal entre as duas colónias portuguesas. 



Pedroso Gamito


Pedroso Gamito e a expedição regressam a Tete, onde chegam a 15 de Outubro de 1832 exaustos, depois duma acidentada viagem pedestre de cerca de dez mil quilómetros no total, onde a sede, a fome, a doença, a guerra nalguns locais de passagem, os assaltos e as deserções foram permanentes companheiros.






Em 1834 é nomeado Governador de Sofala e no biénio 1838/39 governa o presídio de Lourenço Marques, após o que vai assumir, em 1840, o comando da Fortaleza de São Sebastião* na ilha de Moçambique. Regressa à metrópole em 1842 mas, doze anos mais tarde, retorna a Moçambique como Major e com a missão de assumir o governo do recém-criado Distrito de Tete que passou a ficar separado de Rios de Sena. No entanto, como na altura se preparava uma expedição contra Joaquim José da Cruz*, correntes opositoras a Pedroso Gamito invocaram o seu casamento com Inácia Benedita da Cruz, tia do prazeiro, o que acabou por concorrer ao seu afastamento para o cargo que fora nomeado. Retorna, de vez, a Portugal, em 1855, onde virá a falecer. Publicou, entre outros, os livros "Muata Cazembe" e o "Diário da Expedição Portuguesa Comandada pelo Major Monteiro".


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João Tavares de Almeida - (Uruguai, 1816 - Goa, 1877) - Oficial do Exército Português (General). Estudou no Colégio Militar e na Escola de Guerra, em Lisboa. Entre 1842 e 1857 comissionou em territórios ultramarinos e, em 1860, é nomeado Governador de Tete, cargo que desempenhou até 1863.




João Tavares de Almeida


Entre 16 de Fevereiro de 1869 e 08 de Abril deste mesmo ano exerceu o cargo de Governador-Geral de Moçambique e, em Novembro seguinte, como Tenente-Coronel, comanda a quarta expedição militar contra António Vicente da Cruz*, prazeiro de Massangano, na qual as forças portuguesas sofrem mais uma pesada derrota. De regresso à metrópole acaba nomeado Governador-Geral da Índia, em 1875, território onde virá a falecer. 


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João dos Santos Albasini - (1876-1922) - Jornalista. Neto de João Albasini, foi um dos mais conhecidos homens da imprensa laurentina, no princípio do século XX e uma voz incómoda ao poder colonial, sempre na defesa dos interesses dos naturais. Em 1908 funda o Grémio Africano e, mais tarde, os jornais ""O Africano" e "O Brado Africano". No decurso do ano de 1919 desloca-se a Lisboa e reivindica, entre outras propostas, o fim do chibalo* e do imposto de palhota* bem como as expropriações das terras aos africanos. Postumamente foi publicado um pequeno de livro de contos da sua autoria com o título "O livro da dor". Utilizava, por vezes, o pseudónimo de Nwandzenguele.



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Carregadores - Eram os indivíduos recrutados, quase sempre à força em regime escravo, para a função de carregarem mercadorias ou pessoas, nas expedições militares ou civis, sendo tratados como autênticos burros de carga.








Tinham bastante procura e eram preferidos em relação à tracção animal, porque a mosca tsé-tsé** atacava estes pondo-os incapazes para qualquer tipo de trabalho, vítimas da nagana e também porque o seu custo económico era, na prática, zero, pois eram capturados nas suas aldeias após as autoridades administrativas emitirem a respectiva ordem, sendo pagos em alimentos, que também tinham que carregar.




Carregadores



Como Moçambique nunca teve estradas decentes, a tracção mecânica tardou a chegar, principalmente no centro e norte do território, pelo que o recurso aos carregadores ainda era visível até meados do século XX.



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* - Já efectuada ficha.
** - A fichar.


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LEITURAS


João Augusto Silva - Vagabundo de alfarrabistas que sou tive a sorte (mas a sorte também dá trabalho, pelo que li numa inscrição numa parede do Casino de Lisboa) de encontrar um livro de contos deste Autor, com o título "Selva Maravilhosa: histórias de homens e bichos". (Com capa e ilustrações de José Antunes, Ultramar, 169 págs). Este livro é um conjunto de quinze contos que, segundo o Autor: "contém algumas histórias que ouvi contar ao longo de interessantes peregrinações desde o Rovuma, na fronteira norte, até ao Maputo; desde as maravilhosas praias do Índico às verdes montanhas do interior". 


João Augusto Silva (Ilha Brava (Cabo Verde), 1910 - Paço d´Arcos, 1990) foi um administrativo colonial que desempenhou funções na Guiné, em Angola e em Moçambique. Paralelamente à sua actividade burocrata foi também um artista plástico, desenhador naturalista, ensaísta, escritor e caçador, mas cedo abandonou a espingarda e, felizmente, trocou-a pela máquina fotográfica. Cruzou-se e conviveu com intelectuais de gabarito da nossa praça, foi um homem de espírito aberto e um apaixonado por África, por quem sempre se bateu, mesmo dentro do seu conservadorismo. A ele devemos das mais belas pinceladas literárias e de tela que já se produziram.


Auto retrato de João Augusto Silva



Iniciou a sua carreira literária em 1936 com "África - da vida e do amor na selva", e "Grand Chasses - tourisme dans l´Afrique portugaise" (1936) e a Moçambique legou "Animais selvagens - contribuição para o estudo da fauna de Moçambique" (1956); "O comportamento dos animais perante o homem" (1963); "Gorongosa - experiências de um caçador de imagens" (1964) e este agora que abordo: "Selva maravilhosa" (1965). Já em Portugal, como membro do Jardim Zoológico de Lisboa, publicou um "Guia" (1977).



Desenho de João Augusto Silva


João Augusto Silva foi um português africanista de primeira água. Pertence àquela geração de Homens que, após o 25 de Abril, foram apanhados pelo orgasmo mictórico revolucionário dos "anos da brasa" e acabaram esquecidos, varridos que foram pelos novos ventos da História.


Hoje, que o vendaval acalmou (até está calmo demais, diga-se de passagem), importa que todos nós prestemos homenagem a estes ilustres portugueses que amaram África, deram o seu contributo para a preservação das espécies e, no fim, foram afastados sem um agradecimento.


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Canibalismo - Tenho lido algumas coisas sobre a prática do canibalismo nos territórios que foram colonizados pelos portugueses. Foi uma prática que os europeus  sempre combateram com denodo e nunca deram tréguas. Entre alguns suportes escritos que possuo consta um livro de Henrique Galvão, titulado "Antropófagos" (Editorial Jornal de Notícias,Lisboa, 1947, 330 págs.).


Capa do livro


Dividido em três partes, aborda na primeira a antropofagia no Mundo, a segunda debruça-se mais sobre a costa ocidental africana e com especial incidência em Angola e a terceira parte é a recolha de testemunhos directos de canibais e outras pessoas de Nambuangongo e Uíge.

Não sendo um tema específico a África (há registo de canibalismo em todas as partes do mundo) nem neutro (é maldito para os africanos por alguns o terem praticado e sublime para os europeus que invocam o seu combate) merece, no entanto, algum estudo para os interessados na história etnográfica africana, não para rebaixar os africanos, mas para perceber quais as motivações que levavam alguns praticarem o canibalismo (religiosas, sociais, mágicas, fome, etc.)


O Autor, Henrique Galvão, na altura em que escreveu o livro ainda era um defensor do regime do Estado Novo, sendo mesmo um filho político dilecto de Oliveira Salazar. Apesar disso a sua escrita, neste livro, percebendo-se a superioridade moral que assesta na sua condição de europeu, no entanto, não é tão virulenta contra os africanos como seria de pressupor. O livro pode-se considerar, dentro dos condicionalismos e da mentalidade da época, mais ou menos isento sobre este tema sensível a qualquer pessoa. 


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POESIA



Caetano da Costa Alegre - (São Tomé, 26/04/1864 - Alcobaça, 18/04/1890) - Nascido no seio duma família crioula santomense com posses, vem para Lisboa com dez anos de idade estudar num colégio. Ingressa mais tarde (1887) na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, com finalidade de se formar em Medicina Naval, mas não completa os estudos por motivos da doença (tuberculose) que o virá a vitimar.


Costa Alegre


Na capital lisboeta elaborou um conjunto de trinta e dois poemas, entre 1882 e o ano do seu falecimento,  no qual deixa transpirar o estigma que sente pela sua condição de negro e a revolta que, apesar de abafada, não deixa de sentir. Rejeitado por uma mulher branca, por ser negro, dirá:



Tu tens horror de mim, bem sei, Aurora,
Tu és o dia, eu sou a noite espessa,
Onde eu acabo é que o teu ser começa.
Não amas!... flor, que esta minha alma adora.

És a luz, eu sou a sombra pavorosa,
Eu sou a tua antítese frisante,
Mas não estranhes que te aspire formosa,
Do carvão sai o brilho do diamante.

Olha que esta paixão cruel, ardente,
Na resistência cresce, qual torrente;
É a paixão fatal que vem da sorte,

É a paixão selvática da fera,
É a paixão do peito da pantera,
Que me obriga a dizer-te "amor ou morte"!

Em 1916 um seu amigo, o jornalista Cruz de Magalhães editará, postumamente, a sua poesia no livro "Versos". Costa Alegre é considerado o primeiro poeta negro da África portuguesa, e o primeiro a tocar, com o dedo na ferida, a condição subalterna da condição do negro na sociedade lusitana. A uma mulher (de nome Maria) que o apelidou de "carvão", poemou, ironizando:


És alva e fria,
Anjo mimoso,
Tal como um dia
triste, invernoso!

Eu bem podia
Calor fogoso,
Que te aquecia,
dar-te amoroso.


Mas tu não queres!
(Como as mulheres
teimosas são)


Sofres o frio,
E de arrepio!
Tendo carvão!...


Apesar de clamar contra o anátema da sua condição de negro, a sua poesia no entanto é do estilo romântico, chorosa, fatalista, muito em voga na época. Higino de Sousa escreveria no "Ocidente", sobre ele e um mês após a sua morte: "... a cor despedaçava-lhe o peito num desgosto enorme, porque ele, alma feita de amor queria amar também, mas via sempre erguer-se, entre o seu amor e o eterno feminino, o preconceito da raça."


A minha cor é negra,
Indica luto e pena;
É luz que nos alegra,
A tua cor morena.
É negra a minha raça
A tua raça é branca,
tu és cheia de graça,
tens a alegria franca,
que brota a flux do peito
das cândidas crianças.
Todo eu sou um defeito,
sucumbo sem esperanças,
e o meu olhar atesta
que é triste o meu sonhar,
que a minha vida é esta
e assim há-de findar!
Tu és a luz divina,
em mil canções divagas,
eu sou a horrenda furna
em que se quebram as vagas!
Porém, brilhante e pura
talvez seja a manhã
Irmã da noite escura!
Serás tu minha irmã?



No entanto Costa Alegre, que a crítica Maria Manuel Margarido definiu como "...curiosa e torturada figura de poeta santomense..."  nunca reagiu abertamente contra a sua condição subalternizante, por ser negro. Aceitava como fatalismo, lamentava, poemava, mas não passava disso. Volta não volta nalgum poema seu vislumbrava-se um elogio à condição de africano. Mas nada mais do que isso. Por isso, apesar de ser considerado o primeiro poeta negro da África Portuguesa, não foi o ou um dos percursores da poesia de contexto africano, do clamar pela negritude, do rasgar de novas ideias que transmitissem uma mensagem de esperança aos humilhados e ofendidos. Essa honra do romper novos horizontes na poesia e transformá-la numa arma estaria reservada a outros, sendo um dos pais de tal escol o sãotomense Francisco José Tenreiro. A terminar transcrevo um dos mais belos poemas sentidos que li deste delicado poeta da amargura e da desilusão:


As minhas desilusões
doutrora
Puras como as canções
da aurora,
levou-mas
o vento frio do sul.
Roubou-mas,
Num ímpeto cruel,
ingente
e louco,
Deixando-me somente
um pouco
do branco véu de tule
e um leque de papel!



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MÚSICA


Waldemar Bastos - (N´banza Congo (Angola), 1954) - Recordo-me que a primeira vez que ouvi Waldemar Bastos foi, há muitos muitos anos, num programa de televisão de Júlio Isidro (já não me recordo do nome de programa) onde ele cantou um música fabulosa de sua autoria e que tem por título "Velha Chica". Fiquei logo preso àquela voz poderosa e estava eu longe de imaginar que, um  dia, os nossos caminhos iriam cruzar-se. É, sem dúvida alguma, um dos maiores expoentes da música angolana, reconhecido internacionalmente, tendo inclusive penetrado no difícil mercado norte-americano. Como compositor e cantor tem levado a sua banda a actuar em diversos países à escala planetária, bem como tem participado em diversos eventos de solidariedade.




Velha Chica

Entre 1986 e 1996 Waldemar Bastos viveu em Portugal, mais concretamente em Lisboa, tendo sido nessa altura que o conheci e travámo-nos de amizade. Do nosso convívio, que foi intenso, recordo, entre várias, uma noite que passámos até nascer o Sol, num restaurante que ele tinha no Bairro Alto - o "Água do Bengo" - em que ele e um outro músico nosso amigo comum, o saõtomense Umbelina Gil ("da ilha do Príncipe", como ele gostava de enaltecer), interpretaram músicas afro-atlânticas, de escravos escorraçados, de amores impossíveis, de roças cultivadas ao som de chicotes e de tantos outros temas. Lamentei não ter gravado essa noite, uma das mais memoráveis da minha vida. Não ia preparado para tal e tudo surgiu num repente quando, batida a meia noite, as portas do restaurante se fecharam ao público e ficámos só nós e as nossas respectivas consortes (ou azarentas) e ainda um outro amigo comum, o Cerqueira. Ainda hoje, uma vintena de anos volvidos, recordo-me dessa noite e dalgumas músicas. E uma nostalgia do tamanho do Mundo. 



Muxima


Waldemar Bastos compôs e gravou vários álbuns mas, o meu preferido, é o "Pretaluz". Recordo-me da Laureana, a esposa dele, excelsa cozinheira da gastronomia angolana, ter comentado quando eu frisei esta minha preferência discográfica: "Não admira. Fui eu que seleccionei as músicas e a ordem das mesmas." Portugal, Brasil, Mónaco e, Angola como não podiam deixar de ser, são os principais pontos cardeais deste notável cantautor cujas músicas, ainda hoje, continuo a ouvir com agrado. E com saudade recordo o tempo em que ele, sempre que vinha da gravação dum programa de divulgação musical que tinha na RTP 2 (chamado "Waldemar"), telefonava-me e dizia: "Irmão, já ajudei a divulgar mais um jovem."



Era assim, o Waldemar Bastos. Apesar de ser reconhecido internacionalmente, de lidar com músicos importantes da cena internacional, tinha um programa de televisão, cuja principal preocupação dele era a de dar a conhecer jovens músicos e tentar dar-lhes uma oportunidade. 



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PINTURA


Kiki Lima - (Santo Antão (Cabo Verde), 15/04/1953). De seu verdadeiro nome nome Euclides Eustáquio Lima, estudou Direito em Lisboa, mas não acabou o curso. Acabou por se licenciar em Design de Comunicações pela Escola Superior de Belas Artes, de Lisboa.




Expôs dezenas de vezes, quer individual quer colectivamente, em diversos países, estando a sua obra representada em diversos espaços públicos (museus, aeroportos, espaços institucionais, bancos, etc.)



"Vestido Rubro"



Para além da sua actividade pictórica, também se dedica ao estudo da música, sendo compositor e intérprete (tendo integrado diversos agrupamentos musicais), com discos gravados, para além de conferências que promove na divulgação da música popular caboverdeana.





"Vendedeira"



Contando já quatro décadas a pintar, premiado por diversas vezes, com obra sua referida e livros da especialidade, Kiki Lima é justamente considerado um dos maiores pintores caboverdeanos.





"Excesso de bagagem"


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RECORDANDO HISTÓRIAS E LENDAS DE ÁFRICA


Rainha Njinga - (1580 - Matamba, 17/12/1663) - Foi Rainha dos reinos de N´dongo e da Mutamba, situados ambos no sudoeste africano, durante o século XVII. Quando os portugueses estabeleceram contactos com o povo mbundu estes foram inicialmente pacíficos e proveitosos para ambas as partes. os portugueses precisavam de escravos para exportarem para o Brasil e o N´gola (1) Kiluanji fornecia-lhos, livrando-se de opositores, criminosos, inimigos e de prisioneiros das suas guerras.  Só que, com o aumento da pressão dos esclavagistas, foram sendo necessárias maiores quantidades de escravos e o N´gola Kiluanji foi conquistando pequenos reinos circum-vizinhos até que entrou em conflito com territórios portugueses (na área da Ilamba) e aí o conflito estalou-se entre as dois antigos aliados (1581).



Rainha Njinga



Kiluanji, que era tão bom guerreiro contra os portugueses como era um déspota cruel para com os seus, acabou deposto pelo seu próprio povo. Teve cinco filhos sendo dois rapazes e três raparigas, entre os quais Njinga. Esta cresceu na corte e casou-se e teve um filho. Após a deposição de Kiluanji e sua execução, o seu filho Mbandi assumiu a chefatura do Reino e ordenou a morte de qualquer pretendente ao trono, para não ter problemas com rivais. Nos mortos às suas ordens estava o filho da sua irmã Njinga. Esta, juntamente com outros familiares abandona o Reino N´dongo e refugia-se na vizinha Mutamba.


Em 1618 o N´Gola Bbondi vê-se a braços com uma investida dos portugueses que ansiavam por se apoderarem das minas de prata do seu Reino. Fraco e derrotado por estes (1618) foi cedendo tudo aos invasores, até que pediu à sua irmão Njinga que fosse a Luanda negociar um acordo de paz. É então enviada a Luanda, para negociar com os portugueses, a qual exigiu a estes tratamento de igual para igual. Reza a História (e que fez Njinga entrar na lenda) que tendo o Capitão-General de Angola  João Correia de Sousa, recebido a mesma em audiência, não permitiu nenhuma cadeira na sala a não ser para si, para ela se manter de pé como uma humilhação. Então Njinga mandou uma escrava sua pôr-se de gatas e, sentando-se em cima dela começou a negociar com o Governador português. Quando o Capitão-General lhe exigiu a entrega dos prisioneiros portugueses que estavam em poder do seu irmão, ela respondeu-lhe que os trocaria quando lhe devolvessem os negros do seu povo que tinham sido escravizados e enviados para o Brasil. A fim de facilitar o estabelecimento dum acordo de paz entre as partes, aceitou tornar-se cristã e adoptou o nome de Dona Ana de Sousa.




Famoso encontro onde Njinga se sentou na sua "cadeira humana".



Por fim foi celebrado um acordo em que os portugueses reconheciam Mbandi como N´gola e retiravam as suas tropas do reino N´dongo. Em contrapartida Mbandi comprometia-se a entregar os prisioneiro portugueses e a continuar a  fornecer escravos, bem como conluiavam-se para combaterem um inimigo comum, os jagas, que eram bandos de centenas de escravos fugitivos, praticantes do canibalismo e que rasiavam tudo por onde passavam.


Mas foi Sol de pouca dura este acordo de paz. De novo a pressão para aumentar o número de escravos para exportação para o Brasil e o apossamento das riquezas mineiras da região, levaram a novo conflito de interesse entre os dois aliados que levou Njinga outra vez a Luanda, para tentar resolver a situação (1621). Só que o governante já não era Correia de Sousa e, no regresso ao Reino, Njinga aconselha o irmão a resistir aos portugueses. Mas este, antecipando outras jogadas, desloca-se por sua vez a Luanda, voluntariamente, e avassala-se ao Capitão-General. Foi a gota de água que transbordou no copo da paciência de Njinga. Numa rápida jogada política e na ausência do seu irmão, alia-se aos jagas, que eram os homens mais aguerridos e manda matar o seu irmão, quando este regressava de Luanda. Assume o trono N´dondo e vinga a morte do seu filho, que anos antes fora morto às ordens do irmão. E quando Kaza Kangola (o líder jaga e seu amante) capturou o filho de Mbandi, Njinga mandou envenenar o seu sobrinho.



E assim nasceu a lenda negra de Njinga, a Rainha Canibal, pois a mesma foi acusada da prática de canibalismo, ao afirmarem que comeu o figado de Mbondi, quando se auto-corou N´gola, numa cerimónia que acabou em pura orgia canibal.  Há quem defenda que tudo não terá passado duma invenção dos portugueses para denegrirem a sua imagem, por ela se ter revoltado contra eles. De qualquer modo a sua aliança com os jagas canibais não a iliba duma mancha negra na sua vida.



Continuando a sua revolta contra os portugueses ataca-os e aos povos fiéis a estes, com uma violência inaudita, atrocidades estas que a atiram para a triste fama do canibalismo (mais uma vez existem divergências; uns historiadores afirmam ser lenda outros que foi a realidade) mas acaba derrotada pelas forças do Capitão-General Fernão de Sousa (1623), que lhe liquida grande parte das forças e prende diversos familiares seus.


Por volta de 1630 afirma querer casa-se com o chefe dos jagas, numa jogada de reforçar a sua aliança militar e, com as forças deste, invade a Mutamba  (1630) e funde os dois reinos (N´dongo e Mutamba) num só. Mas Njinga acaba por entrar em ruptura com os jagas, quando estes, insubmissos e descontrolados como sempre, saqueiam a própria capital (1635). Ao rasto de sangue que deixaram não podia ficar indiferente.




Quilombo da Rainha Njinga, na Matamba




Os portugueses, vendo que os holandeses estão a ocupar as suas costas e a montar feitorias, a fim evitarem conflitos no interior, tentam reconciliar-se com Njinga, enviando-lhes emissários (1639), mas nada de útil se consegue. Njinga vê aqui uma oportunidade, apercebendo-se da fraqueza dos portugueses que, cercados no litoral pelos holandeses e a norte pelas forças do Manicongo Garcia II, estavam encurralados no interior. Mas tinham espingardas e canhões o que acabou por ser a sua salvação. 


Em 1641 Njinga alia-se aos holandeses e os seus homens ajudam estes a conquistarem Luanda, que ficou sob domínio holandês durante o septanato 1641/48. Em 1945, forças de Njinga, comandadas por ela própria, cercam e atacam o contingente português em Massangano, no que pensava ser o dobre de finados do mesmo. Foi outro erro de cálculo seu. Desesperados, sem terem nada a perder senão as suas vidas que já nada valeriam se fossem vencidos, os portugueses agigantaram-se e, depois de combates violentos conseguiram, não só romper o cerco num brutal corpo a corpo como invadem o acampamento real e matam milhares de pessoas, numa pura orgia de sangue, para além de lhe aprisionarem duas irmãs suas (Engrácia e Bárbara). Psicologicamente (e não só) foi devastador para as gentes de Njinga e um golpe muito rude para ela, quando julgava que tinha os portugueses encurralados pelo cansaço, fome e sede. Abalou seriamente o seu prestígio, pois nunca mais voltou a  ter o mesmo.


Mantendo-se aliada dos holandeses ainda guerrilha os portugueses mas, em 1648, quando chegam reforços do Brasil, os holandeses são expulsos de Luanda e Njinga tem que assumir a sua parte na derrota. Os aliados europeus (holandeses) partem e ela tem que ficar para arcar com tudo. Sem holandeses, sem jagas e sem as tropas do Manicongo, também estas derrotadas. Aliás o Manicongo apressou-se a avassalar-se de novo aos portugueses.




Os portugueses tinham vencido em toda a linha, no pleno. A resistência lusitana, com forças exíguas, isoladas no interior angolano, cercados por inimigos por todos os lados, incluindo pelos próprios canibais jagas, arcando coma fome e sede, as doenças tropicais e sem médicos e medicamentos, o isolamento, é um facto histórico que nunca foi do interesse de muitos críticos do colonialismo português estudarem, mas a verdade é que foi um facto histórico. Histórico e espantoso. Mas real. 



Njinga volta a ficar isolada no seu Reino da Matamba, até que cerca de uma década volvida frades católicos convencem-na a voltar a abraçar a fé católica. Face à sua anuência e por se ter mantido sem praticar hostilidades de vulto, as autoridades portuguesas de Luanda libertaram Bárbara em troca de 130 escravos que Njinga lhes entregou (Engrácia fora entretanto morta pelos portugueses) e, em 1659, Njinga celebra um acordo de paz com os portugueses. Tornou-se uma boa aliada dos portugueses e, inclusive, enviou uma embaixada ao Papa que  lhe respondeu à cortesia. Retoma o seu nome católico de Ana de Sousa e é erigida uma Igreja católica - Santa Maria da Matamba - cuja construção é paga por si.




Até morrer, aos oitenta e três anos, a Rainha Njinga governou as suas populações em paz, reinserindo muitos escravos nos seus reinos e criando uma economia assente na mais na produção agrícola e não tanto no tráfico de escravos.



Estátua da Rainha Njinga, em Luanda


Reza a História que, após a sua morte, sete mil dos seus soldados foram enviados para o Brasil, onde foram comercializados como escravos. Um belo tributo lusitano a uma Rainha que, nos seus últimos anos de vida, redimiu-se pugnando pela libertação dos mesmos.


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Sobre a vida da Rainha Njinga existem numerosas obras, quer em romance, contos, lendas, quer também em estudos de história e até quer em organizações políticas mais ou menos subterrâneas. Lembro-me de há uns anos atrás uns bacanos terem criado uma organização (em Lisboa) que eram os "Filhos da Nzinga", cujo programa principal era o aumento da população negra em Portugal, para tomarem de assalto o poder. Bacanos gozões, cujo sítio da inter-net estava sedeado nos EUA. Não foi preciso nada disso para os angolanos (e os  chineses) mandarem em Portugal. A nova Rainha Njinga é Isabel dos Santos. Adiante.


Sobre esta histórica e lendária Rainha Waldemar Bastos compôs um belo tema, (integrado no álbum "Pretaluz") e que fui buscá-lo ao Youtube, reproduzindo-o de seguida.






A vida desta Rainha é tão querida no imaginário popular angolano que reza lenda que, em Pundo Andongo, está gravada numa pedra à beira do rio Quanza, uma pegada feita pela Rainha Njinga. A pegada, que é duma datação pré-histórica existe mas, logicamente, não foi feita pela Rainha Njinga. Outra lenda atribui-lhe uma pegada sua numa rocha nas montanhas da Matamba. Mas, nestes casos, que podem a lógica e a ciência contra a força duma lenda que tem por personagem a Rainha Njinga?


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(1) - N´Gola - Rei. Foi a partir deste título real de N´Gola que os portugueses deram origem ao aportuguesamento de Angola.


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PORQUE SÓ HÁ UM PLANETA



The beauty of pollination
(A beleza da polinização)



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VAI ACONTECER


A escritora Deana Barroqueiro estará presente no próximo dia 15 do corrente mês de Junho, para falar sobre o seu novo livro "Os Corsários dos Sete Mares", o qual será lançado ainda este ano. 





Deana Barroqueiro é a minha romancista histórica favorita (espero que esta afirmação não seja uma menos valia para ela), tendo já publicado diversos romances. Especializada na temática histórica da época dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa, da sua obra publicada tem dois volumes que fazem parte do núcleo duro da minha biblioteca: "O navegador da passagem" e  "O espião de Dom João II", já por mim analisados neste blogue.


O local do evento é na Biblioteca Municipal de Cascais em São Domingos de Rana, e terá início às 21H30 do próximo dia 15 de Junho.



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ACONTECEU


Casamentos fraudulentos - O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) capturou um indivíduo que já tinha sido condenado a quatro anos de prisão efectiva por auxílio à emigração ilegal e por ter promovido cento e cinquenta (150) casamentos "brancos". (Diário de Notícias, 06/06/2012)



Casamentos "brancos" são matrimónios em que cidadãos estrangeiros pagam uma certa quantia financeira a nacionais portuguesas para se casarem no Registo Civil e, assim, os "maridos" adquirem a nacionalidade lusa, sem mais incómodos e sem terem, não só, que se sujeitarem a qualquer outro tipo de burocracia (viver há pelo menos cinco anos em Portugal, falar português, possuir o ensino básico, etc., etc.) como também não correm o risco da pretensão ser indeferida.



Esta artimanha já leva muitos anos. Lembro-me, por exemplo, de certa altura, há muito tempo, o Sporting contratar dois futebolistas búlgaros e estes, mal aterraram na Portela, foram levados ao Registo Civil, onde já se tinham arranjado duas "noivas", casaram-se e ficaram logo portugueses. Foi uma medida para contornar uma lei desportiva que, na altura, limitava o número de jogadores estrangeiros que cada clube podia utilizar em campo (muito antes da Lei Bosman). Recordo-me ainda de, mais tarde, essas "noivas" virem para a comunicação social queixarem-se que tinham sido enganadas (coitadas). Cá para mim queriam era mais dinheiro.



Bom, mas vamos à actual situação. Então, pergunto eu que sou muito loiro e lerdo: só este indivíduo é  que foi condenado? Então e as 150 mulheres que se prestaram a  esta farsa, que venderam a nacionalidade portuguesa, nada lhes aconteceu? E aos 150 novos patriotas portugueses, não lhes foi retirada a nacionalidade? Fica tudo em águas de bacalhau? Prende-se o intermediário (no fundo o único que "trabalhou") e os outros ficam com o rabinho de fora?


Meu pobre e triste País.


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Lisboa a morrer - Leio que a histórica e quase centenária Panificação do Chiado, padaria fundada em 1917 e situada na Calçada do Sacramento, fechou. Tal como a Livraria Portugal, da Rua do Carmo (que parece que vai dar lugar a uma fast-food de pão), a Ourivesaria Aliança (com interiores Luís XVI), na Rua Garret, a Alfaiataria Picadilly ali perto que virou um pronto-a-comer e a charcutaria Nova Açoreana que virou hotel. (Público, 07/06/2012)


E é toda uma memória histórica desta Lisboa, que está cada vez mais descaracterizada, que vai fenecendo aos poucos. Do Rossio à Praça da Figueira quase que dou a volta ao mundo. As lojas e negócios clandestinos de emigrantes começam a ocupar lentamente as zonas nobres da cidade, sem qualquer qualidade de decoração ou higienização dos produtos. Mas tudo bem. Haja kebabs turcos gordurosamente assados com moscas à volta, telemóveis indianos importados ilegalmente, roupas paquistanesas sem boletins de registo de importação  e contratação de guineenses ilegais para a construção civil (em pleno Rossio) com fartura.


Nada disto me incomodaria (o haver empresários estrangeiros na baixa) se os ditos "empresários" estrangeiros cumprissem as nossas leis. Mas devem-se contar pelos dedos os que o fazem. E a isto chamo de concorrência desleal. Para grande orgulho e gáudio dos nossos mandantes municipais, somos a segunda cidade da Europa que melhor recebe os emigrantes. Isso é que é importante. Se a nossa memória histórica vai fechando ... isso são amendoins e minudências da pequena História.


Minha triste e pobre cidade.


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Defenda o Planeta. Insurja-se contra a violência perpretada contra o indefeso Mundo Animal e Florestal. Participe activamente em associações ambientais. Porque o Planeta é a Casa de Todos.







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Seja amigo do ambiente. Recicle o papel do diploma legislativo que promulgou o Novo Acordo Ortográfico como papel higiénico, por exemplo.






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As referências aos produtos acima referidos (livros, filmes, música, marcas, etc.) são incompatíveis com intuitos comerciais. Reflectem, apenas e tão-somente, a opinião do Autor.






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Todas as fotos, vídeos ou filmes que ilustram os textos acima escritos foram colhidas do Google Imagens e do Youtube.



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E agora... vou descansar (se me deixarem).






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1 comentário:

  1. CONCORRÊNCIA DESLEAL TAMBÉM É SUBSIDIAR A AGRICULTURA EUROPEIA, IMPOSSIBILITANDO AS EMPRESAS EM ÁFRICA, AMÉRICA OU NA ÁSIA DE CONCORRER EM PÉ DE IGUALMENTE COM AS EUROPEIAS, POSSIBILITANDO A CRIAÇÃO DE EMPREGO E RIQUEZA.
    O MESMO EM RELAÇÃO AS

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