"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

sábado, 28 de abril de 2012

Ibne Batuta

Viajantes, aventureiros e exploradores

Abu Abdulha Muhammad Ibne Batuta - (Tânger, 25/02/1304 - Fez, 1377) - Geógrafo, explorador e aventureiro sendo, muito justamente, considerado um dos maiores viajantes de todos os tempos. Oriundo duma família abastada e religiosa, da tribo Lawati, pouco se  sabe da sua infância, a não ser que era oriundo duma família berbere da pequena nobreza, tendo feitos estudos religiosos. Começou  a sua peregrinação pelas Sete Partidas do Mundo em 1325 e durante vinte e quatro anos não parou.



Aos vinte e um anos decide realizar a viagem religiosa que todo o muçulmano deve tentar, que é a  peregrinação a Meca. Para tal partiu da sua cidade natal em Junho de 1325, numa viagem calculada para dezasseis meses mas que acabaria por durar vinte e quatro anos. Como ele escreveria mais tarde: "tomei a decisão .... e deixei a minha casa como os pássaros deixam os seus ninhos." (1)

Depois de ter percorrido o Norte de África chega a Alexandria, no Egipto,  seguindo depois para o Cairo onde, após uma curta estadia, resolve explorar o vale do rio Nilo. Retornando ao Cairo segue para Damasco, percorre a península  do Sinai, visita os lugares sagrados de Hebron, Jerusalém e Belém e, de novo em Damasco, ruma para Medina, onde visita a campa do Profeta Maomé e, dali, segue para Meca, onde chega em Outubro de 1326. Depois de cumpridos os rituais islâmicos atinge o estatuto de al-haji. À vista e em torno da Kaaba, Ibne Batuta cumpria o quinto pilar do Islão (2).  


 Em Novembro desse mesmo ano, cumpridos que foram os ritos religiosos que tinham sido a razão da sua saída de Marrocos, não retorna à sua terra natal e ruma para o Iraque e Pérsia. No caminho, depois de atravessar  a Península Arábica e transpor a fronteira mesopotâmica visita, em Najab, o  túmulo do Califa Ali ibn Ali Talib, que fora genro de Maomé.


De Najaf, em vez de seguir para Bagdad, flecte para a Pérsia e, seguindo o rio Tigre, atinge a cidade de Basram e, desta, vai para Shiraz. Finalmente, voltando a passar pela cordilheira de Zagros entra no Iraque, chegando a Bagdad em Junho de 1327. De Bagdad parte para para Tabriz, no Norte da Pérsia, caminhando pela  lendária e perigosa Rota da Seda. De Tabriz retorna a Bagdad, mas antes visita a Turquia e daqui volta, de novo, a Meca, onde efectua uma segunda peregrinação e repousa durante cerca de um ano.

O Iémen é o seu próximo ponto de chegada e daqui, depois de ter navegado pelo Mar Roxo, ruma para a costa oriental africana e de Mogadíscio a Zanzibar, com paragens por Maldivas, Mombaça, Quíloa e Zeila, tudo observa, regista e participa. Na viagem de retorno visita Omã e o estreito de Ormuz, acabando por regressar a Meca.



Volvido um ano de estadia em Meca, Ibne Batuta volta a partir, desta vez para a Anatólia e acaba a percorrer a costa sul da actual Turquia. Daqui atravessa o Mar Negro e desembarca em Kafka, na Crimeia. Ingressa numa caravana e atinge Astrakhan, em 1332. Cruzando os mares Cáspio e Aral atinge Samarcanda e, desta cidade, pelo Sul do Afeganistão entra na Índia. Atingira o seu objectivo que era chegar a Deli, que se regia por um sultanato. Fruto das suas credenciais de estudioso corânico e das suas prolongadas estadias em Meca, acaba nomeado juíz do Sultanato de Deli. face ao seu relacionamento instável com o Sultão Mohamed Tuguluq, Ibne Batuita resolve deixar o alto cargo que desempenhava e parte de novo para Meca, mas o governante oferece-lhe o posto de embaixador na China.


A hipótese de viajar para mais longe e conhecer novas terras leva-o a aceitar tal posto. A caminho de Cambaia, para embarcar, Ibne Batuta é assaltado e milagrosamente escapa com vida. Consegue atingir Cambaia e embarca para Calecute. Nesta cidade o azar persegue-o quando uma tempestade afunda dois dos três navios que iam para a China, e o terceiro levanta âncora sem o levar.


Receando voltar para Deli com novas do seu fracasso e temendo o feitio instável do Sultão, deixa-se ficar em Calecute, sob a protecção do governante local, Jamal al-Din, até este ser derrubado. Abandonando Calecute, embarca para as Maldivas, onde se casa um uma princesa local e  é nomeado juíz. Nove meses após a sua chegada abandona o reino insular, suspeito de estar ligado a uma tentativa de deposição do Rei e vai para a ilha de Ceilão (actual Sri Lanka).

Consegue embarcar para Calecute, mas o seu navio, que escapara dum naufrágio, acaba assaltado por piratas, na costa do Malabar, e fica encalhado nesta costa. Ibne batuta retorna às Maldivas e daqui, numa embarcação chinesa ruma, agora para a China. Sumatra (actual Indonésia)  e a costa vietnamita antecedem a sua chegada, finalmente, à China, onde aporta em Quanzedhou, na província de Fujian. Neste território vai até à zona onde actualmente se situa Xangai.

Finalmente decide retornar de vez. Fora a terras distantes, vivera muitas aventuras e achou que devia de regressar  a Meca e daí para Marrocos. Em Damasco toma conhecimento da morte do seu pai e, chegado a Meca, parte para a Sardenha e finalmente, retorna a Tânger, em 1349. 

(Mapeamento das viagens de Ibne Batuta)


Mas Ibne Batuta ainda vai à Andaluzia visitar o Reino de Granada, governada pela dinastia Nahisir e, de regresso a casa, efectua a sua última viagem de aventuras em direcção ao Reino do Mali. Assim, em 1352, partindo de Fez atravessa o deserto do Sahara, depois de transpor a cadeia do Atlas e atinge a cidade de Taghaza, no centro do Sahara, que tinha como principal actividade económica o comércio salino, para além dos escravos. Depois de percorrer centenas de quilómetros em pleno deserto atinge o rio Níger até chegar o Reino do Mali, pelo trilho caraveneiro de Tombuctu (a rota dos escravos e do sal) afim de visitar Sulaiman, o Sultão Negro. Desta viagem, em Niani, que era a capital do Império Medieval do Mali, ficar-lhe-ia retido o nojo com que assistira a um banquete onde estavam presentes os canibais de Wangara, que ele descreve: "O sultão recebeu-os sem honras e deu-lhes como presente de hospitalidade uma criada, uma negra. Eles mataram-na e comeram-na e, depois de terem sujado as mãos e os rostos com o sangue dela, vieram agradecer ao sultão." (3)



Todo o seu memorial de viagens passam para o papel quando Ibne Batuta, a conselho do seu Sultão, relata a sua odisseia ao andaluz Ibn Juzayy, que escreveu o "Rhila" (traduzido como "Minhas Viagens"), e que se trata da autobiografia do viajante.

Regressa definitivamente a Marrocos estabelecendo-se em Fez onde, finalmente, parou o seu peregrinar. Peregrinar este que o levara a ser estudante de teologia em diversas madrassas do mundo islâmico; conhecera e filosofara com diversos santos da corrente sufista; casara-se múltiplas vezes, entre as quais com uma princesa maldiviana e estivera, aí, no epicentro dum golpe  de estado; fora juiz em Deli e dos samorins de Calecute, onde chegou a ter cabeça em risco de ser pisoteada por elefantes por ter caído no desagrado dos mesmos; nomeado embaixador da Índia em Sumatra e China; naufragara na costa do Malabar onde perdeu grande parte da sua fortuna; combatera no Oriente onde também fora mercador; convivera com canibais; estudara e percorrera as rotas do ópio e da seda, dos escravos e do sal; enfim... tudo  que se possa imaginar, este ínclito viajante tudo vivera. E viveu para contá-la.


Quando fechou os olhos para iniciar a sua "Grande Grande Viagem", tinha palmilhado, neste planeta, dezenas e dezenas de milhares de quilómetros. Para a época em que viveu e com os parcos meios do conhecimento de então, poucos, mas muito poucos mesmo, é que se podem gabar de tal ousadia.


Foi, no pleno, um excepcional  e lendário Viajante e Aventureiro. 


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(1) - homepage.mac.com/sandeep/batuta/batuta.html
(2) - Os cinco pilares do Islão são: 1) Shahada: é o acto de se iniciar no credo islâmico, onde o crente especifica que "Não há outro Deus senão Alá  e Maomé é o seu Profeta"; 2) Salá: orar cinco vezes ao longo do dia (amanhecer, meio dia, a meio da tarde, pôr do sol e à noite); 3) Zakat: doar uma percentagem dos seus rendimentos, calculados em 2,5% do rendimento anual do crente, estando os pobre isentos; 4) Saum: cumprir os deveres no Ramadão: abster-se de comer, beber, fumar, ter relaçães sexuais e pensamentos negativos entre o nascer e o pôr-do-Sol, estando as grávidas, doentes e idosos dispensados destas práticas que, no entanto, poderão cumprir noutra altura quando melhorarem a sua condição física e espiritual; 5) Haji: peregrinar a Meca pelo menos uma vez na vida, aos  que tiverem dinheiro e saúde para tal. O haji deve ser cumprido entre o 8º e o 10º dia do mês de Dhu al-Haji, mês este que é o último do ano do calendário islâmico. Se a peregrinação ocorrer noutra altura do ano, apesar de aplaudida, não substitui a Haji.
(3) - "O livro dos viajantes" / Eric Newby / Publicações Europa-América/ Pág.33,34.




Historiando Moçambique Colonial





Cidade da Beira - Feitoria criado por Paiva de Andrada*, a partir do povoado de Bangué, rebaptizada com o topónimo de "Beira" para honrar Dom Luís, Príncipe das Beiras e filho do Rei Dom Carlos I, de Portugal. Em 1882 Paiva de Andrada chamara a atenção, à Sociedade de Geografia de Lisboa, para o facto de se tornar necessário, para a consolidação da soberania portuguesa, de se ocupar, em regime de efectividade, as vastas regiões de Manica, Sofala e Sena e criar o Comando Militar de Manica.

Em 1884 Paiva de Andrada, durante a sua ida às terras do Reino de Gaza** estudou o estuário do rio Pungoé e alertou, em relatório, para a necessidade de se criar um porto para navios de grande tonelagem bem como criar um posto fixo na margem esquerda do rio Arângua. Devido a isso, em 14 de Junho de 1884, por decreto real foi criado o Comando Militar de Arângua, tendo sido nomeado como primeiro Governador o Capitão Francisco Isidoro Gorjão de Moura.


Durante os meses de Abril e Maio de 1885 Paiva de Andrada e o Governador Gorjão de Moura efectuaram o reconhecimento entre Vila Gouveia e a foz do rio Pungoé, reconhecimento que, no entanto, foi inconclusivo por falta de maios adequados. No relatório então elaborado sobre essa reconhecimento, Gorjão de Moura alerta ser: "... de máxima conveniência o estudo da barra do Pungoé e o reconhecimento rigoroso deste rio na sua parte navegável ..." e, ainda nesse mesmo relatório: "as informações que tenho sobre a embocadura do Pungoé ou Arângua são as melhores e todos à uma afirmam a sua navegabilidade por barcos de certo calado, numa grande extensão, sendo o porto que ele forma acessível e seguro."


Sendo Augusto de Castilho** Governador-Geral de Moçambique, ao tomar conhecimento do relatório desta viagem, ordenou novo estudo à navegabilidade do rio. Deste modo a canhoeira "Quanza" parte da vila de Sofala*, em 06 de Agosto de 1885, comandada pelo Segundo-Tenente Cáceres Fronteira, que desembarca em Ponta Chiveve e, não só topografa toda a região, como sonda e explora a foz do Pungoé. Cáceres Fronteira elabora então o "Relatório da Comissão ao Rio Pungoé", que acaba por convencer as autoridades a ordenarem a ocupação, em definitivo, do território, criando a Portaria nº  287 de 01 de Julho de 1887, que ordena que o Posto Militar da Arângua ficasse instalado "... na Ponta Chiveve, na margem esquerda do Norte do Rio Pungoé".


Em nota de rodapé refira-se que João de Azevedo Coutinho**, em entrevista dada ao jornal "Notícias de Lourenço Marques", em 1939, relembrando esses duros tempos dizia: "E a Beira, essa nem sequer existia. Em 1886, comandava eu uma canhoeira auxiliar, demandei-a e não descobri. Era um pântano que as inundações do Pungoé com frequência cobriam."


Finalmente, em 20 de Agosto de 1887, no povoado de Bangué é montado o Posto Militar de Arângua, numa rudimentar paliçada de paus e matope, num rectângulo de sessenta por cinquenta metros, considerando-se esta a data oficial da fundação da que virá a ser a futura cidade da Beira. Para esse efeito foi lavrado um documento oficial que é o "Termo de Instalação do Posto Militar de Arângua" que temo seguinte teor: "Aos vinte dias do mês de Agosto do ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta e sete, no sítio de Chiveve, margem esquerda do rio Pungoé, estando aqui presentes o Senhor Governador do Distrito de Sofala, Tenente-Coronel do Exército de Portugal Jorge Pinto de Morais Sarmento, o Comandante Militar de Arângua Tenente do mesmo Exército Luís Inácio, Fortunato Frederico Ferreira, Alferes Comandante do Destacamento do referido Comando, João Eduardo Coelho Barata proprietário e arrendatário do Prazo* Cheringoma, o Doutor José Auspício Simões e os habitantes do referido Prazo, Domingos Luís Lobo, Capitão Zingombe, Inácio Pereira, Inácio de Araújo, Nicolau Gonçalves, Fernando, Bucuctura, Luís Gabriel, Pedro, João Chaves, Spírio, Paulo Nhamecua Grande, Nhamecua Pequeno, Joaquim, Damião, José Chicui e muitos outros grandes do Prazo, bem como Enfermeiro de Segunda Classe António Filipe Rodolfo Fernandes e o Segundo Sargento Manuel Joaquim do Amaral; sendo todos mandados reunir para, por parte do Governo de Sua Majestade, se lhes fazer ver que a sede do Comando Militar já referida era o ponto em que se achavam e que este era também o dia da inauguração do mesmo. Sua Excelência o Governador do Distrito, num breve e claro discurso, fez ver aos circunstantes os desejos de que o Governo se acha possuído de fazer prosperar este importantíssimo ponto que há bastante tempo andava esquecido, não deixando também de exortar os mesmos habitantes para que auxiliem as autoridades nesta famosa empresa de regeneração e segurança o que, por todos compreendido, declararam ser este um dos dias de maior regozijo visto que já tinham junto de si a autoridade de que tanto careciam e de que há muito apelavam para lhes fazer respeitar os seus direitos, que eles próprios não podiam dizer que conheciam, em consequência das continuadas lutas e extorsões que sofriam dos cafres que apareciam no prazo e que se diziam landins. Nesta ocasião se deram alguns tiros de canhão festejando a Bandeira Nacional que à distância de vinte metros se hasteava no mastro mandado levantar pelo mesmo arrendatário Barata. Dando em seguida por concluído este acto de que para constar se lavrou o presente termo, do qual se vai enviar cópia a Sua Excelência o Conselheiro Governador-Geral da Província, indo o mesmo assinado por todas as autoridades presentes e indivíduos que sabem escrever. Chiveve, 20 de Agosto de mil oitocentos e oitenta e sete. Assinam: Jorge Correia Pinto de Morais Sarmento, Tenente-Coronel; Luís Inácio, Tenente Comandante Militar; Fortunato Frederico Ferreira, Alferes; João Eduardo Coelho Barata; José Auspício Simões; Domingos Luís Lobo; António Filipe Rodolfo Fernandes; Manuel Joaquim do Amaral."


Foi construída, nesta altura, a residência do Comando Militar, que era uma casa de madeiras grossas, com paredes tapadas a caniço e o tecto em palha. Media quinze metros de comprido por seis metros de largo e quatro metros de altura, estando subdividida em seis casas iguais. Passados uns meses estava construído o quartel do Destacamento, que era um barracão de vinte e sete metros de comprido por sete de largura e quatro de altura, com várias divisões interiores. Em volta do quartel foi aberta uma vala defensiva, profunda e larga, que era transposta por umas tábuas que se retiravam quando caía a noite.


Em 1888 foi elevada a vila e quatro anos depois, em 1892, é elevada a capital do Distrito de Sofala e sede do Território de Manica e Sofala. O comércio era incipiente, nestes primeiros tempos, resumindo-se à exportação da borracha, marfim*, cera e pouco mais. Em Agosto de 1890, devido ao aumento do movimento comercial, foi estabelecida uma delegação alfandegária e, no ano seguinte, criou-se uma Repartição dos Correios e outra da Fazenda.


Em 1892 passa a ter a sede do Distrito de Sofala, que estava na ilha de Chiloane e é criada a Comarca Judicial. No decurso do ano de 1907, a 29 de Junho, seria elevada à categoria de cidade, através dum Decreto  Real que rezava o seguinte teor: "Tendo em consideração o notável desenvolvimento que tem adquirido a Povoação da Beira, capital do Território de Manica e Sofala sob a administração da Companhia de Moçambique e sede do seu governo; atendendo à excepcional importância da sua posição e manifesto valor do movimento do seu porto e do tráfico do caminho-de-ferro, que a põe em contacto com a Rodésia e que sensivelmente aumenta de ano para ano, fazendo dela um grande centro de navegação e de comércio de largo e prometedor futuro; querendo dar um público testemunho de apreço pelos esforços de actividade que representa a completa transformação da Povoação da Beira, em vinte anos realizada e, ao mesmo tempo comemorar a visita que lhe vai fazer Sua Alteza Real o Príncipe Real Dom Luís Filipe, Meu Muito Prezado e Amado Filho; hei por bem decretar que a Povoação da Beira, capital do Território de Manica e Sofala sob a administração da Companhia de Moçambique, seja elevada à categoria de Cidade da Beira. O Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar assim o tenha entendido e faça executar. Paço Real, em 29 de Junho de 1907."  Em 1908 inaugura-se a iluminação eléctrica na cidade e, três anos mais tarde, arranca o serviço telefónico urbano.






Uma rua da Beira, em 1905



A título de curiosidade refira-se que, aquando da comemoração do 50º aniversário da elevação da Beira a cidade, em 1957, esteve presente a içar a bandeira municipal João Agostinho, nesta data o único nativo sobrevivente da expedição de 1887 que, acompanhando o Tenente Luís Inácio, fundara o Posto de Arângua.


A cidade da Beira veio a tomar um notável incremento, nomeadamente a partir do deflagrar da guerra nacionalista desencadeada pela FRELIMO**. O porto da Beira e a linha dos caminhos de ferro estavam direccionados para servirem de escoamento aos produtos da Rodésia (actual Zimbabué). Também na cidade da Beira, a ligá-la à Rodésia, estava instalado o maior oleoduto construído em África, a Sul do deserto do Sahara. 



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Porto da Beira - Em 1895 iniciou-se, na margem esquerda do rio Chiveve, a construção de um cais de desembarque (mercadorias e passageiros) que, no entanto, não ficou concluído por ter desabado, face à deficiente construção e utilização de materiais. 


Na margem direita do Chiveve a empresa "Port of Beira Development Company" construiu, também, um cais de madeira. Até 1925 as autoridades portuguesas não conseguiram construir um cais, sempre pela crónica falta de dinheiro e de materiais, pois o que construíam era sempre precário e sem obedecer a um plano devidamente estruturado.



Neste ano (1925) estabelece-se um acordo entre a Companhia de Moçambique** e a "The Port of Beira Development Corp. Ltd.", que cria a Companhia do Porto da Beira, com o objectivo de construir um porto com fins comerciais.  Após 1929, depois de resolvida a questão do porto da Beira, é inaugurado o cais para atracação de navios, com 160 metros de comprimento ao qual, posteriormente, se equipa com guindastes a vapor.


Passando a haver três cais, iniciam-se obras para os interligarem e, em 1937, amplia-se o cais em 360 metros. Em 1941, com o fim dos poderes da Companhia de Moçambique**, a qual era soberana na administração do mesmo, o porto passa para a administração directa do Estado Português, e a soberania plena no dia 01 de Janeiro de 1949.


Sempre em crescimento contínuo, a partir de 1950 instalam-se, anexados ao porto, os caminhos-de-ferro e constrói-se um cais de minério, com 140 metros de comprimento. Em 27 de Abril de 1965 inaugura-se o oleoduto que liga a Beira a Untáli, na Rodésia, sendo o maior a Sul do Sahara.


O porto da Beira é composto pelo cais do Chiveve, para navegação costeira (com 450 metros de comprimento); cais do Pungoé, para navegação de longo curso (com 1.680 metros de comprimento); doca seca (com 115 metros de extensão) e uma área de 310.000 metros quadrados de parques de carga geral, 24 armazéns de mercadoria em trânsito, vários depósitos de sebo, combustíveis e melaços e cais de minérios.  


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Questão do porto da Beira - No decurso do ano de 1925 a Companhia de Moçambique** e a "The Port of Beira Development Corporation Ltd." firmaram um contrato que deu origem ao nascimento da "Companhia do Porto da Beira", com a finalidade de construir, naquela localidade, um porto comercial.
Por sua vez esta nóvel Companhia, em 1926, associa-se à "Beira Works", firma britãnica sedeada em Londres e dirigida pelos mesmos administradores da "The Port of Beira Development Corporation Ltd." e que apenas se regia pela legislação britânica. Em Julho de 1926 a "Beira Works" transfere para a "The Port of Beira Development Corporation Ltd." todos os seus direitos, deveres e garantias, o que englobava a construção do cais, lançamentos de impostos sobre a actividade desse mesmo cais, criação de tarifas, dragagens e livre disposição dos seus produtos, entre outros fins.
Ou seja, era o completo domínio do porto por uma Companhia estrangeira, independente do Governo Português. Mas acaba por ser o Governador dos Territórios da Companhia de Moçambique, o Comandante Henrique Corrêa da Silva (Paço d´Arcos) quem alerta para tal facto o Governo Português. A questão ficou resolvida após negociações nas quais o Governo Português obrigou a Companhia de Moçambique a resgatar o porto dez anos após a sua construção ficando, até lá, a exploração do mesmo entregue à "Beira Works" e tendo a "Companhia do Porto da Beira" como intermediária.
No dia 01 de Janeiro de 1949 é que, em definitivo, o porto da Beira ficou na plena posse soberana do Estado Português, tendo a entrega do porto sido efectuada na sala das sessões da Junta Consultiva da Província, através da leitura da acta que se transcreve: " Às zero horas do dia um de Janeiro de mil novecentos e quarenta e nove, conforme a notificação oportunamente feita pelo Governo Português à Companhia do Porto da Beira, o representante desta Companhia, António Gomes Frois, entrega e o Director dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes da Colónia - em representação do Governador-Geral - recebe o porto da Beira e os poderes de Admnistração e Exploração que pela concessão às Companhias eram dados, bem como todos os trabalhos executados, incluídos os trabalhos complementares autorizados e apetrechamentos executados e autorizados adquiridos pela "Beira Works Limited" e também os trabalhos adquiridos directamente pela "Companhia do Porto da Beira" constantes da relação anexa, que vai assinada pelos representantes do Governo e da Companhia. Salvaguarda-se o seguinte: as operações relativas aos navios que tiverem iniciado antes das zero horas de um de Janeiro de mil novecentos e quarenta e nove continuarão até final a serem executadas pela "Companhia do Caminho de Ferro da Beira", cabendo a este e à "Beira Works" as receitas respectivas, mas pagando estes à Administração dos Portos e Caminhos de Ferro da Colónia e à Capitania do Porto as despesas com o pessoal e serviços que por eles foram prestados a esses navios a partir daquela data. Declara-se que o estatuído neste auto em nada afectará os direitos e obrigações do Governo Português, da "Beira Works Limited" e da "Companhia do Porto da Beira".
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* - Já fichado.

** - A abrir ficha



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Leituras


Sobre a "questão do porto da Beira" (acima fichado) foi Henrique Corrêa da Silva, Governador dos Territórios de Manica e Sofala, então geridos pela Companhia de Moçambique, quem alertou o Governo Português para a trama que se estava a desenrolar para retirar da total soberania deste a gestão do porto da Beira, e que acabaria por ficar nas mãos de interesses britânicos.


O escritor Joaquim Paço d´Arcos (1908/1979), filho de Henrique Corrêa da Silva estava, entre 1925 e 1927 (quando a questão do porto da Beira se desenrolou) em Moçambique, na companhia do seu pai e foi testemunha de tudo o que se passou.



Capa do livro "Herói derradeiro"
O fotografado é Carlos Sobral


Em 1931, com 23 anos de idade escreve, em França, o seu primeiro romance, precisamente "Herói derradeiro" (Bertrand Editora, reedição de 1997, 334 págs.) que é, para além duma homenagem ao lusitanismo do seu pai, um repositório memorial da sua vivência naquelas terras moçambicanas, em geito de romance e onde, misturando ficção com factos reais, relata não só partes deste assunto como também outras histórias de personagens nativas e europeias que deixaram a marca da sua pegada vivencial.


Não sendo um romance histórico é, no entanto, um romance cuja mescla de ficção com realidade e de personagens inventadas com personagens reais, descreve-nos todo um estilo de vida colonial do princípio do século XX.



O romance tem como personagem central Carlos Burnay da Cruz Sobral (1891- 26.11.1926) o "Herói derradeiro"; desportista que foi em Portugal, tendo praticado boxe, esgrima, natação e futebol (entre outros desportos) e que em 1920 foi para Moçambique para trabalhar na Companhia de Moçambique. Inveterado caçador de caça grossa neste território, acabou por morrer vítima de ferimentos causados na luta corpo a corpo que travou com o décimo terceiro leão que tentou abater. 


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Poesia


Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira - (Barcelona, 20/03/1922 - Lourenço Marques, 30/06/1959). Poeta. Filho do famoso jornalista Reinaldo Ferreira (o célebre Repórter X) chega a Moçambique em 1941, vindo de Lisboa, graças a uma "carta de chamada" e a um "termo de responsabilidade"(1) assinados por Luís Homem de Gouveia, comerciante estabelecido na capital laurentina. No ano seguinte completa o 7º ano liceal, após o que ingressa no funcionalismo público colonial, recebendo a protecção laboral do Director-Geral dos Serviços de Administração Civil da Colónia, Juvenal de Carvalho.





Com uma actividade literária prolífera desenvolveu a  mesma no jornalismo, no teatro e na rádio. Entre 1947 e 1949 publica, em diversos jornais, os seus primeiros poemas. Em 1950 torna-se o autor da letra da canção "Uma  casa portuguesa" que, interpretada inicialmente pela cantora Sara Chaves, cedo se torna num êxito internacional. Dirigindo a secção de teatro do Rádio Clube de Moçambique** começa a trabalhar nos seus "Poemas Infernais".


Em finais da década de 50 detecta-se a doença que o ceifaria e prepara a sua colectânea de poesia "Um voo cego a nada". Tendo-se deslocado à África do Sul, a tratamentos, volta em Maio de 1959 desiludido, falecendo no mês seguinte, vitimado por cancro pulmonar. A morte, que cedo lhe ceifou a vida que ele viveu até mais não, não lhe permitiu ver nenhum livro seu publicado.




No primeiro aniversário da sua morte publicou-se toda a sua obra, compilada em poemas, sob o patrocínio do Governo-Geral de Moçambique. Dois anos mais tarde "Poemas" recebe a sua primeira edição fora de Moçambique e, em 1965, em sua homenagem é criado, em Lourenço Marques, o Grupo de Teatro e Poesia Reinaldo Ferreira, que manteve uma actividade cultural até à data da independência do território.




Capa do livro "Poemas" (Vega e Herdeiros do Autor, 1998, 201 págs.)



O livro "Poemas" condensa toda a poesia de Reinaldo Ferreira, encontrando-se o mesmo dividido em quatro partes: Livro I: "Um voo cego a nada"; Livro II: "Poemas Infernais"; Livro III: "Poemas do Natal e da Paixão de Cristo" e Livro IV: "Dispersos", sendo ainda prefaciado por Guilherme de Melo* e com uma análise de José Régio.


Reinaldo Ferreira nunca foi um poeta moçambicano ou de Moçambique. Nunca se deixou capturar pela envolvência tropical que abundantemente o cercava, na capital da colónia. Reinaldo Ferreira, que nunca se deixou africanizar é, por isso mesmo, considerado o poeta mais português que viveu em Moçambique e, se tem ido viver para outra colónia portuguesa, teria sido o mesmo que ali fora: um furacão da cultura que não se deixou marcar mas que marcou.



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* - A fichar.
(1) - Carta de chamada e termo de responsabilidade - Eram documentos exigidos pelas autoridades de Lisboa, para permitirem que os portugueses da metrópole se instalassem nas colónias. Estes documentos teriam que ser passados por agregados familiares que estivessem devidamente estabelecidos na colónia para onde o metropolitano pretendia emigrar, serem de índole idónea e de bons costumes e garantindo emprego e alojamento ao indivíduo sobre quem se responsabilizavam. Esta imposição tinha por efeito dificultar a emigração de metropolitanos para as colónias pois estas, apesar de serem consideradas territórios portugueses, não interessava ao poder de Lisboa que se desenvolvessem demasiado, a fim de não se criarem "novos Brasis", num claro receio que o seu natural desenvolvimento, com a chegada de novos colonos, fizessem nascer sentimentos nacionalistas que levassem à separação da Mãe-Pátria.

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Seguem-se três dos poemas que mais admiro na obra deste artesão da palavra:


A que morreu às portas de Madrid

A que morreu às portas de Madrid,
Com uma praga na boca
E a espingarda na mão,
Teve a sorte que quiz,
Teve o fim que escolheu.

Nunca, passiva e aterrada, ela rezou.
E antes de flor foi, como tantas outras, pomo.
Ninguém a virgindade lhe roubou
Depois dum saque - antes a deu
A quem lha desejou,
Na lama dum reduto,
Sem náusea mas sem cio,
Sob a manta comum,
A pretexto do frio.

Não quiz na rectaguarda aligeirar,
Entre champanhe, aos generais senis,
As horas de lazer.
Não quiz, activa e boa, tricotar
Agasalhos pueris,
No sossego dum lar.
Nunca sonhou minorar,
Num heroísmo branco,
De bicho de hospital,
A aflição dos aflitos.

Uma noite, às portas de Madrid,
Com uma praga na boca
E a espingarda na mão,
À hora tal, atacou e morreu.

Teve a sorte que quiz
teve o fim que escolheu.


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Um cavalo de várias cores


Quero um cavalo de várias cores,
Quero-o depressa, que vou partir.
Esperam-me prados com tantas flores,
Que só cavalos de várias cores
Podem servir.

Quero uma sela feita de restos
Dalguma nuvem que ande no céu.
Quero-a evasiva - nimbos e cerros -
Sobre os valados, sobre os aterros,
Que o mundo é meu.

Quero que as rédeas façam prodígios:
Voa, cavalo, galopa mais,
Trepa às camadas do céu sem fundo,
Rumo àquele ponto, exterior ao mundo,
Para onde tendem as catedrais.

Deixem que eu parta, agora, já,
Antes que murchem todas as flores.
Tenho a loucura, sei o caminho,
Mas como partir sózinho
Sem um cavalo de várias cores?



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Sobre este belíssimo poema "Um cavalo de várias cores" logrei localizar (no Youtube) uma declamação do mesmo, dita por Luís Gaspar, que também produziu o referido vídeo.






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Menina dos olhos tristes


Menina dos olhos tristes
O que tanto a faz chorar?
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

Senhora de olhos cansados,
Porque a fatiga o tear?
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

Vamos, senhor pensativo,
Olhe o cachimbo a apagar.
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

Anda bem triste um amigo,
Uma carta o faz chorar.
- O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.

A Lua, que é viajante,
É que nos pode informar.
- O soldadinho já volta,
Do outro lado do mar.

O soldadinho já volta,
Está quase mesmo a chegar.
Vem numa caixa de pinho.
Desta vez o soldadinho
Nunca mais se faz ao mar.

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Este último poema foi, mais tarde, excepcionalmente musicado por José Afonso e aproveitado como pano de fundo, para servir como uma das várias bandeira na luta política contra a persistência do Estado Novo em travar as guerras africanas.



(Nota: Retirado do Youtube)


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Aconteceu
Mia Couto, escritor moçambicano, galardoado com o Prémio Eduardo Lourenço atribuído pelo Centro de Estudos Ibéricos, recebeu o mesmo no dia 27 de Abril, na cidade da Guarda. (Visão nº 999)
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No Oceano Pacífico encontra-se à deriva um conglomerado de lixo, essencialmente constituído por plástico, que abarca de 1,7 a 3,4 milhões de quilómetros quadrados de superfície e que é  referido por "7º Continente". (Visão nº 999).
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"A soberania nacional nunca é uma licença para massacrar o seu próprio povo.", disse Barak Obama condenando o regime sírio (Visão nº 999). Por baixo desta frase uma outra notícia dava conta que a tribo Awá, da Amazónia brasileira está em vias de desaparecer, fruto da acção predatória das indústrias madeireiras mineiras e criação de gado que provocam a desflorestação (Visão nº 999).
Não sei porquê, salvo as devidas proporções, dei-me a interligar as duas notícias.
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Lançado em San Diego (Califórnia - EUA) um canal televisivo só para cães, o Dog TV, para interagir com estes animais. (Sábado nº417). Há malucos para tudo.  

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À memória de...


Não gosto, na generalidade, da classe política portuguesa. A maioria das vezes enojam-me. Apetece-me pegar numa metralhadora e fuzilá-los quando os vejo na televisão, em mesas redondas, a "cagarem postas de pescada", armados em doutores da treta e a debitarem receitas como salvar este desgraçado País. Quando foram eles que transformaram Portugal num moderno Titanic.


Eles são a prova que o crime compensa. E nós... nós somos cúmplices porque votamos neles. Não aprendemos as lições.


Mas há excepções. Felizmente. Poucas, mas há.


Lamentavelmente, uma das poucas excepções à mediocridade que grassa no nosso espectro político, morreu. Chamava-se Miguel Portas. Era um Homem de causas. Frontal. Apesar de não concordar com algumas tomadas de posição dele reconhecia-lhe cátedra para falar. E dei-me sempre a escutá-lo. E a meditar.


Morreu Miguel Portas. Todos nós, os honrados, morremos um bocadinho.

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As referências a marcas de produtos acima referidos são incompatíveis com intuitos publicitários. 

Seja amigo do ambiente. Utilize os textos do Novo Acordo Ortográfico como papel higiénico.


Todas as fotografias do presente texto foram colhidas do Google Imagens.

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