"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

domingo, 13 de maio de 2012

Samuel Baker e Florence Baker

VIAJANTES, AVENTUREIROS E EXPLORADORES

Samuel White Baker - (Londres, 08/06/1821 - Londres, 30/12/1893). Engenheiro, escritor, explorador. Filho de famílias abastadas estava destinado a seguir a profissão do pai, um banqueiro e comerciante do açúcar, mas a sua incapacidade para gerir negócios levou-o a abandonar esta carreira e dedicar-se a outros campos mais a seu contento, no que também foi ajudado pela boa situação económica familiar. Efectua os seus estudos quer em Inglaterra quer na Alemanha, onde se forma em Engenharia Civil (1841). Dois anos mais tarde casa-se e, juntamente com a esposa, desloca-se para as Maurícias, no Oceano Índico, a fim de supervisionar plantações da família.




Samuel Baker


Percorre as Maurícias (1843/1845) e, de seguida, vai para Ceilão (actual Sri Lanka) onde instala uma comunidade agrícola britânica, ficando aí oito anos. O território era propício a uma das grandes paixões da sua vida - a caça - que o leva a escrever dois livros sobre esta actividade cinegética "A arma e o cão de caça em Ceilão" e "Oito anos vagueando no Ceilão". Deste seu casamento nascem sete filhos e a esposa, Henrietta Martin, morre em Ceilão, vitimada por febre tifóide.


Regressa à Europa e, depois de percorrer a Turquia,  ruma para a região balcânica, na zona fronteiriça entre as actuais repúblicas da Roménia e Bulgária e, de seguida, percorre a Ásia Menor em viagem de recreio. Numa dessas viagens de lazer (1858/59), em que acompanhava o Marajá Dullep Singh (que fora dono do lendário diamante Kho-I-Noor) para uma caçada ao longo da zona balcânica, são forçados a parar em Viddin, cidade portuária do Danúbio, na actual Bulgária mas, na altura, dominada pelos turcos, para reparação do barco em que viajavam. Nesta localidade, ao visitá-la, passa por um mercado de escravos, negócio natural, lucrativo e legal e vê, num lote de  humanos vendáveis, uma jovem adolescente, caucasiana e muito loira.



Acaba por a adquirir pelo custo de sete libras. Na altura não se apercebeu que estava a comprar a felicidade. Reza a lenda que a referida jovem estava destinada ao Paxá otomano de Vidin, mas Samuel Baker subornou os guardas e foge com a mesma para Bucareste. Mas isto é apenas lenda romantizada. Ao libertá-la da escravatura dum harém, Samuel Baker prendeu-se, perdendo a sua liberdade. De qualquer modo esta mulher - Florence Finnian von Sass, que se tornará depois Florence Baker, será a companheira excepcional que com ele irá em todas as suas viagens, recusando-se a, como era costume na época, ficar a bom recato em casa, enquanto os maridos partiam para as Índias ou Áfricas.



Juntos viverão a aventura no pleno. Florence von Sass terá sido o melhor "investimento" que Samuel Baker fez na sua vida. E ele retribuirá em amor e respeito. Contrariamente ao espírito  machista da época, Samuel Baker sempre elogiará publicamente a sua mulher, quer por palavras quer por escritos, contrariando a opinião de ilustres membros da sociedade de então, que viam a mulher como um ser inferior.  Com ela partilhará a fome e a opulência, a doença e a alegria, o naufrágio fluvial e a sedenta caminhada ardente no deserto, o prazer da caça grossa  e a ânsia de quase terem sido caçados por negreiros. Só não partilhou com  ela a morte, porque partiu primeiro. Mas também isso não haveria de querer, porque lhe queria muito.


Foi, veridicamente, o casal aventureiro mais romântico que peregrinou pela África dezanoviana. 



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Florence von Sass - (1841? - 1916) - Exploradora. Pouco se sabe sobre a infância e adolescência desta notável mulher húngara ou romena, não se sabe ao certo. Tal como a sua data de nascimento. Em meados do século XIX, quer a zona balcânica quer grande parte da restante Europa, estavam em guerras permanentes. Apenas se apurou que, em pequena, a sua família fora massacrada e Florence von Sass fora salva por ter sido escondida por mão amiga. Desconhece-se como acabou escravizada e colocada à venda pelos turcos. Foi uma história que nunca contou, refugiando-se na amnésia. Talvez a Samuel Baker, mais tarde, ela lhe tivesse relatado tudo mas este também se calou, cavalheirescamente. Tinha tido educação pois falava as línguas alemãs e magiar, era organizada e possuía conhecimentos nas áreas domésticas e de saúde.



Florence Baker




Virá a viver com Samuel Baker a aventura pura e dura dos descobrimentos europeus em terras interiores africanas. Com ele, de quem foi uma fiel companheira, aprenderá muito mas retribuir-lhe-á em igual medida. Para além de amante, companheira, mulher, amiga, conselheira, enfermeira, guarda costas, com ele beberá os cálices de derrotas que ambos sofreram, as doenças mal curadas, das caçadas umas conseguidas outras falhadas, naufragarão em rios, escaparão a setas envenenadas, passarão fome e sede em terras do fim do mundo, serão salvos por caravaneiros esclavagistas, logo ela que escrava fora.


Mas também viverão, noutras alturas, o fausto, o luxo, as cómodas viagens turística e cinegéticas pelo mundo, as recepções em salões da nata das sociedades europeias. Mas, a verdade é que, no melhor e no pior, Florence von Sass jamais virou as costas ao perigo, à morte e ao marido. Nunca o traiu, nunca o abandonou, nunca o atraiçoou. E quando Samuel Baker faleceu, Florence Baker, assumindo luto rigoroso até chegar a sua hora, retirou-se para o mundo e viveu apenas para a sua família, para as suas memórias e para a escrita.



Meio século após a sua morte, descendentes Baker encontraram, no fundo falso duma mala, um diário e diversas cartas escritas por si. Depois de ter sido reestruturada toda a correspondência e textos do diário encontrados, foi editado um livro com o título "Morning Star", que era uma das expressões carinhosas com que Samuel Baker se referia à sua mulher. "Morning Star" é o relato, pela mão de Florence Baker, da sua segunda estadia sudanesa, acompanhando o seu marido quando ele foi nomeado Govvernador daquela região, entre 1870 e 1873.


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O casal Baker - Chegados a Bucareste, e depois de se terem separado do Marajá Dullep Singh, Samuel Baker decide não regressar à Grã-Bretanha. A presença de Florence von Sass começava a entrar na sua intimidade. Depois dum casamento insípido que durara quase década e meia, enviuvara há quatro anos e os filhos nados e sobrevivos do seu casamento estavam entregues ao cuidado duma sua irmã, na Escócia. A sua fortuna pessoal permitia-lhe viver em pleno desafogo e viajar pelo mundo.



Mas, apesar disso, para justificar o seu não regresso a casa, decide aceitar trabalhar como engenheiro supervisor na construção de pontes e ferrovias que se estavam a realizar para ligar o Danúbio ao Mar Negro (1859). Samuel Baker sabia que o código de conduta da mentalidade vitoriana que imperava no seu País não lhe toleraria a vivência não matrimonial que mantinha com uma ex-escrava. Mesmo sendo branca e loira.



Era a época em que os exploradores Richard Burton(*) e John Henning Speck(*) tinham regressado do coração de África e anunciado a descoberta do lago Vitória e em que se debatia se era ou não ali a nascente do rio Nilo. A febre exploratória tornou-se pandémica e muitos foram os britânicos que resolveram partir à aventura, por todo o extenso Império Britânico, galvanizados pelos exemplos destes dois exploradores e doutos contemporâneos, tais como David Livingstone(*).



Findado que foi o seu trabalho ferroviário, Samuel Baker decide, mais uma vez, adiar a sua ida para a pátria britânica. Era um viajante compulsivo, caçador inveterado, amante de emoções fortes e com uma excelente conta bancária. Podia dar-se ao luxo de juntar o luxo à luxúria da aventura. E, qual cereja no topo do bolo, tinha como companheira Florence von Sass, que de dia para dia entrava mais nas noites dos seus desejos. Escreve para a sua irmã, tutora dos seus filhos e diz-lhe: "Querida irmã: no fundo do meu ser palpita um espírito aventureiro que se impõe a tudo o resto. Virá o dia em que apreciarei as cidades mas, de momento, aborrecem-me. A minha agulha magnética leva-me para África Central."



Em Março de 1861 começa a aventura africana do casal, ao decidirem lançarem-se na procura geográfica mais famosa da época: a descoberta das nascentes do rio Nilo, que daria ao seu autor a entrada directa no panteão dos heróis. A imortalidade no meios dos mortais. Não o conseguem mas virão a descobrir o lago Alberto (14 de Março de 1864). Não prescindem do conforto pelo que, na caravana que organizam, transportam roupa de caça elegante, camas de campanha de metal e uma banheira de estanho, por exemplo. Para a caça um notável conjunto de espingardas de precisão e munições em abundância. Tudo do melhor, para viajarem em estilo. 



Partem do Cairo, navegando pelo Nilo até Assuão, altura em que deixam a navegação fluvial e caraveneiam em camelos, atravessando o deserto núbio, uma travessia duríssima de cerca de meia centena de quilómetros, sem um oásis ou um poço de água no percurso. Foi o baptismo aventureiro do casal. Por fim atingem o lugarejo de Sofi, no Sudão, ao terem seguido o curso do rio Atbara e, aí, resolvem montar acampamento-base, depois de terem remetido parte do seu equipamento para Cartum.


Constroem um pequeno casebre, onde irão viver os próximos os seis meses. E, no meio do nada, em terras áridas, ermas e árduas, longínquas de qualquer civilização, o estilo de vida europeu vem ao de cima. No casebre instalam as camas de ferro, a banheira, o toucador onde Florence von Sass exposiciona os seus perfumes e escovas de cabelo. E um armário onde Samuel Baker guarda ciosamente as suas diversas espingardas e pistolas. Durante seis meses vivem românticamente, entre caçadas e explorações geográficas da região. A região era fértil em caça: "Hoje vamos jantar hipopótamo..." dizia ele numa carta às filhas.



Em Junho de 1862 o casal chega a Cartum, no prosseguimento das suas viagens. Nesta cidade Samuel Baker recebe um pedido da Real Sociedade de Geografia de Londres, que lhe requere que se desloque a Gondokoro (1), em busca dos exploradores John Henning Specke e James August Grant(*) que tinham partido de Zanzibar para o lago Vitória e deveriam de subir o Nilo até Cartum, mas dos quais não havia notícias.


Samuel Baker organiza uma expedição numerosa, no que leva seis meses a concretizar tal operação. Cartum era uma cidade fétida e tépida, sem infra-estruturas de nenhuma espécie. Morria-se estupidamente por tudo e por tudo e nada se podia fazer; a lei não existia, salvo a dos mais fortes e os mais fortes eram os negreiros. Era uma cidade triste, infeliz e esclavagista. Florence von Sass odiou sempre aquela cidade, e todas as outras que atravessou, onde imperasse o tráfico esclavagista. Como ela disse, na altura: "Odeio profundamente a simples presença dos esclavagistas; sempre que vejo alguns deles lembro-me dos tempos passados."


Em Dezembro de 1862 o casal Baker, à frente duma expedição numerosa e devidamente apetrechada, partem para uma violenta viagem de 1.500 quilómetros até chegarem a Gondokoro. Se Sofi fora o Paraíso e Cartum o Purgatório, Gondokoro iria ser o Inferno. Navegando pelo Nilo, a viagem atrasa-se devido à intensa vegetação que cobre as águas e enredemoinha-se nos remos. Os pântanos e os mosquitos malarientos conjungam-se. "Aqui tudo é selvagem e brutal, duro e insensível.", dirá mais tarde. Demoram cerca de mês e meio a atingirem Gondokoro, onde chegam a 02 de Fevereiro de 1863 e onde não ainda havia novidades dos dois exploradores Specke e Grant. Deixam-se ficar nesta localidade, que vivia apenas do tráfico do marfim e da escravatura, a recuperarem. Em meados desse mês, no entanto, os exploradores aparecem, estoirados, esfomeados, esfarrapados. Tinham reconfirmado que a nascente do Nilo era o lago Vitória. A chegada dos exploradores é descrita por Samuel Baker assim: "Os meus homens correram loucamente para o meu barco, com o relato que estavam com eles dois homens brancos que tinham vindo do mar. Poderiam ser Specke e Grant? Lá fui eu a correr e conheci-os em pessoa.................... Todos os meus homens estavam completamente loucos de excitação. Ao dispararem tiros de saudação, como sempre com cartuchos de bala, mataram um dos meus burros. Um triste sacrifício como oferenda para a realização desta descoberta geográfica. Specke parecia o mais esgotado dos dois: estava excessivamente magro, mas na realidade estava em boa forma; tinha percorrido a pé todo o caminho desde Zanzibar e não montara a cavalo uma única vez durante a penosa marcha. Grant estava vestido com honrados farrapos, os joelhos nus projectados dos restos de calças que eram uma demonstração dum mau trabalho de alfaiate. Estava com um aspecto cansado e febril, mas ambos os homens tinham uma chama nos olhos que mostrava bem o espírito que os guiara até ali."



Samuel Baker sabe que, no regresso à Grã-Bretanha, aqueles exploradores irão comentar o seu concubinato com Florence von Sass, vivência essa que até ali tinha mantido em segredo. De qualquer modo, ante a desilusão de não terem descoberto as nascentes do Nilo, o casal Baker decide continuar a sua aventura por terras africanas. Tinham recebido informações de Specke e de Grant que haveria um outro lago, cuja localização ainda era desconhecida e provavelmente abastecedor do caudal nilótico.





O casal Baker




Partem de Gondokoro numa noite (Março de 1863), em cáfila e, durante dois anos, passaram o inferno para encontrarem o dito lago. De tudo amargaram, desde terem que pagar preços escandalosamente altos a mercadores para adquirirem géneros, a chefes locais para poderem passar pelas suas regiões, a negreiros para os protegerem de ataques hostis, apanharam paludismo e malária, a maior parte dos animais de carga morreram das picada da mosca do sono, mataram várias vezes a fome comendo ervas, por terem perdido carregadores, devido a deserções ou mortes, tiveram que abandonar material, atravessaram lugarejos infernizados pelos esclavagistas, cruzaram-se com caravanas em que crianças e mulheres iam agrilhoadas aos tombos, pelo peso da fome e dos ferros. A isto Florence von Sass assistia impotente, o que ainda mais a revoltava. Gondokoro e Cartum eram o destino destas caravanas de zombies e o estalo dos chicotes misturava-se com o silêncio ensurdecedor dos escravizados. Eram as marchas dos condenados.
Em princípios de 1864 encontram-se no Reino de Unyoro (actual Uganda) do Rei Kamrasi. O casal estava doente, mal se podiam ter de pé e os medicamentos tinham acabado. A situação torna-se desesperante e Kamrasi começa por lhes extorquir tudo o que pode para lhes conceder autorização de passagem pelo seu reino até que, em determinada altura (Fevereiro de 1864) informa Samuel Baker que pode partir, mas a mulher ficaria com ele. A pele branca e o cabelo louro de Florence von Sass enlouquecia os negros. Não era a primeira vez que tal sucedia. Sempre fora objecto de olhares gulosos de traficantes de escravos, muito mais quando em diversas regiões o casal eram os primeiros brancos a aparecerem e a cor da pele e tipo de cabelo liso e colorido causava sensação aos nativos.


Novamente Samuel Baker relata nas suas memórias: "Pedi então a Kamrasi que nos deixasse partir, pois não podíamos perder uma hora. Da forma mais fria ele replicou: "Mandar-vos-ei para o lago e para Shooa, como prometi, mas tem de deixar a sua mulher comigo." Nesse momento fomos cercados por um grande número de nativos e as minha suspeitas de traição ao ter sido levado para o outro lado do rio Kafoor pareceram confirmadas por esta insolente exigência. Se ia ser o fim da expedição eu decidi que seria também o fim de Kamrasi e, sacando rapidamente do meu revolver, apontei-o a cinquenta centímetros do peito dele e, olhando-o com desprezo indisfarçado, disse-lhe que se tocasse no gatilho nem todos os homens dele poderiam salvá-lo e que se se atrevesse a repetir o insulto o mataria imediatamente. ................ A minha esposa, naturalmente indignada, tinha-se erguido do assento que ocupava e, enlouquecida com a excitação do momento, fez-lhe um pequeno discurso em árabe do qual ele não percebeu uma única palavra....."  Perante a reação do casal, que não estava à espera, e a ameaça da arma de fogo apontada a si, Kamrasi acaba por ceder.


A marcha penosa em direcção ao lago continua. Doentes, sem medicamentos, vagueando por terras nunca percorridas por europeus, bombardeados por mosquitos, atacados por formigas, passando por aldeias miseráveis e abomináveis, a busca do maldito lago era uma pura descida aos Infernos. Na travessia do rio Kafu, um afluente do Nilo, Florence von Sass desmaia e mergulha nas águas, afundando-se. Recuperada do fundo das águas não dá acordo de si, conforme relatará mais tarde o marido: "... estava totalmente insensível, como morta....... Era uma insolação." Durante mais de uma semana Florence von Sass trava uma luta, inconsciente no coma, pela vida. Consegue recuperar e prosseguem a caminhada. Finalmente, a 14 de Março de 1864, o casal Baker vê espraiar-se ante os seus olhos o lago que logo baptizam de Alberto, em homenagem ao consorte da Rainha Vitória. Exploram e estudam o lago, concluindo que o mesmo era atravessado pelo Nilo, a quem fornecia caudal, mas exagerou nos cálculos que efectuou dando importância excessiva à grandeza do mesmo.




Lago Alberto

Na viagem de regresso encontram umas cataratas que baptizam de "Cataratas Murchinson", em homenagem ao Presidente da Real Sociedade de Geografia de Londres. Os barcos em que viajam são apanhados pelos torvelinhos da água e viram-se, causando um naufrágio fluvial onde perdem parte do equipamento e alimentos e de água potável. O costume. Mesmo assim a sorte não foi tão madrasta quanto isso, pois não foram atacados nem por crocodilos nem por hipopótamos. Encontram-se novamente na região do Reino de Unyoro e aí ficam vários meses a descansarem e a recuperarem forças. Em Setembro de 1864 desesperados, por praticamente já nada terem de seu que os pudessem tirar dali, mentalizam-se que vão morrer naquela zona. Só que a sorte sorri-lhes com a chegada duma caravana de negreiros, vindas de Gondokoro, que vinham em sua busca. Regressam agora a Gondokoro, sob protecção dos negreiros, onde chegam em Fevereiro de 1865 e se apercebem que já tinha sido considerados mortos. Rumam para Cartum, que estava assolada por uma epidemia de peste onde finalmente encontram cidadãos britânicos. Vislumbrava-se, para o casal, a civilização. Para trás ficavam dois anos violentos de caminhadas por terras nunca antes pisadas por europeus, a descoberta de um lago africano importante, o curso de alguns rios, o conhecimento de tribos. O vazio geográfico africano ficava um pouco mais preenchido.


Em Outubro desse mesmo ano retornam à Grã-Bretanha, onde Samuel Baker acaba reconhecido como explorador pela Real Sociedade de Geografia de Londres, que o condecora com uma medalha de ouro e também pela sua congénere parisiense. A Florence Baker nada, pois assim mandavam os costumes da época. Aliás, o seu passado esclavagista ostracizavam-na na púdica sociedade vitoriana. O casal formaliza a sua união numa igreja londrina e, a partir daí, o estatuto de Florence agora formalmente Baker, começa a mudar. A moral vitoriana era rígida.


Samuel Baker aproveita a boa-maré londrina e retoma a escrita, publicando livros onde relata as suas viagens europeias e africanas, saindo a prelo, como não podia deixar de ser "O lago Alberto" (1866) e "Explorações das fontes do Nilo" (1866) e "Os afluentes do Nilo na Abissínia" (1867). Acaba feito cavaleiro do Império Britânico, com direito ao título de "Sir" que recebeu das mãos da Rainha Vitória. Por arrastamento Florence Baker torna-se "Lady" mas nem assim a rainha Vitória s digna a recebê-la. Mas a vida decorre pacífica na mansão do casal, em Norfolk, com uma intensa vida social, junto da alta roda social. Os Baker são extremamente populares e cultivam a arte do bem receber e conviver.




Aquando da inauguração do canal de Suez (2), no Egipto, o Príncipe de Gales requereu a companhia de Samuel Baker nessa sua deslocação, de quem se travara de boa amizade. No Cairo Samuel Baker trava conhecimentos com o Quediva (3) Ismail Pashá (4), governante supremo daquele território. O governante turco, que conhecia o passado africanista de Samuel Baker, convida-o a organizar e comandar uma expedição militar ao sul do Sudão, uma terra de ninguém, a fim de integrar o mesmo sob a esfera do domínio otomano.  



Samuel Baker aceita com condições muito vantajosas para a sua posição social e financeira. O mercenarismo do explorador, celebrado em contrato por quatro anos, torna-o detentor do posto de General do Exército otomano, dum salário que rondaria o global de 150.000 libras pelo total da comissão e sendo ainda nomeado Paxá (5) do território que viesse a conquistar. Regressa a Londres a preparar esta nova aventura e a buscar Florence Baker, que mais uma vez o acompanhará noutra descida aos infernos e a preparar a expedição que terá, entre outros objectivos, reprimir a escravatura e abrir novos caminhos interiores à livre circulação de mercadorias, para além do conhecimento científico dos aspectos geográficos dessas regiões inóspitas.



Em princípios de Fevereiro de 1870 o casal Baker, liderando uma expedição militar de cerca de dois mil homens e com dois navios  a vapor, parte de Cartum em direcção a Gondokoro, descendo o Nilo Branco. Mas, de novo, a viagem será um tormento. A navegabilidade do Nilo é dificultada quer pelas toneladas de plantas marinhas que derivam à tona quer pelos rápidos que encontram e que tornam a marcha lenta. As insolações provocadas pelo calor abrasivo e as doenças disseminadas principalmente pelas nuvens de milhentos de mosquitos encarregam-se de minar o moral das tropas. Montando acampamentos ao longo desta descida fluvial, onde estaciona por largos períodos, Samuel Baker vai dando caça aos esclavagistas, capturando-lhes os barcos. Demora um ano  a chegar a finalmente Gondokoro  mas é rápido no granjeamento de inimigos. Os milhares de empresários de carne humana não iriam tolerar que um estranho, ainda por estrangeiro branco e que nem sequer professava a sua religião, lhes fosse cortar com um secular negócio tão rentável. A empresa utópica de Samuel Baker, como "condottieri" do megalómano Quediva Ismail Pashá, estava condenada ao fracasso. 






Paxá Samuel Baker


Chegam a Gondokoro em 19/05/1870 e Samuel Baker, impante e fardado de Paxá, renomeia a cidade de Ismaília (em homenagem ao Quediva), hasteia a bandeira turca e anexa, no papel, toda aquela região (indefinida) para o Império otomano, dando à mesma o nome de Equatória. Pouco mais fez do que isto. Sitiado na cidade, pois os traficantes não o deixavam praticamente sair dos limites da mesma, bastas vezes atacado por tribos locais que usavam flechas envenenadas, com as suas tropas a desertar, por mal pagas e sem motivação e por aliciadas pelos traficantes, mesmo assim os Baker resolvem fazer uma surtida para sul (actual território ugandês)  a fim de anexarem território para Equatória. 


Em meados de Janeiro de 1872 vão até ao Reino de Unyoro (onde já tinham estado e o Rei Kamrasi quisera ficar com Florence Baker) sendo agora o seu filho, de nome Kabarega quem reinava. Pelo caminho vão-se cruzando com caravanas negreiras, uma chaga constante. Em Março seguinte atingem Masindi, capital de Unyoro e Samuel Baker ordena a construção duma casa governamental perto da casa do Rei Kabarega e anexa todo o Reino como parte integrante da Província de Equatória. Só que Kabarega não se dispõe a entregar o seu Reino e o seu trono aos interesses estrangeiros sem luta e, assim, em Junho deste mesmo ano trava-se a batalha de Masindi, onde as forças otomanas de Samuel Baker acabam derrotadas, sendo todos obrigados a fazerem uma retirada humilhante. Florence Baker relatará mais tarde: "... faltam-me palavras para te contar a nossa marcha esgotante. Posso apenas dizer-te que nos armavam emboscadas em toda a parte. Tivemos de lutar durante sete dias neste país pavoroso onde era praticamente impossível vislumbrarmos o inimigo enquanto uma chuva de lanças caía à nossa frente." A retirada é um inferno em toda a linha, com ataques guerrilhentos permanentes que semeiam a morte entre as forças de Baker e as correspondentes deserções. A fome e a doença ajudam ao desespero. A morte de animais de carga obriga ao abandono de material e de comida. Os caminhos, infestados de pântanos, dificultam a marcha. Foram sete dias de puro e duro desespero. "Tinha os pés totalmente em chaga de tanto andar, dado que por vezes tínhamos que percorrer quase vinte e cinco quilómetros de terrenos pantanosos com meio metro ou um metro de profundidade." como relatará mais tarde Florence Baker. Conseguem, apesar de tudo, aguentarem-se milagrosamente e atingem Fatiko, perto do lago Vitória, onde reinava Rionga, um rival de Kabarega, que lhes dá asilo. Aqui finalmente terão seis meses de paraíso idílico. Samuel Baker apressa-se a passar a batata quente para Rionga, nomeando-o representante do Egipto e Governador de Bunyoro, puro acto formal que não passará do papel.



Em princípios de Janeiro de 1873 abandonam este paraíso terrestre, regressando a Ismaília. Em meados deste mesmo ano vão para o Cairo, onde Samuel Baker deturpa os factos e relata uma governação sua vitoriosa, principalmente no tocante à repressão dos esclavagistas. Nada de mais falso. Ao ritmo secularmente lento, as caravanas negreiras continuavam na longínqua Equatória, ao som compassado do chicote nas costados dos escravos agrilhoados. Depois da muito, mas muito, ligeira pedrada no charco  traficante que provocou um parco ondular de águas, estas voltaram ao seu remanso de sempre. O estrangeiro branco infiel e a sua mulher tinham sido derrotados. Como outros brancos que viriam a seguir.

Como até aos dias de hoje, infelizmente.


 Regressam à Grã-Bretanha, onde tinham sido dado como mortos. Recebidos como heróis, até ao fim dos seus dias, Samuel Baker escreve e dá conferências, sendo um membro respeitado na sociedade britânica. O casal efectua diversas viagens por todo o mundo, em lazer ou em caça, vivendo prazenteira e burguêsmente os seus últimos de vida juntos.



Quando Samuel Baker morre, Florence Baker reclusa-se na mansão do casal, em Sandford Orleigh e vive para a família e para as memórias. Como ela sempre disse "Devo tudo a Sam".


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(*) - Já biografado.
(1) - Gondokoro localizava-se perto da actual Juba.
(2) - Canal com uma extensão total de 165 quilómetros e que liga os mares Mediterrâneo e Vermelho. Deste modo encurta a distância nas ligações marítimas entre a Europa e a Ásia, evitando a rota do Cabo, pelo sul do continente africano. O Canal foi construído na década que mediou entre 1859/69; construção essa liderada pela empresa de Ferdinand de Lesseps (1804/1894) e que também esteve na génese da construção do Canal do Panamá, na América Central, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico. No acto da inauguração do mesmo, ocorrida em 17/11/1869, estiveram presentes inúmeras personalidades europeias, dos vários quadrantes políticos, sociais e profissionais. Entre eles encontrava-se o escritor português Eça de Queiroz. A exploração comercial do Canal esteve sempre nas mãos europeias, até o mesmo ter sido nacionalizado (26/07/1956) por Gamal Abdel Nasser (1918/1970) então Presidente egípcio.
(3) - Quediva - Título do império otomano e que correspondia, nos moldes europeus, ao de Vice-Rei.
(4) - Ismail Pashá, o "Magnífico" - (Cairo, 31/12/1830 - Constantinopla, 02/03/1895). Governou, como Quediva do Império Otomano, o Egipto e o Sudão entre 1863 e 1879. Dotado de uma visão avançada para a época, sonhava tirar o Sudão e o Egipto do atraso em que viviam, investindo fortemente na indústria, na cultura e nas vias ferroviárias. Combateu a escravatura e a sua ânsia de se expandir para a Etiópia levou-o a entrar em guerra com este País, acabando derrotado. Apoiou a construção do Canal de Suez e viajou pelas principais cortes europeias. A derrocada financeira a que levou aos cofres públicos  foi a causa da sua queda.
5) - Paxá - Título do império otomano e que correspondia, nos moldes europeus, a governador.


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Leituras: Sobre as memórias de Florence Baker não conheço nenhuma tradução em língua portuguesa. Existem, a título exemplificativo, diversas edições em língua inglesa, tal como: A) "Morning Star: Florence Bakers´diary of the expedition to put down the slave trade on the Nile (1870/1873)", editado por William Kimber, em Londres, 1972.; B) "Morning Star: the life of Florence Baker, wife of the explorer Sir Samuel Baker", que é uma biografia histórica da autoria da escritora britânica Anne Baker (Londres, 1972).


Sobre os vários livros escritos por Samuel Baker, alguns do quais já acima referidos, também não conheço nenhuma edição em língua portuguesa, encontrando-se à venda edições francesas e inglesas.

Fontes de pesquisa: A) O lago Alberto - Samuel Baker; B) Memórias de África - Cristina Morató; C) O livro dos viajantes - Eric Newby; D) Diversos sítios do Google. 


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HISTORIANDO MOÇAMBIQUE COLONIAL





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Lourenço Marques (cidade) - A descoberta e colonização de Lourenço Marques (actual Maputo) foi extremamente atribulada, reflexo directo do tipo de colonização implementada pelos portugueses, sempre feita aos solavancos.


Não se sabe ao certo quem terá descoberto a baía de Lourenço Marques, inicialmente conhecida por Delagoa, Alagoa, Lagoa Bay ou Baía da Boa Morte. Admite-se, como sendo historicamente provável, que tenha sido o navegador Diogo Dias(*), irmão de Bartolomeu Dias, o qual comandava um navio integrado na Armada de Pedro Álvares Cabral, na segunda viagem marítima que os portugueses fizeram à Índia. Essa Armada, que saiu de Lisboa a 09 de Março de 1500, rumo à Índia, ficou na História dos Descobrimentos por ter sido a que chegou ao Brasil, pela primeira vez, a 22 de Abril desse mesmo ano. De seguida rumaram para o Cabo da Boa Esperança e, apanhados em temporal, quatro navios separaram-se da Armada, sendo um deles precisamente o de Diogo Dias que, desgarrado, ruma à aventura, por Madagáscar que descobre em dia do santo católico São Lourenço, razão porque baptiza com este nome a ilha-continente e tendo, talvez, chegado à baía da Lagoa. De qualquer modo é ponto assente que, em 1502, os cartógrafos já conheciam a baía e os rios que aí desaguam, pois os mesmos aparecem no planisfério que Alberto Cantino (1).




Planisfério de Alberto Cantino



Não havendo dúvidas de que foram os portugueses os primeiros descobridores admite-se, assim, que tenha sido Diogo Dias o seu descobridor histórico. No entanto, na Carreira da Índia(*), a baía  da Lagoa não era ponto de varagem das naus, já que estas tinham optado por Sofala(*) e ilha de Moçambique(*), pelo que  a baía sulista ficou ao abandono, sem qualquer interesse para os portugueses, que só lá iam para resgatarem náufragos ou a comerciarem.


Em 1544 as autoridades portuguesas enviaram, para aquela zona, o explorador Lourenço Marques(*), a fim de sondar a área, reconhecê-la com mais pormenor, verificar as intromissões estrangeiras e pesquisar marfim(*) ou qualquer outro produto que fosse economicamente rentável. Lourenço Marques cumpriu a sua missão, que terá mediado entre Setembro de 1544 a Abril de 1545, explorando a actual baía de Maputo e o rio Limpopo. Assim, pode-se considerar este homem como o descobridor político e económico da zona sendo, em sua homenagem, que as autoridades portuguesas, mais tarde, baptizaram a baía com o seu nome, por decisão régia de Dom João III, e que ali mandou instalar um entreposto comercial, por se ter constatado que aquela área era rica em marfim, artigo de bastante procura.


Antes de 1552 enviou-se nova expedição sondatória, tendo o comando da mesma sido entregue a António Caldeira(*). Desde essa data até ao início do século VIII os portugueses mantêm uma carreira irregular entre a baía de Lourenço Marques e a ilha de Moçambique, a negociar com as gentes locais mas nunca se fixando na área. Navios doutros países também demandavam aquela zona, a negociarem e a estabelecerem feitorias*, o que veio a provocar atritos com os portugueses, tal como, por exemplo, em 1598, em que um navio português, comandado por Jerónimo Leitão(*), arrasou um fortim inglês que encontrou. Os portugueses adquiriam marfim, âmbar(*), escravos, mel, cornos e unhas de rinocerontes e cera, deixando, em troca, panos(**), missangas(*) e álcool.




Marfim

Em Outubro de 1698, o navio "Noord", de nacionalidade holandesa, cartografou a baía e, em Abril de 1721, os holandeses do Cabo (actual Cidade do Cabo, na África do Sul), comandados por Guilherme von Taak, montam uma feitoria - "Forte Lagoa" - que teve uma experiência efémera de um ano, abandonando-a depois de um ataque de forças piratas britânicas.


Novamente, em 1725, os holandeses do Cabo montam outra feitoria a que dão o nome de "Forte Lijdsaamheijd", capitaneada por Jan van Capelle, face ao total abandono com que os portugueses tinham votado aquela zona, tendo por lá ficado até finais de 1730, altura em que se retiram para o Cabo, vencidos pelas doenças, guerras com gentios locais e negócios mal parados.


O total abandono que, quer o Governo da Índia quer a Capitania-Geral de Moçambique (2), votavam à baía de Lourenço Marques só é quebrado em 1755, ano em que, após várias insistências de Lisboa, é enviado um navio de reconhecimento, ordenado pelo Capitão-General (ou Capitão-Geral) Francisco Melo e Castro que, segundo referia nos seus relatórios, apenas conhecia a baía por tradição: "... nada sei de tal porto, apenas o conheço por tradição, pois há muitos anos que para lá não navegam portugueses." Voltam, de novo, em 1763, onde encontram vários navios estrangeiros a comerciarem com os nativos.


Em 1777, o aventureiro inglês Guilherme William Bolts, monta uma feitoria sob bandeira austríaca, que teve vida até 1781, altura em que os portugueses lhe puseram fim, através duma acção armada. Nesse mesmo ano o Tenente-Coronel Godinho de Mira, colocado na Índia, recebe a incumbência de desalojar os estrangeiros que se encontravam na baía de Lourenço Marques pelo que, comandando uma força de três navios, cumpre tal determinação. No relatório de sua lavra, que apresenta ao Vice-Rei da Índia, pode ler-se sobre estes factos: "... em 30 do mesmo (Março) entrei no rio do Espírito Santo, tendo com muito trabalho de sonda passado felizmente por entre os muitos baixos de que a baía de Lourenço Marques é cheia. Dentro daquele rio estavam ancorados três embarcações de gávea: um com bandeira portuguesa e passaporte passado pelo Governador de Damão, José de Oliveira Leitão, outra com bandeira inglesa cujos proprietários da primeira são de Surate e de Bombaím os da segunda, finalmente a terceira embarcação, que era uma pala de mastro e meio, tinha bandeira imperial, pertencente à Companhia de Trieste, entre esta e uma bateria de treze peças que estava em terra com a mesma bandeira imperial fui ancorar. Apenas surto dispus a minha tropa para executar as determinações de V.Exa., participadas na minha Instrução, e mandando parte dela com os seus competentes oficiais tomar posse da pala imperial que estava ancorada, prevenida para qualquer resistência que se lhe fizesse e com ordem de não fazer a menor hostilidade, isto mesmo foi executado, e a pala entrada sem a menor resistência nem ofensa, deixei ficar a bordo para a comandar o capitão-tenente Francisco Lobo da Gama com uma competente guarnição; e eu com alguma tropa me encaminhei para a bateria da terra que entrei sem resistência. Mandei logo arriar a bandeira imperial e, no dia seguinte 1 de Abril, pela manhã içar a bandeira portuguesa salvando-a com vinte e um tiros de peça, a esta salva respondeu a fragata com o mesmo número; imediatamente mandei tocar a faxina, desmontar e conduzir a artilharia para bordo da fragata, demolir a bateria, mandando logo os dois tenentes do mar Cândido José Mourão Garcez Palha e Cristóvão da Costa Athaíde a bordo das outras duas embarcações que ali se achavam..."


Sé em 1781 é que um governante português lança as bases da fundação de Lourenço Marques, criando o presídio (3) com o mesmo nome, em definitivo. De seu nome Vicente Caetano da Maia e Vasconcelos pode-se considerar o fundador administrativo da actual cidade de Maputo, na senda de Diogo Dias e de Lourenço Marques. No entanto, novas atribulações ainda esperavam o Presídio. Em 1782, por ordem de Vicente Cetano da Maia e Vasconcelos zarpou, da ilha de Moçambique, o "Santíssima Trindade", com sessenta homens a bordo, comandados por Joaquim de Araújo, nomeado primeiro Capitão-Mor e Governador de Lourenço Marques, tendo sido estes os verdadeiros fundadores do que é, hoje, Maputo. Tinham, por missão, estabelecerem-se parte na Inhaca e parte no continente, onde hasteariam a Bandeira Real para que os navios estrangeiros tomassem conhecimento da soberania portuguesa, fornecer-lhes hospitalidade mas interditar-lhes, por completo, o comércio conforme rezava o regimento assinado, em 25 de Novembro de 1781, por Vicente Caetano da Maia e Vasconcelos ao primeiro governador do Presídio de Lourenço Marques, Joaquim de Araújo: "Tendo a Rainha Nossa Senhora mostrado eficazmente pelas ordens dirigidas ao governador da Índia, e este ao d´este estado, quanto é da sua real intenção estabelecer o comércio desta capital para o Cabo das Correntes e baía de Lourenço Marques, me determinei nomear Vossa Mercê, em o real nome da Rainha Nossa Senhora, por capitão-mor e governador daquela baía e seus adjacentes para efeito de restabelecer ali uma feitoria e casa forte, e formar aquelas mesmas defesas que os austríacos tinham feito, conformando-se com a instrução que o governador da Índia mandou a este governo neste presente ano e juntamente para regular o comércio de forma que possa ser útil à Coroa de Sua Majestade, para o que Vossa Mercê executará o que nestes capítulos lhe ordeno e são os seguintes: PRIMEIRO: que Vossa Mercê em chegando à ilha da Inhaca dará fundo no seu surgidouro, e mandará a terra o capitão Belchior, ou outro qualquer que seja hábil, escoltado da gente que lhe for necessária, e mandará chamar o régulo que for daquela ilha e lhe dirá da minha parte: que sabendo eu que aquele porto era só dos portugueses, como ele e os seus também sabiam, e que como vassalos da Rainha de Portugal era preciso mantê-los e defendê-los de outras nações que, ambiciosas dos géneros (4) daquele País (5) quererão apossar-se daquelas terras contra a vontade de Sua Senhora, que é a Rainha de Portugal, para depois os tratarem com tiranias e roubos próprios de quem vai buscar o que não é seu, eu determinei ali mandar fazer outra casa e que estivessem portugueses com fato (6) para fazerem aquele comércio que até ali estavam fazendo aquelas outras embarcações, ara o que eu lhe mandava um saguate (*) em sinal de amizade que queria conservar com aqueles povos; que eu lhe prometia de mandar todos os anos fazendas para eles contratarem e se vestirem. E Vossa Mercê deixará ali trinta homens com o capitão Belchior e o alferes Francisco Mourão, com tudo o que for preciso para a construção da dita casa forte e acomodação dos soldados, estabelecimento este para o que Vossa Mercê deve aplicar todas as suas forças. SEGUNDO: Que depois que Vossa Mercê chegar ao canal onde se costuma dar fundo, que é onde os austríacos tinham uma bateria, mandará chamar o rei Capela, e matola, e todos os demais régulos da praia e lhes dirá a mesma arenga do primeiro capítulo, fazendo por agradar muito a estes régulos, não consentindo, debaixo de graves penas, que nenhuma pessoa que estiver debaixo do seu comando faça violência alguma a estes negros, salvo se eles quiserem roubar ou insultar os portugueses, porque nesse caso é a defesa natural. Depois de sagoatear os régulos da minha parte com os saguates indicados na relação junta, estabelecerão com eles que o marfim e mais géneros daquele país devem vir à praia ou a bordo enquanto não se estabelece alguma pequena povoação junto à bateria e bandeira que Vossa Mercê logo deve arvorar e pôr todo o cuidado para que as mais nações vejam a posse que nós temos com justo título. TERCEIRO: Far-se-á uma faxina para postar as peças de artilharia que lhe parecer, no mesmo sítio onde estava a outra, por me parecer lugar mais próprio, defendendo esta com uma estacada, porém tudo em situação onde haja água e aquelas comodidades que se fazem precisas na terra firme, e de bordo da embarcação donde se não deve tirar nada sem tudo estar pactuado, a fim de que tudo se faça com sossego. QUARTO: No caso de que àquele porto vão algumas nações estrangeiras fazer mantimento, Vossa Mercê lhe dará toda a hospitalidade, proibindo exactissimamente que façam negócio algum naquele porto; e no caso que alguma embarcação de maior força lhe queira fazer algum insulto e desobedecer à ordem que a respeito do nosso domínio lhe intimar, Vossa Mercê lhe fará um protesto por escrito, com o seu escrivão e algumas pessoas, e lho remeterá dizendo que de tudo fará parte ao seu governador do estado, para o representar à corte de Portugal; mostrando-se Vossa Mercê sempre com um ar dominante, favorecido das ordens que eu lhe tenho dado. QUINTO:  No caso que a esse porto chegue Guilherme Bolts, Vossa Mercê lhe dirá da minha parte e em nome da Rainha Nossa Senhora, que ele deve despejar aquele porto com toda a breviedade, e do contrário protesta pelo atentado que comete contra o direito dos limites; e de tudo isto fará Vossa Mercê um auto com testemunhas, e não entrará de forma nenhuma em práticas supérfulas com o dito Bolts, mostrando o desagrado com que ali o vê, e impedirá qualquer acção que ele queira fazer contra a nossa propriedade, até onde chegarem as nossas forças, regulando todos estes movimentos pelos termos mais prudentes e seguros que lhe seja possível; e isto se deve entender com toda a nação estrangeira. SEXTO: Depois de estabelecida a amizade com os cafres, formalizará Vossa Mercê o negócio de forma que a arroba de marfim grosso não passe de quarenta panos, e o meão, miúdo, cera, ponta de abada*, dente de cavalo marinho à sua proporção; de sorte que nunca os cafres fiquem enganados, e que conheçam que não queremos senão igualdade no negócio; e no caso que Vossa Mercê veja que esses cafres estão com outros costumes, executará o que lhe for insinuado pela sociedade que está formalizada para esse porto a respeito do comércio, considerando a utilidade para os mercadores desta praça e direitos de Sua Majestade. SÉTIMO: No caso de que dos portos do norte venha alguma embarcação a comerciar, de forma nenhuma Vossa Mercê o consentirá, e fará vir a esta capital (7) pagar os seus direitos a Sua Majestade, por já ter mandado dizer o governador da Índia que não mandasse navio para aquele porto com fazendas, por estar o comércio dependente de uma sociedade desta capital; e no caso que a sociedade necessite de alguma fazenda a poderá comprar, fazendo Vossa Mercê pagar os direitos, os quais remeterá a esta alfândega. OITAVO: De todos os soldos dos oficiais, soldados e marinheiros Vossa Mercê mandará fazer folha, para que a sociedade contribua com o fato (8) sorteado para pagamento de toda a guarnição e tripulação, que a fazenda real levará em conta pelo preço desta capital. NONO: Todas as fazendas e munições de boca e guerra estarão no paiol, o qual terá três chaves, uma na mão do governador, outra na mão do escrivão e outra na mão do mestre de embarcação. Nada se poderá retirar sem a decorrência das três chaves, cujos claviculários ficarão responsáveis pelas suas faltas. DÉCIMO: Não se gastará pólvora alguma com salvas, e só nos anos da Rainha Nossa Senhora se dará uma salva com as peças de quatro, conforme a necessidade que houver dela, preferindo a utilidade comum a este material. Se algum navio entrar no porto e salvar à Bandeira Real o receberão com três tiros de bateria, debaixo da mesma condição acima referida. DÉCIMO PRIMEIRO: Mandará Vossa Mercê ao comandante da tropa que arranje os soldados na melhor forma que convier, para assim passarem melhor; e não consentirá que os soldados e oficiais inferiores andem dispersos na terra firme, e quando forem comprar alguns víveres vão sempre municiados e debaixo de comando de oficial inferior muito prudente, com recomendação de não fazerem nenhuma desordem. DÉCIMO SEGUNDO: Vossa Mercê todas as ocasiões que tiver mandará mapa da tropa e dos marinheiros, com as alterações que houver tido, a fim de eu poder saber a necessidade de gente que aí houver; como também mandará tirar a planta dessa baía pelo capitão Belchior, a mais exacta que puder ser. DÉCIMO TERCEIRO: Todas as vezes que houver algum acontecimento que não esteja estabelecido por lei ou regimento, Vossa Mercê convocará para a sua decisão todos os oficiais de trope e do navio, e decidirão o que melhor convier, seguindo a pluralidade de votos e fazendo de tudo termo pelo escrivão, assinado por todos. DÉCIMO QUARTO: Como conheço a grande experiência que Vossa Mercê tem dos cafres, e a capacidade e prudência de que Vossa Mercê se orna, espero, que tudo aqui que se omitir, Vossa Mercê com o seu discernimento remedeie ou acautele como melhor lhe parecer justo, enquanto me dá parte. /// Ilha de Moçambique, 25 de Novembro de 1781 - Vicente Caetano da Maia e Vasconcelos."


Em Abril de 1782 a Bandeira Real é hasteada nascendo, assim, o Presídio de Lourenço Marques, que se instala na margem esquerda do rio Espírito Santo, sob a invocação protectora de Nossa Senhora da Conceição, construindo-se um pequeno fortim em madeira enfaixada e barro, génese do forte de Nossa Senhora da Conceição(**). Em 1783 o Presídio é abandonado e recuperado no ano seguinte. Em 1786 o mesmo encontra-se num estado miserável e, dez anos depois, os franceses ocupam-no militarmente, pondo-se os portugueses em fuga. E só em 1799, numa expedição comandada pelo Tenente Luís José, é que os portugueses vão recuperar, em definitivo, Lourenço Marques, expedição esta que já vinha sendo adiada desde 1797 por falta de verbas.


No início do século XIX os portugueses instalam-se em Lourenço Marques, não mais a abandonando até 25 de Junho de 1975, data da independência deste território. No decurso deste século XIX o burgo mantém-se um pequeno povoado, não ultrapassando a centena o número de europeus, por volta de 1875. Meio século antes (1825) apenas existia uma casa de madeira para além do presídio militar. No ano seguinte instalam-se no povoado os primeiros colonos, compostos por dois feitores, três casais e quatro degredados, a soldo da Companhia Comercial de Lourenço Marques e Inhambane, que tinha sido fundada em Lisboa, colonos esses que se instalaram na actual baixa citadina, junto ao mar, pois um imenso pântano isolava os moradores da Maxaquene.


Em 1825 segue um ofício para o Ministro da Marinha e Ultramar, com uma proposta para se mudar de localidade, a fim de fugir às emanações pútridas do pântano que a circundava, referindo o mesmo: "os habitantes desejam ansiosamente verem-se livres dum local que só coopera a apoucar-lhes a sua existência." Tal pretensão não teve seguimento ministerial e, em 1829, chegam mais sete colonos que se instalaram em palhotas. Em 1836 o Major Custódio José António Teixeira informa que em Lourenço Marques "... as casas... estão construídas sobre areia solta e a sua construção é de estacas enterradas na areia, enlaçadas com caniço, barradas e caiadas." Só em 1843 é que Lourenço Marques recebeu, pela primeira vez, um Governador-Geral, de seu nome Rodrigo Luciano de Abreu Lima. Nesta altura o povoado contava apenas com dezanove casas de madeira para além duma centena de palhotas. O Governador relatou que o povoado era: "...inferior a qualquer aldeia de pescadores, não havendo nem prego nem tábua, nem quem dela faça uso."






Rodrigo Luciano de Abreu Lima




Esta miserabilidade habitacional é confirmada dois anos depois, pelo Juíz Visconde de Arriaga, que relatou: "Os moradores viviam em casas térreas cobertas de palha e a mesma miséria acompanhava a força pública, que sendo organizada com degredados e pretos, ignorando uns e outros a profissão de armas, representava um desgraçado papel que era a nossa vergonha aos olhos dos estrangeiros quando, por acaso, ali passavam." Não havia em Lourenço Marques nenhuma escola, igreja de qualquer culto ou hospital. Os despachos alfandegários faziam-se debaixo duma árvore, junto à fortaleza e, de novo, o Visconde de Arriaga relata: "Tal era o estado em que encontrei Lourenço Marques em 1845, quando Juíz de Direito em Moçambique e, em 1851, quando fui Governador-Geral, achava-se nas mesmas circunstâncias."


A 25 de Agosto de 1843 forças conjuntas dos régulos da Magaia e da Moamba atacam Lourenço Marques, mas são rechaçadas, acabando por se refugiarem na ilha de Bangalane. Os portugueses contra-atacam-nos aí mas, tendo-se virado uma lancha que causou a morte dum oficial, três praças e alguns nativos de forças de segunda linha, acabam por desistir e recuam. A situação deplorável a que se encontrava o Presídio e a indisciplina das forças que o guarneciam, assente na base de degredados, era tal que, em Agosto de 1850, o Governador local, Capitão Joaquim Carlos de Andrade, foi preso pelos seus próprios Soldados, quando andava no interior do sertão com emissários bóeres a mostrar os limites territoriais, por os Soldados o acusarem de os obrigarem a carregar os seus próprios pesados fardos de trato (9), com que andava a comerciar do seu próprio negócio. Preso e algemado foi conduzido de novo pelos revoltosos ao Presídio. Entre Março e Junho de 1868 o Presídio vive momentos angustiantes, fruto de ataques sucessivos que sofre por parte das forças do Régulo Amule, o qual beneficiava de apoios no interior do povoado a pontos de, a 05 de Maio, ter sido declarado estado de sítio. Uma guarnição militar enviada da ilha de Moçambique para socorrer os defensores laurentinos naufraga, a sul de Inhambane (*) quando seguiam a bordo do brigue "Nossa Senhora da Conceição" (28 de Maio de 1868), ficando os sobreviventes aprisionados às ordens de Muzila (**), que só viria a soltá-los mediante pagamento de resgate. A 16 de Junho desse mesmo ano o Governador local, Capitão Sá e Simas, efectua um contra-ataque inesperado e  consegue levar de vencida as forças do Régulo rebelde, que acaba morto. 



Em 1868 Augusto de Castilho (**) descrevia Lourenço Marques como: "... uma aldeia de cafres com algumas casas caiadas, muitos pretos nus, um ou outro habitante branco, degredado ou não, macilento e enfraquecido pelas febres ......... A pequena povoação é composta por duas irregulares ruas paralelas cortadas por várias travessas e em que as casas de alvenaria eram poucas a ainda assim cobertas de palha ...........e palhotas redondas da mais primitiva construção." 



A 05 de Abril de 1870 novamente Sá e Simas, que governou o Presídio laurentino entre 1867 e 1873, envolve-se em combate com forças inglesas que se encontravam instaladas na ilha da Inhaca, derrotando-as. Mas, nesta década de setenta, Lourenço Marques já apresentava cinquenta e seis casas de pedra e cal. A partir de 1875 o povoado sofre um grande impulso, pois a descoberta de diamantes e ouro no Transval, tornam a sua posição geográfica muito importante, devido ao porto. A 24 de Julho de 1875, em arbitragem internacional, que opunha os interesses britânicos aos lusitanos sobre a posse daquela área, o Presidente francês Mac-Mahon (**) reconhece a soberania portuguesa na "questão da baía de Lourenço Marques" (**) e, no ano seguinte, pelo Decreto de 19 de Dezembro de 1876, publicado no Boletim Oficial nº 10 de 05 de Março de 1877, é elevada à categoria de vila, rezando o diploma o seguinte: "Atendendo a que a povoação de Lourenço Marques, na Província de Moçambique, se tem tornado ultimamente muito importante pelo progressivo aumento da sua população e pelo desenvolvimento do comércio, hei por bem ordenar que a referida povoação seja elevada à categoria de vila, com a denominação de Vila de Lourenço Marques, ficando por esta minha mercê obrigada a respectiva Câmara Municipal a tirar carta, pagos previamente os respectivos direitos. O Ministro e o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Interino da Marinha e Ultramar, assim o tenham entendido e façam executar." Assim, foi criada uma Comissão Municipal que realizou a sua primeira sessão em 27 de Agosto de 1877, constituída por Augusto de Castilho, Pedro Andrade Oliveira e Joaquim Tomás da Fonseca e, a 18 de Novembro do ano seguinte, elegeram-se pela primeira vez, os vereadores da  Câmara Municipal, os quais tomaram posse a 02 de Janeiro de 1879.


Em 1876 encontrava-se em Lourenço Marques o Engenheiro Richard Thomas Hall, encarregado pelo Presidente bóer Burguers, de estudar o traçado duma linha férrea que ligasse o Transval à vila laurentina. A ele se deve o primeiro e mais completo estudo de drenagem do pântano que asfixiava o desenvolvimento da localidade, propondo a abertura dum canal de enxugamento do mesmo, o qual também contemplava a edificação das bases da futura cidade, que ampliava o seu raio de acção para o topo da colina após o referido saneamento. Ainda neste mesmo ano de 1876 é criada a Comarca Judicial de Lourenço Marques, a 30 de Novembro, tendo sido Eduardo Alfredo Braga de Oliveira o primeiro Juíz, nomeado a 25 de Janeiro de 1877 e instalação do Tribunal em Setembro desse ano.




Lourenço Marques, finais do século XIX





No ano de 1877 contabilizavam-se, em Lourenço Marques, 31 casas com terraço, 27 cobertas de  zinco e 50 com cobertura de telha. Não tinha iluminação pública nem esgotos e as ruas não tinham nome. A 07 de Março deste ano desembarca, na vila, a Expedição de Obras Públicas, chefiadas pelo Engenheiro Joaquim José Machado (**) que criam as bases definitivas como, daí em diante, as obras públicas se irão implementar no futuro. Uma das consequências a curto prazo desta Expedição, foi o ordenamento urbano de Lourenço Marques, semente duma das mais belas cidades que o continente africano viu nascer. Ainda em Dezembro deste mesmo ano é apresentado o ante-projecto de ampliação da vila, da autoria de Joaquim José Machado  e de António José Araújo (**), muito justamento considerado um dos pais urbanísticos da futura cidade, ante-projecto esse que ficou conhecido como "Plano Araújo" e no qual expandia Lourenço Marques até à depois baptizada Avenida Pinheiro Chagas (rebaptizada de Eduardo Mondlane, após a independência). O "Plano Araújo" veio a ser aprovado, na sua maior parte, em 01 de Dezembro de 1892. Face ao desenvolvimento do interior transvaliano, o porto de Lourenço Marques (**) entra em grande actividade, pelo que urge a construção do caminho-de-ferro que ligue esse mesmo porto às repúblicas bóeres, o qual começa a ser construído em 02 de Junho de 1886 (data oficial).



É elevada à  categoria de cidade a 10 de Novembro de 1887, com publicação do respectivo Decreto no Boletim de Mçambique nº1, de 07 de Janeiro de 1888, o  qual tem o seguinte teor: "Tomando em consideração o notável incremento que tem tido a vida de Lourenço Marques, capital do Distrito do mesmo nome, na Província de Moçambique, em resultado dos melhoramentos materiais ali ultimamente realizados, e atendendo à excepcional importância que tanto aquela vila como o porto hão-de adquirir com a próximas exploração do caminho-de-ferro que há-de ligar, por uma comunicação fácil e rápida, aquele distrito com a República do Transval, importância que é já hoje muito sensível no aumento da navegação e do comércio, e na transformação rápida que se está operando nas condições económicas e sociais daquela vila, hei por bem decretar que a mencionada vila seja elevada à categoria de cidade, com  a denominação Cidade de Lourenço Marques. O Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e do Ultramar assim o tenham entendido e façam executar."



Em 1898 tornou-se capital da Província, nunca tendo perdido esse estatuto, que manteve após a independência, como capital do País, agora renomeada de Maputo. Popularmente conhecida como "Cidade das acácias" ou "Pérola do Índico", a cidade de Lourenço Marques/Maputo, fruto do traçado urbano é, sem dúvida, uma das maiores obras de vulto legada pelos portugueses em África e que ainda hoje perdura.




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(1) - Alberto Cantino, estando em Lisboa e ao serviço de espionagem do Duque de Ferrara remeteu, para Itália (1502), o mapa pormenorizado dos descobrimentos portugueses, dessa época. Esta carta terrestre é considerada o primeiro mapa-mundo. 
(2) - Moçambique, até 1752, esteve subordinado ao governo do Vice-Rei da Índia. A autoridade política máxima de Moçambique teve as seguintes denominações: Capitão de Sofala: de 1505 a 1507; Capitão de Sofala e Moçambique: de 1507 a 1609; Governador de Moçambique, Sofala, Rios de Cuama e Monomotapa: de 1609 a 1750; Capitão-General: de 1750 a 1837; Governador-Geral: de 1837 a 1975. Houve, também, os cargos de Comissário Régio e Alto Comissário. Na recta final deste trabalho será elaborada uma lista de todos os governantes portugueses de Moçambique.
(3) - Presídio era o nome da instalação inicial dum pequeno forte militar, dotado duma pequena guarnição de homens, apenas com o fito de assegurarem a posse soberana dum determinado território e tentar estabelecer pontes de vassalagem ou de diálogo com as chefaturas gentias locais. Como título exemplificativo Lourenço Marques e Beira* começaram a sua arrancada como presídios.
(4) - Riquezas.
(5) - O termo "País" aqui referido reporta-se ao território em causa, neste caso, a ilha da Inhaca.
(6) - Mercadoria.
(7) - Ilha de Moçambique.
(8) - Fato - Imposto.
(9) - Trato - Negócio.

Nota: os textos foram transcritos para a grafia da actual língua portuguesa.
* - Já biografado.
** - A efectuar-se ficha

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Brasão de Armas da cidade de Lourenço Marques - Criado por Decreto Régio de 22 de Agosto de 1889 e da autoria de Joaquim Lapa (**) é formado por um escudo dividido em duas diagonais que formam quatro triângulos no seu interior. O triângulo superior possui campo de ouro com galeão preto sobre ondas, no triângulo intermédio esquerdo possui um campo de prata com palmeira, no triângulo direito em campo azul tem um Sol nascente em ouro e no triângulo inferior um campo vermelho com esfera de prata onde sobressai o continente africano. Sobranceiro ao escudo existe uma coroa castelar e na parte inferior e externa do mesmo a legenda: "descoberta e soberania portuguesa".








Este desenho teve a sua heráldica fixada, em definitivo, pela Portaria Ministerial nº 19.409 de 01 de Outubro de 1962, publicada no Boletim Oficial de Moçambique nº 41 - 1º Série de 13 de Outubro desse mesmo ano.




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LIVROS

Jonas Savimbi foi uma personalidade incontornável na História angolana do século XX. Diabolizado por uns, santificado por outros, a sua vida de eterno comandante guerrilheiro, o seu sonho sempre adiado de vir a ser Presidente da Angola e a sua morte em puro estilo guevariano, ocorrida às 15H00 do dia 22/02/2002 colocaram-no, logo a seguir ao seu fatal evento, no topo dos líderes africanos chorados. Uma década volvida após o seu falecimento já se consegue escrever história objectiva. Isenta e esclarecedora.



É o caso do livro "Jonas Savimbi - no lado errado da História" de Emídio Fernando (D.Quixote, 2012, 364 págs.), um livro que traça  o percurso sinuoso deste homem que, quase tendo tido o mundo a seus pés, acabou morto  numa mata aos pés dos seus adversários, no culminar da "Operação Kissanda", a maior operação de caça ao homem jamais realizada em Angola.




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"Última saída para Brooklim", de Hubert Selby Jr. (Antígona, 2006, 382 págs) é, mais que um livro, um violento testemunho dum tipo de sobrevivência humana num gueto marginal novaiorquino. E nesse pequeno mundo, mas que é o mundo total para os que lá habitam, cruzam-se blocos de pessoas agrupados em tendências políticas, sexuais, criminais e é assim que vemos travestis, prostitutas, sindicalistas, operários, delinquentes adolescentes, marinheiros, tudo e todos cruzando-se numa amálgama de álcool, tabaco, sexo, lutas sindicais, corrupção. Cruzando seis histórias, aparentemente independentes umas das outras, o Autor põe-nos a percorrer a Brooklin dos anos 50 e transporta-nos para um mundo surreal em tudo oposto ao "American Dream".


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Filme: Baseado neste livro foi realizado, por Uki Edel, em 1990 nos EUA, o filme com o mesmo título e com duração de 102 minutos aproximadamente. Existe traduzido em português, em videocassete (consta na minha filmoteca), não tendo logrado encontrar em versão DVD.


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POESIA




António Jacinto do Amaral Martins (Luanda, 1924 - Lisboa, 23/06/1991), poeta angolano. Filho de pais portugueses que se tinham radicado em Angola, completa os seus estudos liceais em Luanda, não tendo prosseguido a carreira universitária.



Apesar das suas raizes familiares serem coloniais, António Jacinto foi um opositor do regime de Oliveira Salazar e um contestário do colonialismo o que lhe valeu a prisão em 1959 e novamente em 1961, Condenado a  14 anos, cumpriu-os no Campo do Tarrafal, em Cabo Verde. Em 1971 fixam-lhe residência em Lisboa, mas consegue fugir para a Argélia, onde se junta às forças do MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola. Após a independência deste território foi Ministro da Educação e Cultura angolano no triénio 1975/78.



Deixou a sua poesia espalhada por vários livros, tais como "Poemas",  "Vovô Bartolomeu" e "Sobreviver em Tarrafal de Santiago", entre outros.


Reproduzo dele "Monamgambê", um dos mais belos poemas que já foram escritos contra a opressão colonial portuguesa e que, independentemente da sua origem nacionalista, pode-se aplicar a qualquer colonialismo. É nisto que tem de belo, a sua pluralidade continental.



Monangambê
Naquela roça grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações;
Naquela roça grande tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.
O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro, negro da cor do contratado.
Negro da cor do contratado!
Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:
Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendén?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares
porrada se refilares?
Quem?
Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer
- Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?
Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande - ter dinheiro?
- Quem?
E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
- Monangambêêêêê..........
Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo, maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras
- Monangambêêêêê...........




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Este mesmo poema foi musicado e interpretado por Rui Mingas, magistralmente. 





"Monangambê" - António Jacinto (letra) / Rui Mingas (Música e voz)





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ACONTECEU


Justiça portuguesa - O eterno folhetim "Isaltino Morais", infelizmente vai ter, mais uma vez, o destino de todos os processos judiciais que envolva "colarinhos brancos": arquivo. As apostas sobre as causas dos arquivamento é que podem ser ou por falta de provas, ou por falha técnica ou por prescrição. Neste caso vai ser por prescrição. E não digo infelizmente porque quisesse a condenação (ou não) de Isaltino Morais. Isso a mim não me caberia ajuizar. 
Neste caso específico tratava-se dum processo que envolveria favorecimento pessoal a um empreiteiro a troco de dinheiro, remontando o caso a 1996. Passados mais de 15 anos sobre os factos denunciado a Justiça portuguesa não se decidiu sobre a culpabilidade ou inocência dos acusados? E outra questão que se coloca: supondo que se tinha demonstrado a culpa do ou dos arguidos, com a respectiva condenação prisional, o ou os arguidos iam para a cadeia, volvido este tempo todo? É isto o sentido de justiça? E outra questão: a Isaltino Morais não lhe cabe o direito de um Tribunal o inocentar ou culpar de vez? Tem que ficar a viver com a anátema de eterno suspeito/arguido? Condenado na opinião pública? E que tal se ele agora intentasse uma acção contra o Estado Português por atrasos de Justiça, que puseram em causa o seu bom nome? E que tal serem apenas os funcionários judiciais que tiveram responsabilidade no andamento do processo  (juízes e procuradores) a pagarem do seu bolso a indemnização cível, caso Isaltino Morais ganhasse essa acção ? (e penso que ganharia).
E, já agora, se pusessem os juízes da Relação, do Supremo, do Constitucional a trabalharem, para variar? Que é o  que eu faço, por exemplo. Em vez de estarem carregados de mordomias, isenções de horário e vencimentos chorudos? Que é o que eu não tenho, por exemplo. Ainda por cima são uma classe corporativa que gostam de ter "Sol na eira e chuva no nabal" pois são orgãos de soberania e têm sindicato. Surrealista.



E como se não bastasse esta triste figura que a Justiça portuguesa anda a fazer, ainda vem Cândida Almeida, Magistrada do Ministério Público que dirige o DCIAP Lisboa, dizer que tais situações se devem ao facto dos arguidos abusarem dos recursos pois, segundo ela:" o nosso sistema é muito bom, agora o abuso que dele é feito é  que é mau." Mas esta senhora anda a dormir? Não, não anda. Não passa é duma desculpa esfarrapada para defender, corporativamente, toda um grupo de magistrados preguiçosos, que não justificam o que ganham e que andam a contribuir para que este País não avance. Alguém lhe explique (mas ela sabe, de certeza) que aos arguidos são-lhes concedidos direitos na Lei, que eles usam. Não abusam. Mudem a Lei, se acham que ela está mal e atravanca os processos, mas não venham choramingar desculpas esfarrapadas de mau pagador.


Enoja-me esta (in)Justiça Portuguesa.




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Ferreira Fernandes - Adorei a excelente crónica que Ferreira Fernandes escreveu no Diário de Notícias de 12/05/2012, subordinada ao título "Podem rir mas é deprimente". Não, não é sobre juízes mas sobre os nossos Serviços de Informação e, como não podia deixar de ser, fala sobre as actividades de Jorge Silva Carvalho, o nosso James Bond de pacotilha. No fim de a ter lido não sei se estava a chorar por ter-me rido tanto ou se estava  rir-me para abafar as lágrimas de raiva.   



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Toponímias lisboetas (1) - Ao circular por Lisboa, na zona de Chelas, deparei com uma avenida larga, comprida, com três faixas em cada sentido, como várias outras que ali têm sido construídas. A placa toponómica baptiza-a de "República da Búlgária". Ponho-me a pensar: que raio terá passado na cabeça dos membros da Comissão de Toponímia da Câmara alfacinha para atribuírem este nome a uma avenida grande e larga. Nada tenho contra o País em si e os seus naturais. Mas não vejo o que é que a Bulgária e nós tenhamos tido em conjunto, ao longo das nossas Histórias, para lhe atribuirmos esta honra. Percebo a Avenida EUA, a Praça de Espanha, e outras afins. Agora... República da Bulgária? Por exemplo, não conheço nenhuma Avenida Timor-Lorosae. E bem que eram merecedores de tal homenagem, depois da merda que lhes andámos a fazer durante anos, a seguir ao 25/04 (e já agora atmbém antes) em que quase, quase os abandonámos. Andava o Ramos Horta a pedinchar favores aos nosso emproados políticos, de chapéu na mão, à porta dos ministérios onde quase não o deixavam entrar. Só depois da atribuição do Prémio Nobel é  que acordámos e deu-nos para o orgasmo fraternal. Colectivo, por sinal.


Voltando à vaca-fria: Avenida da Bulgária?  



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Toponímias lisboetas (2) - Mas a zona de Chelas continua a surpreender-me. A uma outra avenida, tal como a "búlgara", enorme, larga com três faixas para cada sentido também e perto desta, foi-lhe dado o nome de "João César Monteiro".


Para início de conversa faço já uma declaração de intenções: detesto a obra cinematográfica de João César Monteiro. É duma atrasadice mental de todo o tamanho, não passando de baixa crítica bacoca. Até eu, que nada sei de realização e produção de filmes, arrisco-me a dizer que faria melhor do que ele fez.


Mas não é o facto de não gostar do sua obra que me leva a criticar a atribuição do seu nome a uma rua. Podiam-na dar, mas não a uma da grandeza desta. A volumetria duma rua tem que estar na razão directa do simbolismo que representa. Por isso, Liberdade e República, por exemplo, são as avenidas que são. Por isso, a Avª Dom João II ou a Praça Marquês de Pombal (já agora um àparte: nunca mais o meu Sporting é  campeão para irmos por um cachecol verde e branco na estátua). Por isso a Avª. EUA, a Praça de Espanha, etc. Completamente de acordo com estas placas toponómicas e as suas localizações. Agora a um chupista da Nação darmos o nome a uma avenida daquela grandeza?


Não me esqueço que João César Monteiro foi o cineasta (se é que lhe podemos chamar assim) que recebeu de subsídios estatais (ou seja dos meus impostos) 130.000 contos (650.000 euros em moeda corrente) do Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia e mais 26.000 contos (126.000 euros em moeda corrente) da RTP para realizar o filme (se é que lhe podemos chamar assim) "Branca de Neve", em que o espectador (melhor dizendo o parvo) leva quase 75 minutos a ver uma tela toda preta a passar. E só estou a falar deste pseudo-filme.


E, ainda por cima, se gabava de dizer (vi-o a dizer isso numa reportagem televisiva) que "estou-me a cagar para que os meus filmes sejam vistos por um ou por mil espectadores."  Pois claro, com o dinheiro dos outros.  



Mas não é ele que tem culpa do seu nome ter sido atribuído a uma rua daquela envergadura. Tal decisão terá saído daquele lote de iluminárias que vão decidindo o nosso destino, enquanto autarquia, enquanto País. Por isso... estamos como estamos.




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PARTIDAS



Bernardo Sasseti, músico de águas critalinas, partiu e deixou este pobre País ainda mais pobre. Não vale a pena estarmos aqui com as costumeiras palavras de pesar. Honremo-lo, escutando-o. 





Beenardo Sasseti / Promessa




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