"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

domingo, 22 de janeiro de 2012

Fernand Fournier-Aubry

Aventureiros, viajantes e exploradores



Fernand Fournier-Aubry - (Saint Maur des Fosses, 23/11/1901 - Nice, 20/12/1972). Aventureiro, comerciante de madeiras e de ouro, traficante de ópio, pescador de tubarões, entre muitas outras profissões. Oriundo duma família burguesa, aos dezanove sai de casa e inicia a sua vida aventurosa no Gabão, em África, onde explora madeiras aproveitando as abundantes florestas que ali encontra. Durante uma década (1919/29) é lenhador, contrabandista de gado e convive com canibais. Retorna a França e, no septenato que medeia entre 1935/42, estabelece-se na América do Sul, apaixonando-se pela Amazónia, sempre na exploração madeireira. 


A sede por mais leva-o a dedicar-se à pesca do tubarão e exploração e rentabilização industrial da carne e do figado do mesmo. É o seu período de marinheiro no Oceano Pacífico (1942/54), onde percorre a costa oeste da América do Sul que o levará até à Terra do Fogo.


No biénio seguinte trafica ópio e ouro, pela Ásia adentro. De cavalo ou de camelo percorre as zonas remotas do Afeganistão, do Paquistão, da Índia e vai até às portas da China. Percorre e fica a conhecer a lendária rota do ópio e do ouro. Abandonando esta vida de contrabandista retorna à Amazónia e estabelece-se, de novo, na América do Sul, onde labuta entre contrabando, exploração madeireira e tráfico de influências.


Em 1972, encontrando-se em França e estando a preparar-se para retornar à Amazónia acaba colhido pela morte. Como ele afirmou certa vez: "Não há nenhuma resistência ao vento da aventura. Quando sopra, eu sinto isso e obedeço". Fernand Fournier-Aubry foi, para todos os efeitos  e apesar de todas as suas contradições, um  aventureiro do século XX.


Historiando Moçambique Colonial


Parte V - A guerra nacionalista


Desencadeada a luta armada, inicialmente a guerrilha instalou-se, por motivos de apoio logístico, em Cabo Delgado. Mal municiados, mas detentores duma forte componente ideológica independentista, que se irá amadurecer com o evoluir da guerra e depuração de fileiras, os quadros da guerrilha vão cimentar o pensar nacionalista numa base marxista-leninista.

Inicialmente democrática, admitindo diversas correntes de opinião interna, a FRELIMO não se apresentava como um partido político com uma ideologia fixa ou predominante, mas sim como uma frente que aglutinava diversos partidos, cujo cimento era a conquista da independência nacional, advogando-se até a sua dissolução, após os objectivos alcançados.

É a cega política colonial, imposta pelo regime ditatorial português, que cortou todas as hipóteses de diálogo, acrescida duma maior necessidade de dinheiro e armas para sustentar a guerra independentista que acaba por, no decurso da mesma, atrair os dirigentes da frente para a esfera da influência chinesa e, depois, soviética.

Lenta e gradualmente a FRELIMO instala-se  o terreno conseguindo, entre os dias 20 e 25 de Julho de 1968, realizar o seu II Congresso, já em solo moçambicano, no Niassa. E, a 07 de Março desse mesmo ano, focos de guerrilha já se tinham instalado em Tete, o que obrigava o Exército Português a ter que se dividir em três frentes de combate: Cabo Delgado, Niassa e Tete. Num esforço para fazer frente ao alastramento das zonas de combate, os portugueses, após a ascensão de Marcelo Caetano ao poder, lançam-se em duas batalhas: A) - maior incremento das actividades militares e policiais; B) - desenvolvimento económico acelerado do território.

Analisando ao de leve as duas vertentes temos, no esforço bélico: 1) nomeação de Kaúlza de Arriaga, um General com sobejas provas dadas de fidelidade ao regime, para Comandante Chefe das Forças Armadas em Moçambique, em Março de 1970; 2) assassinato de Eduardo Mondlane, em 03 de Fevereiro de 1968; 3) incremento da criação de aldeamentos fortificados para concentrar a população dispersa e, assim, evitar o apoio desta aos guerrilheiros, nomeadamente as ofertas de mantimentos, correio, informações, transportadores e voluntários; 4) criação de corpos de combate especiais militares, de raiz moçambicana: Comandos e diversos tipos de Grupos Especiais (GE´s) e Flechas; 5) incremento da actividade da polícia política (DGS); 6) colaboração com as tropas rodesianas no combate mútuo aos movimentos de libertação que assolavam os dois países, permitindo-se o passar da fronteira, quando em perseguição; 7) expulsão de religiosos que denunciaram, publicamente, diversas atrocidades, tais com o massacre de Wyriamu. 

No campo do esforço económico há a registar: 1) ampliação da rede ferroviária, no início dos anos 70, o interior norte ligado ao litoral; 2) desenvolvimento da actividade portuária; 3) industrialização macica, principalmente na zona sul do território; 4) fixação de agregados familiares brancos na zona do Limpopo e, posteriormente, na zona de Tete, com a construção da barragem de Cabora-Bassa; 5) incremento espectacular da indústria do turismo; desenvolvimento acelerado da agricultura, através da fixação de colonos vindos da metrópole; 7) expansão da avião comercial, dotando a DETA (companhia aérea moçambicana) com aviões a jacto; 8) lançamento da barragem de Cabora-Bassa, em Tete, a última grande decisão política de Oliveira Salazar, antes do seu afastamento do poder por doença.

A par disto desenvolve-se, nos meios militares, uma intensa campanha de acção psicossocial, de molde a cativar a população, fornecendo-lhes assistência médica e enfermagem, ensino básico e pondo a engenharia militar a abrir estradas e a construir pontes e escolas.

No campo político, para além da acção diplomática portuguesa na ONU que, com a  entrada de novos países africanos hostis à política ultramarina lusitana, tornam as suas intervenções periclitantes; Portugal respira um pouco de alívio com a ascensão de Richard Nixon à presidência norte-americana. Assessorado por um duro, Henry Kissinger, Nixon reabre o auxílio militar a Portugal, que tinha sido cortado pela Administração Kennedy, e boicota algumas actividades políticas na ONU contrárias aos interesses portugueses, através do uso do veto.

A viagem de Marcelo Caetano às províncias ultramarinas veio dar um novo alento à comunidade portuguesa, facto esse que nunca tinha acontecido no consulado de Oliveira Salazar. Mas, no entanto, a situação bélica piorava. 

A FRELIMO não desarmava e, após a morte de Eduardo Mondlane, passa por uma crise interna, até que a ala de maiores convicções revolucionárias ascende ao poder depurando, das suas fileiras, os elementos considerados divisionistas ou com simpatias por um ideário independentista moderado. 

Samora Moisés Machel ascende à liderança da FRELIMO e é este homem que irá conduzir o movimento até à vitória final, entrando em Moçambique para proclamar a independência do território.

Ainda durante o Verão de 1970, Kaúlza de Arriaga desencadeia a operação "Nó Górdio", numa tentativa de destruir as bases da FRELIMO, em cabo Delgado, copiando técnicas americanas utilizadas no Vietname. São empregues milhares de homens - 8.000, segundo Kaúlza de Arriaga; 30 a 35.000 segundo a FRELIMO - englobando meios aéreos e especialistas da guerra do Vietname e, em balanço final, retira-se satisfeito com os resultados obtidos: "... de todo este esforço contra-subversivo resultou uma derrota drástica para a Frelimo que teve, em fuga, que se refugiar no "santuário" da Tanzânia." (Kaúlza de Arriaga / Guerra e Política: em nome da verdade os factos) ou, na óptica da FRELIMO: "... o tiro, porém, saiu-lhe pela culatra. Em Novembro as forças portuguesas foram definitivamente repelidas das zonas controladas pela Frelimo, depois de sofrerem enormes perdas em homens e materiais..." (FRELIMO / Datas e documentos).

Admite-se que a razão esteja dividida nos dois lados. Mas, no balanço final, a FRELIMO depois das águas acalmarem voltou e, contrariamente às expectativas de Kaúlza de Arriaga, a guerra prosseguiu. Tanto que se admitia a "vietnamização" de Moçambique com uma linha separadora formada pelo rio Zambeze, entregando-se o Norte, mais pobre economicamente, aos guerrilheiros e defendendo, intransigentemente, o Sul, rico em indústrias e com a função de servir de tampão protector à África do Sul e Rodésia, dois bastiões da supremacia do poder branco.

Portugal não aguentava mais. O esforço de guerra em três territórios (Angola, Moçambique e Guiné); a oposição interna cada vez mais activa; a circulação de ideias contestatárias no seio universitário; o desenvolvimento económico europeu; o aumento da sinistralidade em combate e em acidentes; a emigração clandestina principalmente para a França e Alemanha, exaurindo o País de braços jovens; a inflação; a crise mundial do petróleo da década de 70; os movimentos contestários das comunidades brancas nas colónias a aspirarem a uma independência do tipo rodesiana; o desgaste do poder instalado há décadas; o aumento das deserções; o cada vez maior fortalecimento bélico dos movimentos independentistas e o seu reconhecimento e financiamento pela comunidade internacional; culminando com a declaração unilateral de independência da Guiné-Bissau feita pelo PAIGC em 1973, reconhecida imediatamente por inúmeros países, foram vários factores (entre outros) que culminaram com o eclodir do golpe militar do 25 de Abril de 1974, em Portugal.

Assim, não foi o golpe militar abrilino que originou o desenvolvimento das independências dos territórios ultramarinos, mas sim os movimentos nacionalistas africanos nas três frentes de combate (Angola, Moçambique e Guiné-Bissau) que derem um contributo mais que decisivo para o desencadear da revolta militar portuguesa.

Com o advento do 25 de Abril de 1974, Portugal acaba por reconhecer, após avanços e recuos, o direito dos povos africanos à independência e, no caso específico de Moçambique, reconheceu a FRELIMO como único representante legítimo do povo moçambicano, atendendo a que era a única força política aceite internacionalmente e a que verdadeiramente combatera no terreno.

Entre os dias 05 e 07 de Setembro de 1974 reuniram-se em Lusaca as delegações de Portugal e da FRELIMO e, neste último dia, as duas partes assinaram o Acordo de Lusaca, determinando-se a independência do País para o dia 25 de Junho de 1975, data comemorativa do aniversário da FRELIMO.

Constituído o Governo de Transição, com um Alto-Comissário português (Victor Crespo) e um Primeiro-Ministro moçambicano (Joaquim Chissano), e divididas as pastas ministeriais por elementos da FRELIMO e de Portugal, a 09 de Setembro de 1974 a Presidência da República Portuguesa acabou por promulgar a Lei nº 8/74, que contemplava o Acordo de Lusaca.

Até á data da independência, Moçambique passa por uma tentativa de instalar partidos anti-FRELIMO ou anti-marxistas no tabuleiro das negociações para discutir essa mesma independência, já que não concordavam que a FRELIMO fosse a única representante dos interesses moçambicanos. A 07 de Setembro de 1974, no dia da assinatura do Acordo de Lusaca, uma forte componente de elementos ligados ou conotados com o sistema político deposto tomaram de assalto o Rádio Clube de Moçambique, em Lourenço Marques, durante três dias, mas não conseguiram mais do que enviar mensagens pela rádio e uma delegação de representantes, aos quais o poder em Lisboa acabou por não dar crédito, tendo ordenado a reocupação da estação radiofónica pela força militar. De raiz civil, ficou conhecido pelo Movimento Moçambique Livre.

A 21 de Outubro seguinte alguns elementos portugueses da força dos Comandos envolvem-se em tiroteio com uma patrulha da FRELIMO na baixa laurentina, o que vem provocar nova onda de agitação social.

Neste ano de transição para a independência nascem, como cogumelos, dezenas de partidos políticos de pequena dimensão e, no fundo, sem qualquer representatividade nacional e todos com vida efémera. A população comprometida com o regime deposto e que não aceita a independência do País sob a égide da FRELIMO prepara o seu regresso para Portugal ou emigra para a África do Sul e Rodésia, países a quem o futuro começa a ficar ensombrado pois, para além dos movimentos contestários internos (ANC na África do Sul e ZANU e ZAPU na Rodésia), não vêm com bons olhos Angola e Moçambique ficarem independentes, com políticas contrárias aos seus regimes racistas.

Mas, enquanto a África do Sul, fruto do seu posicionamento geográfico e potencial económico-militar, ainda podia aspirar a resistir longamente, já o mesmo não poderia suceder com a Rodésia, pois este País, para além de não ser reconhecido nos areópagos internacionais carecia e dependia, fruto da sua interioridade, de utilizar o porto moçambicano da Beira, para escoamento e importação de bens, nomeadamente combustíveis.

O regime político implantado por Ian Smith, Primeiro-Ministro rodesiano, era decalcado do sistema sul-africano, tendo tudo corrido mais ou menos de feição até 1974, conluiados com as autoridades portuguesas, as quais facultavam o porto da Beira aos interesses rodesianos, desafiando o boicote internacional que lhes fora imposto, liderado pela Grã-Bretanha.

Às 00H00 do dia 25 de Junho de 1975, Samora Moisés Machel, em representação da FRELIMO, proclama a independência nacional em Maputo (ex-Lourenço Marques) e assume a Presidência do País , conforme disposição constitucional entrada em vigor (artº 47 da Constituição da República Popular de Moçambique).

Os portugueses saíam e davam lugar aos ancestrais locatários daquele território. Longe, muito longe, iam os tempos em que Pêro da Covilhã fora o primeiro europeu a deambular por Sofala, em 1489, a colher informações sobre o ouro do Monomotapa.

O ciclo do Terceiro Império Português, nas terras africanas, encerrar-se-ia daí a uns cinco meses, com a independência angolana. Um novo ciclo abria-se na História de Moçambique, ciclo esse que, tendo-se começado a escrever em alvas páginas, cedo estas começaram a ficar tingidas de sangue. Mas que já não tinham a ver directamente com o tempo colonial.

(Continua) 


Uma personalidade para a eternidade



Paul Carlson (Culver City (Califórnia), 31/03/1928 - Kidsangani (Congo), 24/11/1964). Médico missionário. Filho de emigrantes suecos, completou os seus estudos de medicina em 1956, na Universidade George Washington. De formação religiosa protestante segue, em 1963, como missionário para Ubangi, no Congo, ao serviço da Igreja da Aliança, juntamente com a sua família. Exerce o seu mister de clínico na hospital local, em Wasolo, grangeando estima no seio da população local, acabando por ficar conhecido como "Monganga Paul". Com o eclodir da guerra civil no Congo, após a independência deste País, como ex-colónia belga, a família de Paul Carlson refugia-se na vizinha República Centro-Africana, face ao alastramento da referida guerra civil e instabilidade política que se instalou no País. No entanto Paul Carlson, depois de deixar a  família em terra segura, retorna ao Congo e retoma as suas funções de médico no hospital de Wasolo, apesar do perigo que corre. Acaba feito prisioneiro por forças rebeldes congolesas, lideradas por Christophe Gnebeye, que o levam custodiado para Stanleyville (actual Kisangani) sob acusação do missionário ser um espião ao serviço dos norte-americanos. Os seus captores tentam jogar com a sua situação de preso (juntamente com outros europeus) chantageando forças europeias para obterem lucros, enquanto o torturam. Uma força mercenária tenta o seu resgate, através duma acção militar, mas os rebeldes que o mantinham prisioneiro acabam por o abater, antes que a sua iminente libertação fosse conseguida. Paul Carlson podia ter-se salvo quando deslocou a sua família para da segurança da República Centro-Africana. Mas o seu sentido de dever, quer como missionário quer como médico, fizeram-no voltar para trás, não abandonando os seus doentes. Mesmo sabendo ao que se arriscava.  Exemplos nobres como este não abundam.     


Livros



"Don Fernando"  de Fernand Fournier-Aubry (Livraria Bertrand; Amadora; 1972(?); 530 págs.) é um testemunho na primeira pessoa que este aventureiro (acima referido) prestou a André Voisin, sobre toda a sua vida.


"Monganga Paul" de Lois Carlson (Bridges) (Editorial Além-Mar; Lisboa, 1971; 211 págs.). A autora, viúva de Paul Carlson presta, neste livro, a sua homenagem à figura ímpar daquele que foi seu marido. 


Documentário


"Monganga: Dr. Paul Carlson in the heart of Congo" é um documentário televisivo sobre a vida de Paul Carlson, realizado pelo seu irmão Rick Carlson e produzido por Timothy Johnson da ABC News.

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