"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Delia Julia Denning Akeley

Viajantes, aventureiros e exploradores



Delia Julia Denning Akeley - Winsconsin (EUA), 05/12/1875 - Daytona (EUA), 1970. Exploradora, caçadora e etnógrafa. Filha de emigrantes irlandeses, cansada da rudeza da vida familiar que levava, sendo a mais nova de oito irmãos, foge de casa aos treze anos de idade cortando, até ao fim da sua vida, com os laços familiares.

Em Milwaukee, onde chega em fuga, trava-se de conhecimento com Artur Reiss, com quem acaba por casar, uma casamento mais de necessidade e de circunstância do que de amor. É aqui que acaba por travar conhecimento com Carl E. Akeley, um caçador, taxidermista e escultor, e que foi o grande amor da sua vida, pelo que logo Artur Reiss passou à história, como um pequeno precalço da sua vida.

Casa-se, em 1902, com Carl E. Akeley que, ao serviço do Museu de História Natural de Chicago, efectuava safaris africanos para melhor recriar o salão africano daquele museu, safaris estes que se efectuaram em 1905 e 1909.

Para Delia Akeley esta primeira ida a África, em 1905, foi um descobrir dum novo e maravilhoso mundo que a irá acompanhar até ao fim dos seus dias. Durante dezoito meses, tempo que durou o primeiro safari, Delia Akeley aperfeiçoa os seus dotes de caçadora de caça grossa e, da sua conta pessoal, são enviados para o museu de Chicago, dois elefantes e um búfalo.

Em 1909, agora ao serviço do Museu de História Natural de Nova Iorque (NY) regressam ao Quénia para caçarem mais exemplares para o museu nova-iorquino. Esta expedição durará dois anos, e parte dela, contará com a presença de Teodore Roosevelt, Presidente dos EUA que se desloca a caçar ao Quénia e onde também abate dois elefantes que ofertará ao Museu Nacional de Washington.


Delia Akeley salvou a vida ao marido quando ele, certa vez e sem a sua companhia, se ausentou para localizar uma manada de elefantes e acabou gravemente ferido perante a investida dum paquiderme que o projectou pelo ar. Três dias depois deste evento é que Delia Akeley toma conhecimento dos factos, por carregadores que entretanto chegaram ao acampamento, e que tinham fugido da investida do elefante e abandonado Carl Akeley à sua sorte, convictos que ele estava morto e, surpesticiosos com eram, não tocavam em mortos. Decidida a localizá-lo consegue persuadir alguns carregadores a acompanhá-la, na busca do marido no meio da selva. Demorou dias a localizar o rasto do marido e à noite tinha que amarrar os carregadores, para estes não lhe fugirem com medo dalguma fera ou do frio. Finalmente, já desesperada, teve a sorte de o encontrar depois de disparar tiros de alerta, ao que este respondeu. Carl Akeley tinha perfuração pulmonar, traumatismo craniano e algumas costelas partidas e, mesmo assim, sobrevivera à sede e à fome, sozinho na selva.

Nesta segunda expedição a África, nativos capturam para Delia Akeley um macaco, que ela apelida de "JT", e a quem se afeiçoa como um animal de estimação a quem permitia todas as tropelias. Trá-lo para Nova Iorque, estudando o seu comportamento. Durante nove anos conviveu com este macaco, que estudou ao pormenor até que acabou por ter que o entregar ao Jardim Zoológico face aos seus comportamentos agressivos. Desta situação nascerá um livro da sua autoria: "JT the biography of an african monkey" (1928), onde  defendia que os primatas podiam comunicar com os humanos e tinham um linguarejar próprio.

Cansada de viver à sombra do marido e estando este envolvido  emocionalmente com outra pessoa, a exploradora Mary Jobe com quem virá posteriormente a casar, o casal consuma o divórcio em 1923. Três anos mais tarde Carl Akeley morrerá, numa outra expedição africana, de pneumonia, quando visitava o santuário dos gorilas nos montes Virunga. Já não tinha Delia ao pé de si para o salvar. 

Após o divórcio Delia Akeley viaja muito por África, centrando as suas atenções mais em estudos etnográficos de povos primitivos. Era uma caçadora de caça grossa experiente e uma atiradora de elite. Viveu na selva com pigmeus e estava preparada para uma morte rápida. Levava sempre consigo uma maneira rápida de acabar com a vida. Como ela disse, certa vez, numa entrevista: "Sinto sempre medo da selva e estou preparada para uma morte violenta. Nunca viajo sem levar comigo os meios mais adequados para acabar rapidamente com a minha vida se receber alguma ferida mortal. Mas este tipo de vida selvagem encanta-me."

Após a morte de Carl Akeley o Museu de História Natural de Nova Iorque contrata Mary Jobe para dar continuidade ao trabalho do falecido, o que Delia Akeley considera uma afronta a tudo o que ela labutara anteriormente para o referido museu. A somar a isso o facto do falecido ter declarado a sua segunda esposa como sua herdeira universal, relegando Delia Akeley como se nunca tivesse contribuído com nada para o seu património ainda mais a magoou.

Aos 49 anos de idade (1924), já era uma africanista experiente e conceituada, atravessou África de costa a costa, partindo do Quénia, atravessando o Uganda e atingindo o Oceano Atlântico no Congo Belga. Expedicionara sózinha, sem recurso a caçadores europeus ou guias e ao serviço do Museu de Artes e Ciências de Brooklin (NY), que a contratara para capturar exemplares da fauna africana e efectuar estudos etnográficos de tribos primitvas. Como ela própria referiu, depois: "Desde a minha primeira experiência com tribos primitivas da África Central, há já vinte e dois anos, fiquei com a firme convicção de que se uma mulher se aventurasse sozinha, sem escolta armada, e vivesse nas aldeias, conseguiria estabelecer amizade com as mulheres e obter informações muito valiosas e verdadeiras sobre os seus costumes tribais."

Chegada a Mombaça organiza uma expedição contratando carregadores e adquirindo animais de carga. Atravessa o Quénia e atinge o rio Tana, que atravessa de canoa durante dez semanas, explorando e fotografando o mesmo até atingir o posto britânico de San Kuri, onde repousa. Dirige-se para a Etiópia, atravessando o deserto somáli de camelo, numa viagem em que, naquela época, poucos europeus (todos homens) se tinham aventurado a tal. Demorou três meses a atingir o posto militar de Muddo Gashi, na Somália perante a incredulidade dos soldados aí de serviço, custando-lhes a crer que uma mulher, única pessoa europeia duma expedição, tivesse logrado tal façanha. Retorna ao Quénia, até Nairobi, onde embarca para os Estados Unidos toda a colecção de animais mortos e por si embalsamados na expedição. Dirás, desta aventura, mais tarde: " Fiz a primeira parte da minha viagem de canoa, subindo o rio Tana e viajando terra adentro a partir do Oceano Índico. Cacei no capim e ao longo da margem, à procura de elefantes e de antílopes, conservando e secando eu própria as peles. Tirei muitas fotografias e revelei os negativos conforme pude. Comprei camelos aos somalis, uma tribo nómada e pouco amistosa, e continuei a atravessar a terra árida do deserto entre i rio Tana e a Abissínia, avançando sempre à luz da lua para evitar morrer de insolação."


Deixa-se ficar no Quénia, até que decide ir viver com uma tribo o mais primitiva possível para estudá-la. Opta em deslocar-se para o Congo Belga, terra de feiticeiros e canibais, de selvas impenetráveis e com extensas áreas onde os europeus não tinham penetrado. Em Março de 1925 navega pelo rio Epulu e penetra numa selva africana diferente de todas aquelas que tinha conhecido até então. Muito mais fechada, densa e húmida, onde os próprios nativos eram muito mais violentos e pouco amistosos para consigo, fruto da sua condição de branca. Para muitos deles a pele branca significava escravidão, chicote e fome. 

Fixa-se durante meses na zona dos rios Ituri e Aluwini, onde viviam os mbuti , tribo de pigmeus em estado primitivo e sem qualquer contacto com europeus. Delia Akeley vive como um deles, estudando-os ao pormenor e fixará em centenas de fotografias a sua vivência no meio daquela tribo e da selva. Com as pigmeias vai à colecta do mel e frutos e com os pigmeus vai à caça do elefante. Meses depois está completamente esgotada e saturada, pelo que resolve terminar ali a sua estadia no meio dos pigmeus.

Parte para a remota aldeia de Niangara, na margem do rio Uela, no norte do Congo belga perto da fronteira sudanesa. Vai a caçar em Bafuka e convive com canibais, só se apercebendo disso quando servem carne humana à refeição: "O sultão enviou uma caçarola com comida para os meus criados e quando me aproximei com a lanterna para ver o que era descobri um antebraço bem cozido. Como os nativos da selva comem habitualmente macaco, achei que iam fazer um festim. Mas, para meu horror, o pedaço seguinte que descobri foi uma mão de bom tamanho que pertencia evidentemente a um ser humano. Fiquei bastante doente e o pior é que descobri que os meus dois criados de confiança eram canibais." Acaba por adoecer de malária, em Bafuka, caindo à cama e recordará, mais tarde: "Quando não estava a delirar conseguia ouvir o cozinheiro e o meu criado a discutir como deveriam preparar o meu corpo quando morresse e como iriam repartir os meus pertences. Todas as manhãs um deles entrava na minha tenda e perguntava-me educadamente se pensava morrer nesse dia." Quando recupera abandona aquela zona e dirige-se para Stanleyville e daí, navega pelo Congo até Leopoldville e de comboio até Boma, que atinge em Setembro de 1925.


Retorna a Nova Iorque onde a sua fama a precede. Em 1929 volta a África, para dar continuidade aos seus trabalhos sobre os pigmeus, sendo esta a sua última viagem a este continente. Arranca de Cartum, no Sudão, navega pelo rio Nilo e entra no Congo Belga, instalando-se nas margens do rio Ituri, em Avabuki. Durante cinco meses roda milhares de metros de filmes e de fotografias sobre pigmeus, e recolhe todo o tipo de instrumentos de arte, de artesanato, de caça, de ornamentos e de utensílios domésticos que pode, rodeando-se dum verdadeiro espólio etnográfico. Delia Akeley tinha a perfeita consciência que estava a registar os últimos sobreviventes da verdadeira e velha África antes de serem totalmente colonizados pelos europeus.

De regresso aos Estados Unidos centra-se em conferências científicas por todo o país e a escrever o seu livro "Among the pigmies in the Congo forest". Volta a casar-se com um antigo amigo seu, abandonando de vez a vida aventureira, indo viver esta nova fase da sua vida em Vermont. Tendo enviuvado em 1951, muda-se para Daytona, até que a morte a colhe aos 95 anos.

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Nota: As transcrições do discurso directo foram retiradas do livro "Memórias de África", de Cristina Morató, já  anteriormente referido.



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Historiando Moçambique Colonial

Abada - 1) Rinoceronte; 2) Nome que se dá ao chifre de rinoceronte e que, segundo convicção popular bastante disseminada em diversas partes do mundo, produz efeitos afrodisíacos quando reduzido a pó. Por outro lado, estes chifres, quando trabalhados num torno por artesãos, tornam-se taças translúcidas, provocando alterações de tonalidade que podem, em teoria, revelar a presença de veneno em bebidas. Assim, a busca do seu chifre, que ainda é muito frequente nos dias de hoje, quase que levou à sua extinção. A crença do seu poder afrodisíaco não tem, na ciência, qualquer fundamento.

Amanbo - Chefe territorial, súbdito dum Régulo, que desempenhava também a dupla função religiosa de manter os costumes ancestrais do seu povo e de servir de elo de ligação com os actos sobrenaturais.

Âmbar - É um produto que pode ser obtido por duas vias: vegetal e animal. No campo vegetal é uma resina fóssil, proveniente dum pinheiro existente na Europa e que era utilizado com fins medicinais, sendo conhecido por âmbar amarelo. No outro campo, há o âmbar pardo ou cinzento, sendo extraído do intestino dos cetáceos (baleias e cachalotes), tornando-se uma espécie de cera dura. Abundando no Oceano Índico, era utilizado para diversos fins, tais como o farmacêutico, de adorno, de feitiçaria e de perfumaria. Era um produto que tinha bastante procura em Moçambique sendo, no século XVI, monopólio dos capitães de Sofala e ilha de Moçambique.

Ankhoswe - Guardião da sucessão dinástica do povo Chewa, do tipo matrilinear, função que acumulava com a de conselheiro real. Podia, ainda, exercer o cargo de chefe territorial.

Argentina - Nome que inicialmente era conhecido o pequeno Reino de Chicova, devido à forte presunção inicial do mesmo ser rico em prata.


Caçadores das terras - Forças irregulares nativas, fornecidas pelos régulos avassalados, quando convocados para tal. Podiam ter funções policiais ou guerreiras, numa determinada região e eram, quase sempre, pagas pelo direito de saque.


Caçadores de carne - Designação referente aos caçadores que eram contratados para abastecerem de carne de caça diversas empresas, públicas ou privadas, que laborassem no interior do território.


Cafraria - Terra dos cafres; África.


Cafre - Aportuguesamento da palavra árabe "kafir", que significa "infiel" (no sentido religioso, por não seguir os ensinamentos do Alcorão). Era deste modo que os árabes se referiam aos africanos que não professassem a religão muçulmana. Utilizada em sentido depreciativo, queria significar pessoa rude, do tipo bárbaro e, como tal, de capacidade intelectual limitada e de pouca ou nenhuma confiança. O sentido de superioridade rácica que prevaleceu nos povos colonizadores levou-os a generalizar este termo para qualquer tipo de africano.


Costa da Crafraria - Era a denominação inicial que os portugueses, nos primórdios das suas viagens marítimas, se referiam à costa africana e que abrangia desde o cabo das Agulhas à baía de Lourenço Marques.


(Frei) João dos Santos - (Évora, 1560/70(?) - Goa, 1622/25 (?)) - Sacerdote dominicano. Tendo tomado as ordens religiosas em 1584, como frade das Ordem dos Pregadores embarca, dois anos depois, para Moçambique estabelecendo-se em Sofala, até 1591. De seguida vai para Tete e, no ano seguinte, é colocado nas Quirimbas, local onde exerceu o sacerdócio até 1594. No ano seguinte ruma para Goa, onde se fixa durante cinco anos, após o que regressa a Portugal. Em 1608 publica o seu livro "Ethiopia Oriental e vária História de cousas notáveis do Oriente", que é um notável acervo dos conhecimentos de geografia, antropologia, flora e fauna que adquiriu ao longo da sua estadia africana e indiana. Em 1610 ou 1611 regressa a Moçambique e, após uma tentativa frustada de se estabelecer na corte do Monomotapa Gatsi Rucere, foi requisitado por Diogo Simões Madeira(*) para se estabelecer na área de Chicova, afim de exercer o seu apostolado, o que vem a suceder. Desta sua estadia resulta a "Relação do descobrimento das minas de prata de Xicova", saído à estampa em 1618, bem como ficou inédito um manuscrito intitulado "Comentário da região dos Rios de Cuama". Retorna a Goa, onde virá a falecer.


Presídio - Nome dado a uma oferta anual (e que depois passou a trienal) que os portugueses entregavam ao Monomotapa, como forma de testemunho de agradecimento pelos tratados de amizade e aliança que se firmavam. O presídio era pago em fazendas diversificadas e quinquilharias variadas e teve uma duração de cerca de 300 anos, até ser extinto em princípios do século XVIII.

Reino de Chicova - Pequeno Reino que se situava na zona de Tete, a Sul do rio Zambeze e que estava avassalado ao Reino do Monomotapa. A existência  de minas de prata nos seus territórios despertou o interesse e a consequente instalação dos portugueses. No ano de 1572 Francisco Barreto (**), no decurso da sua expedição militar ao Monomotapa, deixou uma guarnição de cerca de 200 homens, com a missão de conseguirem determinar onde se situavam as muito faladas minas de prata de Chicova. Esta guarnição acabou por ser chacinada pelas populações locais, cansadas de serem permanentemente espoliadas dos seus bens pelos invasores portugueses. Em 1614 Diogo Simões Madeira (*) mandou construir o forte de S. Miguel, mas as minas de Chicova nunca passaram de uma lenda. Foi em Chicova que se deu o massacre que vitimou o Governador Vilas-Boas Truão (*), em 1807.


Suhaíli - Palavra de origem árabe que significa "costa", "litoral" e, por extensão, "povo que vive no litoral". Com a chegada dos mercadores ao litoral de África e com a sua instalação nessas áreas, com o decorrer dos tempos acabaram por se misturar com os autóctenes, quer pela via do casamento, quer pela via do interesse comercial ou pela via do factor religioso. Assim, da fusão de africanos e árabes nasceu uma cultura cruzada em múltiplos campos, que vem dar origem a um novo grupo étnico, os suhaílis, os quais se estendiam em toda a costa oriental africana até ao centro litoral moçambicano. Em Moçambique deu-se, no litoral norte, este secular cruzamento biológico e cultural entre árabes escravocratas com mulheres macuas, pelo que os suahílis estendiam-se, ao longo da faixa litoral, desde o Rovuma até ao centro. 


Sultanato de Angoche - Este Sultanato terá sido fundado já no decorrer da segunda metade do século XV, por Mussa, alto dignitário de Quíloa que, tendo fugido de lá, juntamente com Husseine, rumaram para o litoral Sul, em busca de segurança. Tendo Husseine falecido, Mussa enterrou-o na foz do Angoche e, antes de se retirar para a ilha de Moçambique entronizou Xosa, filho de Husseine, como Sultão de Angoche. Foi o filho deste que deu continuidade à linhagem nobre do Sultanato. Esta feitoria afro-árabe serviu de escoamento aos produtos árabes vindos de Sofala quando os portugueses, ao instalarem-se ali, começaram a estrangular o comércio arabizado. Em 1511, como forma de tentarem acabar com essa via de escoamento dos produtos árabes e bem assim de se libertarem do estrangulamento que Angoche estava a praticar sobre a ilha de Moçambique, os portugueses atacaram Angoche e arrasaram-na, mas não deixaram nenhuma guarnição, o que permitiu ao Sultanato erguer-se das cinzas e revitalizar-se. No entanto o domínio que os portugueses começaram a estabelecer no vale do Zambeze, levou ao declínio de Angoche, devido à diminuição do volume de mercadorias vinda do interior, para exportação. Em princípios do século XVII o Sultanato estava comercialmente arruinado, tendo apenas uma economia de sobrevivência. Tendo sido conquistado pelos maraves do Karonga (1) Muzura, a sua actividade comercial resumia-se a conchas e missangas, marfim, âmbar e, principalmente, escravos. Após a dissolução da influência marave, o Sultanato readquiriu a sua independência. No século XVIII o seu comércio era quase nulo e Angoche sobrevivia num autêntico marasmo. Por volta de 1730 a povoação é assaltada e saqueada e o Sultão assassinado, vivendo o seu herdeiro em Mombaça pelo que, em 1755, os portugueses colaboram na sua restauração, reiniciando também um incipiente comércio com a ilha de Moçambique. Em finais deste século deu-se um surto de deslocação populacional dos imbamelas para a sua área, pelo que o Sultanato, com receio de perder o domínio dos portos, negociou a fixação dos mesmos entre Angoche e Sangage. O Sultano ressurge economicamente em meados do século XIX, graças ao incremento e desenvolvimento do tráfico esclavagista. Do seu porto exportavam-se escravos não só para Zanzibar, Comores e Madagáscar, como também para o Brasil. Em 1847 o Sultão de Angoche cortou decapitou três emissários do Governador da ilha de Moçambique, que ali os tinha enviado para exigir vassalagem. Hassane-Issufo (*) ascende ao poder do Sultanato em 1849 e passa-o para o seu irmão Mussa-Quanto quando o prazeiro João Bonifácio Alves da Silva (*) invade as suas terras, em 1861. Após o falecimento de Mussa-Quanto (*) perfilaram-se vários pretendentes ao poder do mesmo, acabando por ascender Ussene Ibrahimo (*). Após a morte deste é Farelay (*) quem passa a dirigir os destinos do Sultanato. Em finais do século XIX o Sultanato entrou em derrapagem económica, por a ilha de Madagáscar, que era o seu principal sustentáculo financeiro, ter caído soba  alçada do domínio colonial francês. No entanto, até finais da primeira década do século XX este Sultanato guerreará sempre os portugueses, até ter claudicado de vez.

(1) - Título dinástico marave.
(*) - A ser biografado posteriormente.
(**) - Já biografado.


Terras do Bororo - Zona geográfica indefinida na sua extensão, mas que os portugueses se referiam, no século XVI, às áreas a Norte do rio Zambeze, entre o Chire a a costa.


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Livro

A 25 de Abril de 1560 sai, de Lisboa com destino à Índia, uma armada de seis naus, na qual se integrava a "São Paulo" que era capitaneada por Rui de Melo Câmara. Era uma nau comercial de 500 toneis de arqueação e transportava 520 pessoas, no total. Em Maio, navegando por zona das Canárias, são surpreendidos por ventos Este, com cerca de 100 quilómetros/hora de velocidade e têm a primeira vítima, que foi um marujo que estava no cesto da gávea. A tempestade que sofrem era tão forte que quase atira com os navios para as costas marroquinas, acabando a mesma dispersa. Em finais desse mês de Maio estão nas costas da Guiné, onde a "São Paulo" fica meses a navegar em alto mar praticamente parada, por falta de vento. O excesso de calor, a humidade excessiva e a queda violenta e abrupta de chuvadas, a falta de alimentação adequada, tudo se conjuga para adoecerem cerca de 300 pessoas, para as quais só o sangramento e a toma de purgantes e xaropes são as únicas panaceias. Em finais de Julho atravessam a linha do equador e passam pelas ilhas da Trindade, de Ascensão e Tristão da Cunha.

Por esta altura, o piloto António Dias, desce para uma latitude Sul muito alta (40º) e flecte o navio para Oriente, informando quem o questiona que, quando tivesse atingido a latitude de Ceilão, rumaria então para Norte. Só que, por erro de cálculo, flecte a nau um pouco para Leste e o resultado é que, a 20 de Janeiro de 1561 estão perto do cabo Camorim, avistam bambus e vegetação à tona da água que nada tem a ver com a flora indiana e apercebem-se de dezenas de ilhas e ilhotas desconhecidas, até que são apanhados por uma tempestade que lhes quebra os mastros.

Durante a noite o navio, já sem velas, anda à deriva até que ao nascer do dia encalha num baixio e já dali não sai. Há quem salte do navio para, a nado, atingir um ilha e acaba morto ou ferido contra os corais. Decidem descer um esquife (1) da "São Paulo" e, durante todo esse dia (22/01/1560) após vária idas e vindas entre a nau e uma ilha, desembarcam todos os 330 náufragos sobreviventes, até ao cair da noite. Estão sem comida e água e, quando nasce o dia, alguns sobreviventes começam a saquear os bens dos mortos, um costume da época.  Estavam em Sumatra, mais concretamente no cinturão de ilhas que envolvem a costa Oeste desta, nas que são hoje as ilhas Malami, Siberute e Sitora. Naquela época Sumatra fazia parte do sultanato de Achém, liderada por Aladim-al-Sakar, inimigo dos portugueses desde que Afonso de Albuquerque conquistara Malaca (1513), criando uma feitoria que lhes fazia frente comercial.

Começa a desenhar-se a desunião entre os náufragos, quando alguns destes acusam os oficiais, os ricos mercadores e os padres de tentarem fugir no esquife, abandonando os outros ali. Pensam matarem as mulheres e as crianças, para terem menos bocas a alimentar e menos corpos para salvarem. Por fim dois padres jesuítas que estavam entre eles, Manuel Álvares e João Roxo, conseguem reunificar os desavindos e todos reconhecem no Capitão do navio o seu Capitão em terra, reconhecendo-lhe autoridade total.

Ficam ali estabelecidos, não faltando alimento dos recursos  naturais (peixe, palmitos, cocos, etc.) até que em finais de Fevereiro (1561) avistam um bateis malaios e dois dos náufragos, que tinham ido à busca de alimentos, são encontrados mortos e parcialmente canibalizados. Tinham entretanto construído uma barca com remos e vela, com madeirame da "São Paulo" e recuperado o esquife e, em meados de Março, preparavam-se todos para partir quando o Capitão ordena o embarque apenas das mulheres, dos seus amigos, de homens ricos e dos oficiais, deixando em terra 170 homens entregues ao seu destino. Não havia espaço para todos, porque parte do navio fora preenchida com bens materiais dos homens ricos e com a construção duma casa de banho e quarto para as mulheres, que acabaram por tirar espaço e capacidade de carga.

Dos abandonados em terra cerca de 80 atiram-se a nado para os navios, na tentativa de os escalarem, mas são repelidos na ponta das espadas e lanças dos que lá se encontram. Aos que ficam em terra é-lhes recusado qualquer tipo de armamento para se defenderem bem como é recusado o embarque a crianças doentes. Não havia lugar a humanitarismos. É-lhes ordenado pelo Capitão que caminhem nove léguas para Sul, até uma enseada, onde serão então recolhidos. Atingida esta enseada ordenam-lhes, por um batel que vem a terra, que caminhem mais 30 léguas para Sul, para outra enseada, enquanto o navio navega à costa na mesma direcção.

É quando avistam uma pequena flotilha de juncos pirata malaios, que o barco português os combate  e leva-os de vencida graças à artilharia que tinham retirado da "São Paulo". Finalmente, com os juncos malaios apresados, já têm navios para embarcarem os que  estavam em terra. Como acto de vingança, pelo portugueses mortos no combate, decapitam os prisioneiros malaios excepto o piloto que os leva para o Sul de Sumatra, até à foz do rio Menencabo, na ilha de Mitau, onde são bem recebidos pelos gentios. A maior parte dos portugueses fica em terra a descansar, até que são atacados pelos malaios que liquidam 60 deles, conseguindo os restantes fugirem de novo para os navios. Depois de dias de provações atingem  o estreito de Bunda, onde são casualmente encontrados por navios portugueses que por ali passavam e os salvam. 


(1) - pequeno barco de apoio.

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Ora é sobre esta história da viagem e naufrágio da nau "São Paulo" e das peripécias dos seus sobreviventes que se narra no romance histórico "Malabar", autoria de Mário de Sousa Cunha (Bertrand Editora, 2008, 538 págs.), romance que, com agrado, li esta semana.



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Sobre a fonte histórica deste naufrágio pode-se ler o relato do mesmo através do testemunho escrito dum seu participante, de seu nome Henrique Dias em "Relação da viagem e naufrágio da nau São Paulo", (Volume I - Págs. 446/470) e que foi editado em dois volumes por Bernardo Gomes de Brito em "História Trágico-Marítima", entre 1735/36.  
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Poesia



Sobre a temática dos naufrágios transcreve-se um soneto de Camilo Castelo Branco:


Senhor! Vós que soprais a tempestade,
cavando abismos sobre o mar irado,
ouvide os roucos sons do afogado,
que geme nos umbrais da eternidade!


Nesses transes cruéis d´ansiedade,
rolando contra a rocha espedaçado,
a prece, que murmura o desgraçado,
é grito de perdão!... meu Deus! - piedade!


Perdoai-lhe, Senhor! ouvi, piedoso,
o brado d´aflição, que manda aos céus,
o filho, o amigo, o irmão mais caridoso!


Ouviu-lhe o seu clamor entre escarcéus;
pois, naquele morrer angustioso
bradou-lhe o coração - "Perdão, meu Deus!"

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Hoje (21/03/2012) assinala-se o Dia Mundial da Poesia. Muito justamente considerada como sendo o domínio da nobre arte da palavra, em homenagem do dia de hoje transcrevo, de memória (desde já me penitenciando dalgum lapso) o primeiro poema sobre o qual verdadeiramente me debrucei, nos meus idos tempos do liceu, era eu um rapazote. Ainda hoje, meio século volvido, esse poema baila na minha memória. Trata-se duma cantiga de amigo, da autoria do trovador medieval Estevão Pais Coelho e reza deste modo:


Sedia la fermosa seu sirgo torcendo
Sa vox manselinha fermoso dizendo
Cantigas d´amigo.


Sedia la fermosa seu sirgo laurado
Sa vox manselinha fermoso cantando
canbtigas d´amado.


Par Deus de Cruz, Senhora,
que d´amor mui haveis sofrido
que tam bem cantades
cantigas d´amigo.


Par Deus de Crus, Senhora,
que d´amoe mui haveis laurado
que tam bem cantedes
cantigas d´amado


Ayutre comesteis, que haveis advinhado!  


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Música


Robert Johnson - (1911 - 1938) - Compositor e cantor de blues rurais, do delta do Missipi. Nascido no seio da mais baixa escala da miséria humana, tem uma infância infeliz e violenta onde, inclusivamente, vê a sua mãe a fugir dum linchamento, naqueles duros tempos rácicos do Missipi. Apenas com  estudos rudimentares, cresce ao abandono, já que a sua mãe, na luta pela sobrevivência e com onze filhos, quase que se dedica apenas aos múltiplos amantes. Aprende a tocar harmónica e, depois, guitarra ao ver Son House e Charley Patton a tocarem este instrumento.


Cria o estilo de tocar viola com um gargalo de garrafa do dedo mindinho, o "bottleneck", desenvolvendo uma sonoridade metálica, tipo havaiano. As suas letras são o reflexo da vida errante que leva, que abarcam os amores passageiros, a solidão, a saudade da terra. Compôs 32 canções e nunca teve direitos de autor. Morreu jovem, eventualmente envenenado por um marido ciumento. Hoje é considerado uma lenda e inspirador de muitos músicos do panorama do rock´n roll.






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Filme

Inspirado na personagem de Robert Johnson, em 1896 Walter Hill realizou o filme "A encruzilhada", no qual um jovem (Ralph Machio) ajuda a fugir dum asilo de idosos um velho "bluesman" (Joe Seneca) e ambos partem para o Missipi, em busca duma lendária canção nunca editada de Robert Johnson. No entanto o destino leva-os a uma encruzilhada, local de eleição do Diabo para capturar futuras almas em troca duma vida terrena gloriosa e, aí, o jovem vê-se envolvido num (brilhante) duelo de guitarras com um guitarrista do Diabo, que acaba por  vencer e assim, resgatar a alma do velho que o acompanhava. Um filme singelo, mas um reconhecimento à importância dos blues do Missipi, que neste filme têm a sonoridade electrizante de Ry Cooder. A ver, numa soalheira tarde domingueira ou no esplendor duma noite de calor.







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Defenda a sua língua materna. Recuse-se a escrever com as normas do actual Acordo Ortográfico.


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