"O Mundo não é uma herança dos nossos pais, mas um empréstimo que pedimos aos nossos filhos" (Autor desconhecido)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Lawrence Anthony


VIAJANTES, AVENTUREIROS E EXPLORADORES

 
Lawrence Anthony – (Joanesburgo, 17/09/1950 – Thula-Thula, 02/03/2012) – Conservacionista, escritor. Na mensagem anterior abordou-se a biografia do casal Sheldrick, lutadores incansáveis pela conservação de diversas espécies selvagens africanas, nomeadamente as de grande porte, tais como elefantes e rinocerontes, no Quénia.
 
Agora pretendo homenagear um outro conservacionista, o sul-africano Lawrence Anthony, que dedicou parte da sua vida a pugnar, tal como o casal Sheldrick, pela protecção dos elefantes e rinocerontes, em diversas partes do planeta.

 
Neto dum mineiro britânico que emigrou para a África do Sul, na década de 20 do século passado, para as minas de ouro transvalianas, e filho dum negociante de seguros, Lawrence Anthony percorreu diversos territórios da África Austral, até se ter estabelecido na Zululândia, em meados da década de 90, onde adquiriu a reserva Thula Thula, fruto da sua paixão pela causa ambiental, com uma área de 5.000 acres, em KwaZulu-Natal.
 
A liderar a Reserva Thula Thula, localizada em terras na nação zulu, o seu primeiro acto foi o salvamento de nove elefantes, no que fora alertado por um grupo de ambientalistas, elefantes estes que tinham escapado dum cativeiro. Conseguindo captar a atenção da matriarca do grupo, atravésds da sua tonalidade vocal e linguagem corporal, conduziu-os para a sua reserva, o que o levou a ser alcunhado de “elephant-whisperer” (“o homem que sussurrava aos elefantes” – tradução livre).
 
Foi o fundador da “The Earth Orgazination” (2003), uma ONG internacional, vocacionada para a conservação do meio-ambiente dotada duma forte componente científica, neste momento espalhada por vários países e sedeada na África do Sul (consultar: http://www.lawrenceanthony.co.za).
 
 
 
Os seus esforços tiveram êxito ao criar duas novas reservas, a “Royal Zulu Biosphere” e a “Maybuye Game Reserve”, onde envolveu os povos locais para a implementação do turismo de vida selvagem.
 
Era planetariamente famoso pelas suas iniciativas arrojadas na luta pelas causas animais e ambientais, nomeadamente no arriscado resgate dos animais do Jardim Zoológico de Bagdad, aquando a invasão internacional ao Iraque em 2003, invasão esta liderada pelos EUA. Sendo um dos maiores jardins zoológicos do Médio Oriente, com cerca de 700 animais, uma semana após a invasão, a maioria deles estava morta, fruto dos bombardeamentos a que foram sujeitos e à fome que grassava e falta de abastecimento de água. Numa louca corrida contra-relógio, naquela loucura animalesca que se apropriou dos humanos, Lawrence Anthony logrou resgatar os animais ainda vivos onde se contavam leões, hienas, elefantes, ursos e tigres, usando mercenários, membros da Guarda Republicana iraquiana, alguns soldados invasores, tratando da logística do transporte, da burocracia e do fornecimento de alimentos básicos para os bichos. Foi uma epopeia fabulosa, no meio do turbilhão bélico que se instalou. Porque os animais cativos não tinham culpa da bestialidade humana que se desencadeara. Desta saga escreveu o seu primeiro livro: “Babilon´s Ark”.
 
Posteriormente escreveu o seu segundo livro: “The elephant wigsperer”, onde relata a sua actividade no resgate de elefantes.
 
Também lhe coube o reconhecimento internacional pela luta que travou pela preservação de espécies animais em perigo de extinção, nomeadamente dos últimos rinocerontes brancos, no Sudão, quando aquele País foi dilacerado por longas e genocidas guerras intestinas. Também desta aventura escreveu a obra: “The last rhinos: my battle to save one of the World´s Greatest Creatures”.
 
À semelhança de David Sheldrick, um ataque cardíaco ceifou-o prematuramente, aos 61 anos, quando ainda muito havia a esperar da actividade deste imparável lutador das causas ambientais. Para além da sua actividade, que a História registou como um dos gigantes da causa ambiental africana ficaram, para a nossa memória colectiva os registos em diversos canais televisivos internacionais, os seus escritos em múltiplas revistas e livros que escreveu.
 
Rezam as crónicas que, após a sua morte, duas famílias de elefantes que ele salvara, caminharam longamente, durante 12 horas, desde a Reserva de Thula Thula até à zona onde o seu corpo se encontrava, como que numa última homenagem ao seu “líder”, ali tendo ficado durante dois dias, até se terem dispersado. Este evento foi documentado fotograficamente.


 (Uma das fotos do tributo elefantino a Lawrence Anthony)

Uma fortíssima bofetada de pata cinza, nas trombas de todos aqueles que representavam o oposto do que ele defendia: que cabemos todos neste planeta.
 
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HISTORIANDO MOÇAMBIQUE COLONIAL




Aguada de São Braz – Foi a primeira aguada* a ser estabelecida pelos portugueses no sul da costa oriental africana. Em 1488, o navegador Bartolomeu Dias, depois de ter dobrado o cabo da Boa Esperança atingiu este local, ponto terminal da sua viagem na ida, tendo retornado ao Reino, depois de se ter convencido que já atingira o limite de África e face ao descontentamento da sua tripulação em prosseguir viagem por marres desconhecidos até à Índia. A sua falta de firmeza e pusilanimidade ditou a justiça de não ter sido o descobridor do caminho marítimo para a Índia e a injustiça a Dom João II não ver consagrada a sua tenaz política dos descobrimentos de atingir o “eldorado” das especiarias. O nome de São Braz dado à aguada deveu-se ao facto da mesma ter sido atingida a 03 de Fevereiro, no dia católico deste santo. Nesta aguada, onde desde os primórdios sempre teve um ribeiro de água doce propício a abastecimento deste precioso e vital líquido aos navios que aí demandavam, terá sido erigido o primeiro templo católico deste lado da costa, dedicado a São Brás por João da Nóvoa, em 1501 quando ali passou com a sua armada em direcção à Índia, bem como terá aqui sido colocada a primeira “caixa postal” do sul de África quando, em 1500, tendo aí arribado Pedro Ataíde, pregou uma bota numa árvore colocando cartas no seu interior que, no ano seguinte foram resgatadas por João da Nóvoa. Esta ancestral árvore, situada agora no centro da cidade, foi considerada monumento nacional, segundo o “The South African Year Book” de 1967. Tendo adquirido o britânico nome de Mossel Bay, o governo sul-africano, numa homenagem a Bartolomeu Dias mudou o nome da baía para “Dias Bay”, bem como existe um museu na cidade dedicado a este navegador, que assinala o histórico lugar do primeiro desembarque aí ocorrido, bem como a réplica duma caravela, entre outras reproduções.
 
Júdice Bicker – (Portimão, 1867 - 1926 – Joaquim Pedro Vieira Júdice Bicker) – Oficial da Marinha de Guerra Portuguesa (Capitão de Mar e Guerra). É colocado em Moçambique, com a patente de Primeiro-Tenente, em 1894, desempenhando as funções de Ministro Residente junto da corte de Gungunhana*, tendo privado com o mesmo, no exercício das suas funções. Após a queda do Reino de Gaza*, no ano seguinte Júdice Bicker foi nomeado Governador da Guiné e, de seguida, foi transferido para São Tomé e Príncipe. Em 1918 regressa a Moçambique, comandando o Batalhão Expedicionário da Marinha de Guerra, no decurso da Primeira Guerra Mundial**. Regressa à metrópole* onde vem a exercer o cargo de Ministro da Marinha.
 
Nagana - Também conhecida por doença do sono, é uma doença desenvolvida pelo protozoário “trypanossoma” e transmitida pela picada da mosca tsé-tsé. Uma maneira básica, prática e económica de evitar a sua propagação para territórios livres desta praga, era levada a cabo pela Missão de Combate à Tripanossoníase (MCT) que, numa variante da ratoeira Harris e através da construção, nas zonas fronteiriças das áreas infectadas, das típicas casas sobrepostas às estradas onde, obrigatoriamente, os carros tinham que entrar e aguardar uns minutos no escuro, enquanto se abria uma portinhola que dava acesso a um pequeno cubículo, na referida casa, deixando passar um pouco de luz. Se o carro, estacionado no interior com os vidros, portas e capota abertos, transportasse alguma mosca, a luminosidade, que passava através da portinhola, atraía a mesma, provocando a sua captura. Através da picada da mosca tsé-tsé, a tripanossoníase entrava na corrente sanguínea dos vertebrados, causando-lhes febres, fraqueza e estados letárgicos, perca de peso e anemia, podendo, em casos extremos, evoluir fatalmente. Inicialmente, nos finais do século XIX, o combate a esta praga, que raziava por completo manadas inteiras de gado, era feito por extermínio da caça nas zonas afectadas, pois existia a crença que eram eles quem disseminavam a doença. Posteriormente abandonou-se esta prática, por se ter apurado que a mosca também se alimentava da seiva dalgumas plantas, seiva esta que dava uma maior protecção aos germes da tripanosomiase. Face às crescentes dificuldades em controlar a disseminação dos focos infecciosos, tentou-se o cruzamento de bois domésticos com elandes, por estes últimos serem os mais resistentes à nagana, criando-se a convicção que as crias deste cruzamento seriam imunes a tal praga mas tais tentativas também não resultaram. Outra forma de combate a esta praga era a de colocação de extensos panos besuntados com visco, mas que também se veio a revelar impraticável. O método inicial de tratamento da doença era o de rastrear os doentes, esterilizá-los por um período mais ou menos longo ou segregá-los em determinados casos mais graves. Posteriormente evoluiu-se e, já na década de trinta do século passado, começou-se por adoptar o método preventivo, antecipando o aparecimento da doença, promovendo-se a atoxilização profilática da população sã, por métodos químicos.
 
Tsé-tsé Nome popular da mosca que, cientificamente, é referida como Glossina Palpalis e cuja picada provoca uma doença.
 
Questão da baía de Tungue- Após a queda de Mombaça, em 1698, os portugueses retiraram-se para sul de Cabo Delgado, perdendo as possessões a norte de Moçambique até à Índia, para os árabes. Os povos suaílis*, incapazes de se organizarem num estado forte, viviam sob influência árabe ou portuguesa, consoante as áreas onde se estabelecessem. No século XVIII os árabes, devidamente instalados em Zanzibar, navegavam com impunidade nos mares nortenhos de Moçambique, tendo os portugueses uma pequena feitoria* no Ibo e, como tal, incapaz de fazer frente ao crescente poderio naval e comercial das forças zanzibaritas. Por outro lado e em função da religião, era natural que os povos suaílis tendessem mais para a aceitação da influência das gentes de Said Bin Sultan, Sultão de Zanzibar do que da influência portuguesa, muito mais pobre, fraca e sem conseguir uma aproximação cultural, se bem que no fundo o que os suaílis quisessem era viverem independentes. No princípio do século XIX Portugal vai disputar Tungue às pretensões zanzibaritas, que era uma área geográfica com domínio indefinido, apenas lá vivendo suaílis, mas as suas acções centram-se mais no campo diplomático do que bélico, pois com fracos recursos materiais, a crónica falta de dinheiro, a desertificação humana das gentes portuguesas, a incapacidade de se miscigenarem culturalmente com os povos locais e a extensão territorial entregue aos negreiros, levou a que até quase finais do século XIX toda a costa litoral nortenha estivesse ou na posse dos gentios locais ou sob administração velada dos zanzibaritas. A 17 de Outubro de 1861 o Governador-Geral Tavares de Almeida desloca-se a Zanzibar, a fim de resolver o diferendo diplomático sobre a posse de Tungue, mas a missão regressou sem nada ter conseguido. Só a partir de 1885 é que Portugal, face ao crescendo interesse das potências coloniais por territórios africanos, começou a empregar-se mais a fundo para resolver a questão da posse de Tungue, tendo até aquela altura limitado a assinar uns acordos comerciais com Zanzibar e, vez por outra, enviar um veleiro em missão de observação para aquelas paragens. Em 1885 Portugal nomeia Serpa Pinto como seu Cônsul, em Zanzibar, e este fogoso explorador vai provocar um incidente diplomático com as autoridades locais ao cortar relações diplomáticas com o sultanato, precisamente por causa da disputa da posse de Tungue, que Zanzibar considerava seu território. Nesse mesmo ano as autoridades portuguesas criam o Posto de Maninganio, na baía, a fim de tentarem afirmar a soberania na área, mas de eficácia nula. Em 1886 Serpa Pinto, por doença, abandona Zanzibar, tendo entretanto sido criada uma comissão internacional composta pela Alemanha, Inglaterra e França para arbitrarem a posse de Tungue. Após a saída de Serpa Pinto Portugal reata relação com Zanzibar, mas, em 1887, volta a rompê-las, novamente e sempre devido à questão da posse de Tungue. Mas, nesta altura, os portugueses, apoiados indirectamente pelos ingleses e alemães, já não estão com hesitações e, declarando guerra ao Sultão, em 12 de Fevereiro de 1887, neste mesmo mês bombardeiam as guarnições zanzibaritas em Miningani - Tungue, apoderando-se das mesmas, em 22 e 23 de Fevereiro, e obrigando as forças de Ali-Bin-Said, comandante inimigo, a refugiar-se no interior. Aproveitando esta vaga de fundo, os portugueses prosseguem as suas conquistas territoriais para norte, acabando por fundar o povoado de Palma, em homenagem a José Raimundo de Palma Velho, comandante da expedição e do Ibo. Face a esta derrota militar, Bargash, Sultão de Zanzibar, perde créditos junto das potências europeias e pede a paz a 02 de Março seguinte. Portugal acaba por beneficiar da cumplicidade anglo-alemã o que lhe permite, em Julho de 1887, desembarcar em Zanzibar os seus representantes para ratificarem com o Sultão a titularidade dos novos territórios. O desinteresse da comissão internacional mais aumentou a fragilidade zanzibarita e Portugal, em definitivo, viu reconhecido internacionalmente o seu direito à posse da baía de Tungue e de toda a costa até ao rio Rovuma.  
 
Serpa Pinto – (Tendais, 20/04/1846 – Cinfães, 28/12/1900 – Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto) – Oficial do Exército Português (Major) e explorador. Oriundo duma família aristocrata do norte de Portugal, passou parte da sua infância no Brasil. Ingressa, aos dez anos de idade, no Colégio Militar. Cursa Direito na Universidade de Coimbra, que não terminará, acabando por abraçar a carreira militar. Em 1876, já com a patente de Capitão, da Arma de Cavalaria, é nomeado para integrar uma expedição científica a Angola, na companhia de Hermenegildo Capelo** e Roberto Ivens**. Após desinteligências surgidas com estes dois exploradores, Serpa Pinto separa-se dos mesmos e enceta uma viagem que, atravessando o interior africano, pretende ligar o Atlântico ao Índico. Em 12 de Novembro de 1877 sai de Benguela e atravessa, no sentido oeste/este, o centro de África, chegando a Durban, na África do Sul, em Abril de 1879 e, dessa travessia, escreverá o livro “Como eu atravessei África”. Entre 1885 e 1886 fica em Zanzibar, como Cônsul de Portugal, entrando em litígio com o Sultão Barganash sobre a posse da baía de Tungue, provocando um conflito diplomático entre Portugal e aquele sultanato. Entre 1889 e 1890 expediciona ao Niassa* e, internando-se em território macololo, persegue estes, originando outro conflito diplomático, agora com a Grã-Bretanha, que resultou no Ultimato apresentado por aquela potência contra Portugal. Governou Cabo Verde, em 1894. Escritor, geógrafo, político e militar, foi, no seu tempo, um notável explorador colonial, bastante voluntarioso mas, no entanto, com notória falta de tacto diplomático. A ele se referia e, 1890, em Lisboa, o correspondente do jornal francês “Letain” como: “Serpa Pinto é como um toque de clarim a acordar uma nação adormecida.”. Em 1900 é eleito Deputado pelo círculo de Cinfães mas vem a falecer em Lisboa, nesse mesmo ano. Em sua memória foi atribuído, no sudoeste de Angola, o seu nome a uma vila (antiga Menongue).
 
Ultimato (britânico) - Coacção diplomática apresentada pela Grã-Bretanha a Portugal, em Janeiro de 1890, como forma de protesto para os combates que as forças portuguesas, comandadas por Serpa Pinto, travaram com os macololos, no vale do Chire. Com o Mapa Cor-de-rosa**, os portugueses pretendiam o reconhecimento internacional para a sua posse dos territórios que ligavam Angola a Moçambique. Esta pretensão contrariava de sobremaneira os interesses britânicos que, através de Cecil Rhodes*, e da sua BSAC* outorgam-lhe a exploração mineira da zona Matabele e Machona, áreas do Rei Lobengula**, e actual Zimbabwé. Através da BSAC, a influência britânica estende-se até ao Niassa e o governo português cria, em 09 de Novembro de 1889, o distrito do Zumbo**, como forma de travar o avanço predador de Cecil Rhodes** englobando neste novo distrito áreas a montante do Zambeze, incluindo territórios da Machona. Em 11 de Novembro Serpa Pinto trava combates com os macololos e avassala régulos* da zona. O Governo britânico reage à criação do novo Distrito, não reconhecendo a Portugal soberania a não ser em Tete e Alto Zambeze. Para tal, Londres envia a Lisboa, através do seu representante nesta cidade, em Novembro desse mesmo ano, uma nota onde declara: O Governo de Sua Majestade recebeu notícias baseadas na autoridade do bispo anglicano Smithies, bem como de uma viajante francês, de que os macololos foram atacados pelo major Serpa Pinto, depois do Cônsul Buchnan lhe ter declarado que eles estavam sob a protecção da Inglaterra; de que o major com uma força de 4000 homens, 7 metralhadoras e 3 vapores se achava em Ruo e tinha declarado oficialmente que era intenção sua tomar posse de toda esta região até ao lago Niassa. Avisou, além disso, as estações inglesas de Blantyre de que terão de colocar-se sob a protecção de Portugal ou de sofrer as consequências que poderiam resultar se assim não o fizerem. Foram vistas pelo bispo Smithies declarações escritas nesse sentido. O Governo de Sua Majestade (britânico) preveniu o de Sua Majestade Fidelíssima (português) de que não poderia permitir qualquer ataque às estações inglesas situadas quer no Xire quer na parte meridional do Niassa, e estou encarregado de lembrar a Vossa Excelência que o ataque dirigido contra os Macololos, depois do representante inglês ter anunciado que estavam sob a protecção de Sua Majestade a Rainha (britânica) é uma grave infracção dos direitos duma potência amiga. O Governo de Sua Majestade não pode consentir nestes factos nem no procedimento adoptado por Portugal. Encarrega-me, portanto, o marquês de Salisbury, de pedir ao Governo Português que declare que não permitirá às forças portuguesas qualquer ataque às estações britânicas do Niassa ou do Xire, nem ao país dos Macololos e, além disso, que não consentirá que ataquem o território sujeito ao Lubengula ou qualquer outro território que se tenha declarado sob protecção da Grã-Bretanha. Tenho a honra de solicitar a Vossa Excelência uma resposta, com a possível brevidade, ao pedido que a Vossa Excelência acabo de fazer, em conformidade com as instruções do Governo de Sua Majestade (britânica) e aproveito a ocasião para reiterar a Vossa Excelência os protestos da mais alta consideração – George M. Petre”. O Governo português reage em Dezembro seguinte, remetendo para Londres uma longa nota explicativa dos factos, elaborada pelo Ministro Barros Gomes, sobre a sua óptica e na qual referia que Serpa Pinto é que fora atacado e que a sua expedição nada tinha de militar mas sim apenas técnica e que o conhecimento da mesma fora transmitido às autoridades britânicas locais. Terminava a mesma referindo: Apresso-me a informar Vossa Excelência que já foram enviadas telegraficamente para Moçambique as ordens mais terminantes para que sejam respeitados os estabelecimentos e interesses britânicos e que o Governo de Sua Majestade (português) apreciará, animado pela sua parte de um espírito da maior conciliação, o completo conjunto dos factos, quando estes sejam definitivamente conhecidos dos dois governos”. A 11 de Janeiro de 1890, fruto dos combates travados por Serpa Pinto contra os macololos**, que os britânicos consideravam como seus avassalados, em território que não reconheciam soberania portuguesa e, face à insistência portuguesa em manter aquelas possessões através de novas incursões militares, o Governo britânico apresentou um ultimato, através do seu Embaixador, George Peter, acreditado em Lisboa, do seguinte teor: O Governo de Sua Majestade não pode aceitar como satisfatórias ou suficientes, as seguranças dadas pelo Governo português tais como ele a interpreta. O Cônsul interino de Sua Majestade em Moçambique telegrafou, citando o próprio Major Serpa Pinto, que a expedição estava ainda a ocupar o Chire e que Katunga e outros lugares mais no território dos macololos iam ser fortificados e receberiam guarnições. O que o Governo de Sua Majestade deseja e em que insiste é o seguinte: que se enviem ao Governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas para que todas e quaisquer forças militares portuguesas actualmente no Chire e nos países macololos e machonas se retirem. O Governo de Sua Majestade entende que, sem isto, as seguranças dadas pelo governo português são ilusórias. Mr. Petre ver-se-à obrigado, à vista das suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfatória não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua Majestade Enchanteress está em Vigo esperando as suas ordens. Lisboa capitula e ordena a Serpa Pinto que se retire. Em nota elaborada pelo Conselho de Estado estipula que: “...na presença de uma ruptura iminente de relações com a Grã-Bretanha e de todas as consequências que possam dela talvez derivar, o Governo de Sua Majestade (português) resolveu ceder às exigências formuladas nos dois memorandos a que alude e, ressalvando por todas as formas os direitos da Coroa de Portugal às regiões africanas de que se trata e, bem assim, pelo direito que lhe confere o artº 12 do Acto Geral de Berlim de ver resolvido definitivamente o assunto em litígio por uma mediação ou por uma arbitragem, o Governo de Sua Majestade (português) vai expedir para o Governador-Geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha. ...”. Só em 11 de Junho de 1891, é que Portugal e a Inglaterra encerraram este contencioso definindo ambas as partes, através dum tratado, os seus territórios africanos. O ultimato veio abalar profundamente os alicerces da monarquia portuguesa e foi transversal a toda a sociedade lusitana. Génese do nascimento de partidos republicanos, do renascer dum espírito ultra-nacionalista e anti-britânico e da composição musical de “A Portuguesa” - hino oficial após a implantação da República e do qual se dizia que foi composta por um alemão (Alfredo Keil) para ser cantada por portugueses contra os ingleses - pode-se considerar que foi o princípio do fim da quase milenária monarquia portuguesa, que viria a baquear daí a duas décadas.
 
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* - Já aberta ficha
** - A abrir ficha posteriormente

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VELHAS HISTÓRIA E LENDAS ANTIGAS

No decurso do século XIX floresceu, em África, no seio dos caçadores europeus a lenda da existência de “cemitérios de elefantes” que seriam locais recônditos onde os paquidermes se dirigiam quando sentissem a morte a aproximar-se para aí dormirem o sono eterno. Deste modo, a descoberta dalgum destes cemitérios traria a fortuna incalculável ao seu descobridor, pois a existência de centenas ou dezenas de cadáveres destes animais numa determinada área restrita implicaria a recolha duma fortuna fabulosa em marfim.

 
Ainda no século XX essa lenda prevalecia, se bem que já muito mais mitigada. No entanto já de há bastante tempo sabe-se que tais cemitérios nunca existiram. O que poderá ter dado origem a esta lenda talvez se deva ao facto de se terem descoberto alguns locais onde se localizaram vários elefantes mortos, mas isso teve a ver com o facto de, com a velhice, os animais já não terem nem forças nem dentição suficientemente forte para alimentarem-se de vegetação mais resistente e então procuraram-se cursos de água onde alimentação mais macia lhes pudesse colmatar a fome ou a dessedentação lhes pudesse diminuir a desnutrição.    

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LEITURAS EM PROSA


Título: Relato em Marrocos
Autora: Edith Wharton
Editora: Publicações Europa-América   Ano: 2007 Págs.: 163  Género: Literatura de viagens

 

Trata-se duma obra escrita por Edith Wharton (1862/1937) quando, no decurso da Primeira Guerra Mundial, viajou por Marrocos e, pela leitura do mesmo, dá-nos uma visão subjectiva de como se vivia naquele País em 1917, quando o visitou. De Rabat a Marraquexe, a Autora percorre Marrocos, descrevendo com mais minudência algumas cidades como Rabat, Fez e Marraquexe (entre outras) bem como, no que se pode considerar a segunda parte do livro, dá-nos uma visão da História daquele território e dedica também um capítulo à sua rica arquitectura.

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Título: Grandes naufrágios portugueses 1194-1991
Subtítulo: Acidentes marítimos que marcaram a História de Portugal          
Autor: José António Rodrigues Pereira
Editora: Esfera dos Livros    Ano: 2013    Págs.: 429 págs.  Género: História marítima


 


Trata-se duma recolha exaustiva de 60 naufrágios que ocorreram devido a inúmeras causas, tais como acidentes, combates ou falha humana. É, assim, um livro da infausta História marítima portuguesa, muito bem escrito por quem percebe do ofício (não de naufrágios mas sim da arte de marear), bem documentado bibliograficamente, completado por um vasto conjunto de mapas e ilustrações bem como, no final, dum glossário de termos náuticos para melhor facilitar a compreensão do leitor face ao desconhecimento que muitos de nós temos de vocábulos ligados à arte marinheira.
 
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FILME


Título:             Oka: um americano em África
Produtor:                            Realizador: Lavinia Currier
Actores: Chris Marshall, Will Yun Lee, Haviland Morris, Peter Riegert
Ano: 2011     Género: Documento social / Biografia    Duração: 105 minutos
 


Trata-se dum filme baseado na vida do etno-musicólogo norte-americano Louis Sarno, que vive há mais de 25 anos no seio do povo Bayake, pigmeus da África Central. Achei o filme sensaborão, com pouco conteúdo, sem nada de interesse que me prendesse a atenção, salvo alguns aspectos biográficos de Louis Sarno e, mesmos estes, nada que uma pesquisa na “net” não resolvesse.
 
Mesmo a trama que o filme envolve, onde ressalta a figura dum político local corrupto aliado a um asiático capitalista que pretende a todo o custo matar um elefante, numa reserva e que os bayake acabam por impedir é bastante artificial e amadorística.
 
Um filme que, por casualidade, se vê e… esquece-se. Calhou tropeçar neste filme ao “zapingar”, na televisão, por canais temáticos de cinema e a meio do filme acabei por dormitar um pouco. Por mim, não vale a pena ir à procura do mesmo.
 
Pode-se ler uma entrevista que o realizador Lavinia Currier concedeu sobre este filme em: “http://cinemawithoutborders.com/conversations/2817-oka.html

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Louis Sarno – Depois de ter ouvido numa estação de rádio música de pigmeus, ficou fascinado e, com 35 anos de idade saiu de New Jersey (EUA), comprou um bilhete só de ida para Bangui, tendo-se deslocado para a República Centro-Africana. De Bangui localizou a vila de Bomandjombo e, seguindo sozinho, internou-se na floresta e acabou por ser localizado pelos bayake, com quem foi foi viver no seio da tribo destes pigmeus.
 
 
Ao longo da sua vida naquele território efectuou recolha dos seus cânticos publicando, posteriormente, dois discos sobre este tema. Adoptando o seu modo de viver tribal, acabou por se casar com uma pigmeia Bayake, e ainda nos dias de hoje ali vive. Ganhou o nome de “Oka”, termo pigmático que significa “o que ouve”.

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GASTRONOMIA

Abundam, no mercado livreiro, revistas e livros especializados em receitas de culinária. Penso mesmo que será dos temas mais prolíferos e, então, se formos à internet são aos milhares as receitas de como fazer sopas, carnes, peixes, doces, entradas, salgados e tudo o mais que a imaginação possa emitir, de todos os países do Mundo.
 
Hoje trago à liça um livro que achei delicioso pois o mesmo sobressai da amálgama dos receituários culinários e aborda o tema sobre uma visão histórica. Trata-se do livro “Os mistérios do Abade de Priscos e outras histórias curiosas e deliciosas da gastronomia”, da autoria de Fortunato da Câmara (Esfera dos Livros, 2013, 327 págs.)
 


São 79 histórias de outras tantas iguarias que nos fazem crescer água na boca. Não é um livro de receitas mas sim um livro que relata os eventos que originaram, quer as ditas receitas quer os nomes das mesmas. Escrito com ironia, fazendo jus ao rigor histórico que catapultaram as ditas para o estrelato do conhecimento, é um livro leve, delicioso e que nos faz crescer água na boca. Dá-nos, independentemente de conhecermos como se confecciona este ou aquele prato, quais os factos que levaram à sua criação. Um livro que recomendo.  
 
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PORQUE SÓ HÁ UM PLANETA

Leio, no Diário de Notícias de 29/07/2013 que Sam Simon, de 58 anos, um dos criadores da multi-premiada série “Os Simpson”, está com um cancro terminal no cólon e os médicos só lhe dão 3 a 6 meses de vida. De há muito um defensor acérrimo dos direitos dos animais, decidiu legar a sua fortuna em prol da causa animal, para se fecharem jardins zoológicos, combater espectáculos que abusem de animais e financiar resgaste dos mesmos.
 
 
 
A propósito desta sua decisão disse: “Eu sinto prazer nisso. Adoro. Não sinto que seja uma obrigação”. Vertical na sua postura, quer ao longo da sua vida quer a preparar-se para a Grande Grande Viagem. Por isso, rendo-lhe a minha homenagem.

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sexta-feira, 26 de julho de 2013

Daphne Sheldrick e David Sheldrick



VIAJANTES, AVENTUREIROS E EXPLORADORES


Daphne Sheldrick – (Quénia, 04/06/1934) – Conservacionista, especializada no resgate e reintegração de elefantes e rinocerontes.
 

 

Descendendo duma família geracionalmente instalada em África: “… No início do século XX o meu tio-bisavô Will tinha uma vida relativamente próspera no Cabo Oriental da África do Sul…”, em 1907 o seu tio-avô, caçador entusiasta que, volta não volta, deslocava-se ao Quénia para a actividade cinegética, recebeu uma proposta do Governador da Colónia do Quénia – Charles Eliott – que “…se ele conseguisse trazer vente famílias para o Quénia, o Governo atribuir-lhes-ia terra gratuita para se estabelecerem…”. O que virá a suceder, e Daphne Sheldrick torna-se num dos elementos da terceira geração da sua família no Quénia: “… Em 1930, um ano depois do casamento (falando da mãe Marjorie, que se casara com o seu pai Bryan) foi mãe – um filho, Pete, seguido 18 meses depois, por uma filha, Sheila. E três anos mais tarde, em Junho de 1934, nasci eu. A nossa irmãzinha Betty chegou quatro anos depois de mim…”

Vivendo numa herdade, o contacto com a Mãe-Natureza no geral e o mundo animal, no particular, era uma constante da sua vida: “… Havia animais por todos os lados: os seus sons, os seus odores, o seu comportamento, faziam parte do tecido quotidiano da vida…” e “… ao sairmos de casa… juntavam-se a nós todos os nossos cães, Bob, a impala, Daisy, a corça e Ricky-Ticki-Tavi, o mangusto anão…” Os seus olhos maravilham-se com a descoberta do mar nas férias familiares: “… O que mais me agradava era a Lagoa Azul, em Watamu, o oceano a sul de Malindi…Havia duas lagoas separadas por um antigo promontório de corais, cujos lados irregulares tinham sido escavados pelo mar, criando grutas frescas… Nalgumas grutas, a descida da maré deixava pequenas poças e a luz do Sol que passava pelos orifícios do promontório acima criava prismas que reflectiam as cores do arco-íris. O efeito era mágico… E é aqui que: “… A lagoa e o seu espectáculo mágico da vida marinha foi o mais perto que estive das fantasias de países encantados da minha infância… Foi o meu derradeiro verão de inocência…”.

A Segunda Guerra Mundial veio alterar um pouco este panorama bucólico da sua vivência, pois como refere, carecendo o Governo britânico de alimentar as tropas que combatiam na Abissínia (actual Etiópia) e Birmânia (actual Myanmar), ordenou o abate de milhares de animais selvagens. “… De maneira a obter alimentos, milhares de animais tiveram de ser sacrificados e, para levar a cabo esta tarefa, o meu pai foi escolhido para matar gnus e zebras na Reserva de Caça do Sul, num local chamado Selengai…”

Inicia a sua vida escolar: “… Aos seis anos juntei-me aos meus irmãos como aluna interna em Nakuru…” e “…Quando fiz treze anos inscrevi-me na mesma escola da minha irmã mais velha, no Liceu Feminino do Quénia, em Nairobi…”

Os murmúrios da revolta dos negros contra o domínio colonial começam a adensar-se: “… Quando entrámos nos anos 50, a estrutura da vida começou a mudar. A agitação entre a população africana foi crescendo, lenta, mas firmemente… Havia sinais de que os Mau-Mau (1), um grupo clandestino de membros da nação kikuyo (2), pretendiam livrar-se do protectorado britânico no Quénia e dos colonos europeus, pois achavam-se despojados da sua própria terra…”. Assiste, involuntariamente, ao fenecer do domínio colonial naquelas paradisíacas paisagens e membros da sua família são espancados por assaltantes “… Na calada da noite, o avô e a avó Webb foram roubados e violentamente espancados, durante um assalto à sua casa, por bandidos suspeitos de serem iniciados dos Mau-Mau…”.

Aos 16 anos “… deixei de estudar…” e torna-se uma doméstica a tempo inteiro, preparando-se para um casamento com o seu namorado de então (Bill Woodley). Apesar de ter vencido uma bolsa de estudo, para cursar medicina em Inglaterra, a perspectiva dum exílio dourado de sete anos longe do paraíso que ainda era o Quénia e do seu amado Bill levaram-na a tomar tal decisão. Inscreve-se num curso de secretariado, numa associação cristã e, concluído este, emprega-se numa empresa de produtos químicos. Nesse espaço de tempo, já com 17 anos, a roda do destino começa a girar sem se aperceber. O seu irmão Peter e o seu noivo, Bill, acabam por serem colocados no Parque Nacional Tsavo (3), onde pontificava David Sheldrick.

A revolta Mau-Mau aumenta de intensidade e as autoridades britânicas acabam, em 1952, por prender Jomo Kennyatta (4) acusando-o de liderar a revolta. O terror aumenta e as mortes, quer de colonos quer de negros fiéis tornam-se galopantes. Fruto disso o governo cria corpos de milícias paramilitares para protegerem as populações e, quer Peter quer Bill, integram essas milícias. Mas os colonos sentem-se cada vez mais asfixiados e as cisões entram no seio familiar. O desnorte de não serem nem carne nem peixe assola-os: “…Naturalmente, a nossa comunidade estava a tornar-se noutra coisa sem sequer sabermos. Rotulados de Tribo Branca de África, começámos rapidamente a perder direitos no país que considerávamos com a nossa casa e não poderíamos voltar a ser verdadeiramente britânicos, devido ao prolongado isolamento em África. Da mesma forma que também era impossível sermos verdadeiramente africanos, por causa da cor e da cultura…”. Apesar de todos os contratempos que os novos tempos traziam, mantinha o seu firme desejo de casar com Bill e ir viver com ele no Parque Nacional de Tsavo. Até porque, tendo crescido numa quinta em comunhão com a vida selvagem, o seu emprego de secretária, fechada numa sala duma empresa, na capital da colónia, não a seduzia nada.

Dois nefastos eventos antecederam o seu casamento: a chacina, pelos Mau-Mau, de todo o pessoal que trabalhava numa quinta duma sua tia-avó em Nanyuki e o falecimento do seu avô Webb, por causas naturais. Apesar disso o casamento com Bill segue para a frente (1953), em Naivasha, junto ao lago do mesmo nome (5). Dois anos mais tarde a maternidade traz-lhe a alegria duma filha (Jill) e acaba por se instalar em Tsavo, onde vem a travar conhecimento mais profundo com David Sheldrick, que a impressiona: “… Era alto e, nos seus olhos de um azul profundo, havia um misto de interesse e divertimento: olhos debruados por longas e espessas pestanas que seriam alvo de cobiça por qualquer rapariga. O seu aperto de mão era forte e as pernas bem proporcionadas…”. Quatro anos antes, com 17 de idade, cruzara-se uma vez com ele de relance e, naquela altura, a presença daquele homem nada lhe dissera no íntimo.

Lentamente a influência de David Shelkrick começa a interiorizar-se no seu dia-a-dia e, fascinada, aprende com ele a lidar com elefantes, principalmente com dois que ele resgatara. Fruto da sua formação de secretariado, que cursara e ainda trabalhara em Nairobi, Daphne instala-se no escritório de David Sheldrick, colaborando com o mesmo em todo o trabalho burocrático.

Seis anos volvidos, o conto de fadas que fora o casamento com Bill começou a esfriar-se com o correr dos tempos: “… Por outro lado eu ia cada vez mais perdendo o encanto pelo Bill. Os seus horários informais há muito que eram fonte e frustração mesmo antes do casamento…” As longas ausências profissionais de Bill, no combate aos caçadores furtivos, o facto dele, anualmente, nas suas férias dedicar-se á caça de elefantes (tinha licença de caça profissional) em vez de as passar com a família, o que chegava a causar reparos negativos da parte do próprio David Sheldrick: “…Eu própria sentia-me muito envergonhada por o Bill retirar tanto prazer de matar um elefante e até o Director dos Parques Nacionais, o coronel Mervyn Cowie, franzia o sobrolho a esse facto e exprimia o seu desagrado ao David…”. Lutando entre o morrer do seu amor por Bill e o nascer da paixão por David Sheldrick esta última haveria de prevalecer.

Em 1959, o ainda seu marido Bill foi nomeado responsável pelos Parques Nacionais de Aberdere, a cerca de 500 quilómetros de Tsavo. Não aceitando a saída de Tsavo, onde tinha uma vida aventurosa, nem o desligar-se de David Sheldrick, a sua paixão, Daphne abre o jogo até aí escondido ao seu marido e requer a separação do casal, o que acabou por ser aceite por este. O divórcio consumar-se-ia passado pouco tempo. 

Agora ligada de vez e publicamente a David Sheldrick, Daphne leva uma vida de sonho no paraíso africano de Tsavo. O Parque, que finalmente tinha controlado a caça furtiva, era visitado regularmente por cientistas zoólogos e as constantes incursões que fazia na busca de espécimes de plantas com que os elefantes se alimentavam e de controlo de manadas dos mesmos, tornaram-na rapidamente numa especialista destes proboscídeos.



Daphne Sheldrick e um dos seus orfanatos para elefantes

Em 1960 o Quénia caminha inexoravelmente para a independência, aceleração essa que toma forma depois de Harold Macmillan, Primeiro-Ministro britânico ter proferido, no Parlamento sul-africano, o célebre discurso que ficou conhecido para a História como “Ventos de Mudança” (5). O receio adensa-se nos colonos, pois a perspectiva de “um homem um voto” faria recair nas mãos negras o futuro governo independentista.

Nesse mesmo ano Daphne casa-se com David e adopta o apelido Sheldick. Tinha 26 anos e como ela confessa nas suas memórias: “… começou para mim uma época de extrema felicidade…”. No ano seguinte nasce uma filha deste segundo casamento, de nome Ângela. Dedica-se ao estudo dos hábitos elefantinos, apoiada incondicionalmente por David Sheldrick tornando-se numa eminência mundial. As crias órfãs de elefantes, rinocerontes e búfalos aumentava dia a dia e o seu convívio diário e permanente com as mesmas, levava-a a efectuar estudos que ia anotando minuciosamente.

A 12 de Dezembro de 1963 nasce a República do Quénia e o casal Sheldrick mantém-se em Tsavo na sua intensa actividade, contrariamente a muitos colonos que optam por partirem para outras paragens mais “brancas”, tal como a Rodésia (actual Zimbabwé) ou África do Sul.

Na década de 70 Daphne Sheldrick atinge maior notoriedade mundial quando, em desespero de causa para alimentar uma elefanta órfã, depois de diversas tentativas desesperadas consegue acertar na fórmula láctea para alimentar uma cria que ela baptizara de “Aisha”: “… Chegou o dia em que estava demasiado fraca para sequer se por de pé. Sentada com a cabeça dela no meu colo, as lágrimas corriam-me pela cara, à medida que pensava como iria mantê-la viva. Voltei à minha dispensa e fixei as filas de fórmulas diferentes que tinha andado a tentar uma a uma. Só faltava experimentar uma, que me tinha siso dada pela Ruth Eden, uma simpática visitante inglesa e, ao ler os ingredientes percebi que incluía óleo de coco. Lembro-me de em tempos ter lido que este era o substituto mais próximo da gordura do leite de elefante, por isso animei-me – nem tudo estava ainda perdido. Preparei a mistura conforme as indicações na lata e fui aliviar a fome da “Shmerty” (outro nome de “Aisha”). Funcionou! Fiquei exultante. Mal podia acreditar que tinha desvendado o mistério de como criar um elefante bébé…”. Foi uma descoberta sensacional, que abriu novas pistas para a preservação dos elefantes bébés órfãos em todo o Mundo.

Viúva, instala-se no Parque Nacional de Nairobi. “… Senti-me profundamente agradecida ao Governo queniano por me conceder o privilégio único de residir no Parque Nacional de Nairobi...”. Mantendo-se activa na preservação dos elefantes bébés órfãos, em 1987 cria o “Fundo David Sheldrick para a Protecção da Vida Selvagem” (“DSWT – David Sheldrick Wildlife Trust”) numa justa homenagem à memória do seu falecido marido, dedicando-se também em conferências internacionais, visando o combate ao tráfico do marfim e dos cornos de rinocerontes, bem como na criação de orfanatos para estes animais para depois serem reintroduzidos na vida selvagem, após uma passagem pelos centros de reabilitação que o DSWT criou com os fundos que dispõe.

Nos dias de hoje ainda é viva e activa, nas possibilidades da sua idade, tendo escrito o livro autobiográfico “Uma história de amor em África”. Condecorada, em 2001, com a “Ordem da Lança Ardente do Quénia” recebe, em 2006, a Comenda do Império Britânico. Justas homenagens a uma lutadora incansável pelas causas ambientais africanas.

No dia em que se for juntar a David Sheldrick, o grande amor da sua vida, de certeza que os elefantes de África barrirão em homenagem à sua “Mãe”.

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1 – Mau-Mau – Nome com que ficou conhecida a revolta negra contra o domínio colonial britânico no Quénia, provocando um conflito de guerrilha campestre e com actos de barbárie. Este movimento independentista, maioritariamente com a componente kikyuo, perdurou durante toda a década de 50. A origem do termo “Mau-Mau” é incerta, admitindo-se que pudesse ser um anagrama do grito kikuyo “Uma Uma”, que significaria “vai-te embora, vai-te embora”.

2 – Kikuyo – Um dos povos que compõem o mosaico étnico do Quénia.

3 – Parque Nacional Tsavo – É o mais antigo e maior dos parques naturais quenianos. Criado em 1948, possui uma área aproximada de 12.000 quilómetros quadrados. Localiza-se numa área ancestralmente referido por Deserto Taru.

4 – Jomo Kennyatta (1893/1978) – Conduziu o País à independência, que ocorreu em 1963, tornando-se no primeiro Presidente da República, após ter exercido o cargo de Primeiro-Ministro. Governou o mesmo com mão férrea, até à data do seu falecimento. É considerado o pai fundador deste país.

5 – Sobre o lago Naivasha, e a luta pela sua preservação aflorei, ao de leve e em mensagem anterior, a vida de Joan Root (e do seu marido Alan Root), que pagou com a sua vida a luta tenaz contra os interesses economicistas que levaram à destruição do mesmo. Numa próxima mensagem voltarei a biografar a vida deste lendário casal, mas com mais desenvolvimento.

6 – “Ventos de mudança” – Este famoso discurso foi por mim abordado e transcrito parcialmente na mensagem de 27/05/2012 (dedicado a Dian Fossey), numa adenda da secção de Poesia, onde falava de Rui Knopkli e dum poema seu, precisamente titulado de “Winds of change”.

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David Sheldrick – (Alexandria, 23/11/1919 – Nairobi, 13/06/1977) – Conservacionista. Exerceu o cargo de Director do Parque Nacional Tsavo, no Quénia. Filho dum ex-combatente da Primeira Guerra Mundial (1914/1918), ainda criança acompanhou os pais para o Quénia, quando estes ali montaram uma fazenda para cultivo de café.

 
 

Após ter efectuado os estudos na Grã-Bretanha, retorna ao Quénia (1930) e trabalha como gestor duma quinta, em Kinangop mas, no deflagrar da II Guerra Mundial (1939/1945), serve o seu País, quer na Abissínia (Etiópia) e em Burma (Myanmar). Após o findar do conflito regressa de novo ao Quénia e, casado e com dois filhos, emprega-se na empresa “Safariland”, a primeira empresa a dedicar-se, em Nairobi, ao negócio dos safaris. Acaba colocado no Parque Nacinal de Tsavo e cria o corpo de guardas florestais (1948), parque este criado neste mesmo ano.

Conservacionista, a par de criar de raiz as infraestruturas do Parque Nacional, desenvolve também a sua actividade na recolha e reintegração posterior na vida selvagem de diversas espécies de animais, nomeadamente de elefantes e rinocerontes adoptando, no início, dois bébés elefantes: “Sansom” e “Fatuma”. Profundo conhecedor da vida selvagem africana, a sua colocação em Tsavo foi “… uma escolha óbvia para o cargo que exigia a transformação de uma mata implacável, que era conhecida como deserto taru, num parque nacional viável…”. Mas, apesar de aparentemente desértica, e por não ter fixação de colonos europeus, a vida selvagem “… esta terra era conhecida pela sua diversidade de espécies indígenas, incluindo leões assustadores, manadas reprodutoras de elefantes e milhares de rinocerontes pretos, e por caso era ali que se misturavam as faunas oriental e ocidental, duplicando assim as raças de girafas, avestruzes, e gazelas-grant…”.

Lutador incansável pela preservação da fauna, era um adversário implacável dos caçadores furtivos “… David era firme e apaixonado quando falava na necessidade urgente de travar os caçadores furtivos, erradicar o terrível número de vítimas que causavam em manadas de criação de elefantes, pelo marfim, e de rinocerontes, pelos chifres…”.

Cabia-lhe a responsabilidade de administrar um parque que, na altura, teria cerca de 20.000 quilómetros quadrados de área, com poucos recursos, quer financeiros quer materiais, lutando contra a falta de água, a caça furtiva, as setas envenenadas dos caçadores ilegais que se viravam contra ele e os seus homens, a malária, os ataques de escorpiões, cobras, leões, entre outros, bem como contra a incompreensão dos centros decisores em Nairobi (mais preocupados com a evolução política do País) tendo criado um corpo de guardas florestais, inicialmente disciplinados e recrutados no seio de populações guerreiras que, para além do valor combativo, também eram exímios pisteiros.

Mas os guardas florestais, com o correr dos tempos tornam-se mais laxivos e corruptos, fechando os olhos às actividades da caça ilegal, pelo que David Sheldrick acaba por criar uma força paramilitar recrutada entre povos de regiões afastadas do Quénia e que, assim, não teriam relações de parentesco ou de amizade com os caçadores locais. Para além disso enquadrou-os com militares que tinham combatido consigo na Guerra Mundial. Deste modo criou a génese duma força especial de guardas florestais que viriam a ser o modelo adoptado para muitas outras forças congéneres que viriam a ser criadas noutros países africanos.

Finalmente consegue o reconhecimento da sua actividade pelas autoridades em Nairobi, graças aos esforços de Noel Simon, Director Executivo da recém-formada “East African Wildlife Society”, que lhe fornecem meios de comunicação rádio, uma avioneta, piloto para a mesma e um magistrado para tratar das acusações contras os actos ilícitos da caça, para além de reforço de pessoal.

Em 1959 é condecorado como membro da Ordem do Império Britânico e o seu prestígio é de tal ordem que o mais temido caçador de caça furtiva, que nunca fora devidamente aprisionado, Galogalo Kafonde, entrega-se voluntariamente às autoridades, desde que fosse levado à presença de David Sheldrick a quem lhe diz: “… Os elefantes estão acabados. Os ricos que querem cada vez mais e mais são os responsáveis. Tal como você, temo o desaparecimento dos elefantes, pois estão no centro da nossa cultura e do nosso quotidiano. Os walingulu viveram sempre entre os elefantes e caçaram-nos honradamente como verdadeiros homens, apenas atingindo machos grandes e nunca matando fêmeas e as suas crias. Agora, “outros” que não se preocupam com eles, matam-nos desastradamente por mero lucro. Não quero ter parte em nada disso e juro que jamais voltarei a caçar um elefante…”

Por alturas da independência nacional o Parque Nacional de Tsavo regurgitava de animais e a população elefantina (entre outras) tinha aumentado. Efectuada uma contagem rigorosa com meios aéreos (a Operação Contagem): “… os números finais da contagem demonstravam que, em vez dos 5.000, como inicialmente previsto, havia 9.000 elefantes contados, com cerca de 15.000 no ecossistema… A partir de inspecções aéreas pelo parque, e agora que os elefantes começavam a partilhar as árvores de mirra, era claro que as espécies ruminantes estavam a proliferar e ganhar visibilidade. O que outrora eram grupos pequenos e isolados de zebras, búfalos, órixes e outros antílopes reuniam-se para formarem manadas consideráveis no que eram agora pradarias abertas…”.

No entanto, em meados da década de 70, fruto de medidas políticas que retiraram autonomia aos parques, centrando-se na esfera do Ministério do Turismo, da corrupção que atingia as altas esferas dos centros decisórios em Nairobi e da alta dos preços do marfim, a explosão demográfica humana a carecer de novos territórios para culturas alimentares, entre outras causas, desencadearam novos surtos de caça desenfreada aos elefantes e aos rinocerontes. Os armazéns do Parque Nacional de Tsavo transbordavam de: “… pontas de marfim, peles de leopardo, chifres de rinocerontes, arcos e flechas…” apreendidos aos caçadores ilegais. A fusão dos Parques Nacionais com o Departamento de Caça, decretada parlamentarmente em 13 de Fevereiro de 1976: “… Foi o princípio do que resultou um período trágico, escandalosamente negro, na orgulhosa história dos parques nacionais do Quénia. Para os seus habitantes selvagens, especialmente elefantes e rinocerontes, foi a sentença de morte…”. 

David Sheldrick acaba nomeado o cargo de supervisor de todos os parques e reservas nacionais, como Director da Unidade de Planeamento, sendo-lhe atribuído um escritório em Nairobi e um substancial aumento de vencimento. Mas teria que abandonar Tsavo, onde passara a maior parte da sua vida. A passagem da gestão do parque de Tsavo para a esfera do Departamento de Caça iria por em perigo de vida os animais tão arduamente preservada ao longo dos anos. Por isso a sua nomeação era um cargo dourado para o afastar dali.

Em 1977, David Sheldrik, conhecido carinhosamente por “Bwana Saa Nane” (1), com apenas 57 anos, é traído pelo seu coração que sofre uma síncope, terminando aqui a sua odisseia terrena em prol da vida selvagem. Mas a lenda não morreu, deixando um legado inolvidável que se projectou, após o seu passamento, no “David Sheldrick Wildlife Trust”, criado pela sua viúva Daphne Sheldrick.

 
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1 – Segundo relato de Daphne, era conhecido carinhosamente por: “…bwana Saa Nane, o Senhor Duas Horas, que o David ganhara entre os locais, pois fazia a sua pausa para almoçar todos os dias a essa hora…”.

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Nota 1: As transcrições constantes no presente trabalho foram retiradas do livro de Daphne Sheldrick “Uma história de amor em África”. Sobre este livro refiro-o mais à frente, na secção “Leituras em prosa”.

Nota 2: Leio que se encontra em rodagem um filme sobre a vida de Daphne Sheldrick, realizado por Philip Noyce, e tendo a actriz Nicole Kidman como protagonista do principal papel, filme este que terá, eventualmente, por título “My wild life”.

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HISTORIANDO MOÇAMBIQUE COLONIAL


 



Aires de Ornelas – (Camacha (Madeira), 05/031866 – Lisboa, 14/12/1930 – Aires Ornelas de Vasconcelos) - Oficial do Exército Português. Em 1895 chega a Moçambique, como Tenente e torna-se no Chefe do Estado-Maior de Mouzinho de Albuquerque*.
 
 
 
 Combate as forças de Gungunhana*, em Marracuene* e em Coolela* e, dois anos depois, integra a expedição que derrota Maguiguana*, o último chefe militar vátua, bem como também participa na campanha dos Namarrais. Tendo regressado a Portugal, ingressa na vida política. Em 1906 é nomeado Governador do distrito de Lourenço Marques mas nesse mesmo ano regressa a Lisboa para assumir a pasta ministerial da Marinha e Ultramar, sendo neste cargo que promulga o Código Administrativo de Moçambique. Com a queda da monarquia mantém-se fiel a esta e, em 1922, é eleito deputado para o Parlamento. Condecorado com a Torre e Espada, deixou diversos escritos sobre as campanhas de Moçambique, bem como uma obra denominada “As raças e as línguas indígenas de Moçambique”. 


Cobula (? - ?) - O último dos rebeldes de Angoche. Era Régulo* da zona da Mogovola, tendo combatido os portugueses, aliando-se a Farelay, a Ibrahimo-bin-Sultani e a Guarnea. Em 12 de Dezembro de 1902 as suas gentes assassinam Paes de Almeida e Pitta Simões. Em 1910 rompe com Farelay e, comandando um exército de milhares de guerreiros, ataca Neutel de Abreu*, em Junho desse ano. No entanto, sai derrotado do confronto e perde o seu familiar mais próximo e sucessor natural, o seu sobrinho Sali, morto nesse combate. Ainda nesse ano, Farelay, Guarnea e Ibrahimo-bin-Sultani são presos e Cobula torna-se o único chefe de guerra a dar combate aos portugueses. Em 1911 leva a guerra ao interior do sertão, aproveitando a revolta do Xeque de Sangage*, Mussa-Piri. Finalmente, em 1913, em Iuluti, Cobula é preso. Terá morrido, no decurso da década de 30, na clandestinidade.

Namarrais, Campanha dos - Operações militares que decorreram entre Outubro de 1896 e Março de 1897, concebidas e conduzidas por Mouzinho de Albuquerque*, com o fito de pacificar todas as áreas sublevadas, no litoral norte, entre Angoche e Fernão Veloso. Tendo começado a reforçar as capitanias de Angoche, Mogincual e Fernão Veloso criou, de seguida, corredores de penetração para o interior, separados uns dos outros por cerca de cinquenta quilómetros. A 19 de Outubro de 1896 a coluna de Mouzinho de Albuquerque trava o combate da Mujenga, sofrendo um violento ataque que o obriga a retirar-se para Natule, sempre debaixo de fogo e ferido, sendo a sua retirada coberta por Gomes da Costa**, na altura Capitão-Mor* das terras firmes fronteiras à ilha de Moçambique*. Tendo chegado reforços militares de Lisboa, em Janeiro de 1897, Mouzinho de Albuquerque relança a campanha e, em Março seguinte sucedem-se diversos combates, sempre vitoriosos para os portugueses, registando-se os de Naguema, a 02 de Março, de Ibrahimo, a 06 de Março e de Mocute-Muno, a 07 de Março, sendo aqui as forças lusitanas comandadas por João de Azevedo Coutinho**. A 19 de Março Mouzinho de Albuquerque manda suspender a campanha, por ter que deslocar forças para o sul, a fim de dar combate à rebelião de Maguiguana*. No findar das operações, para além de ter batido alguns povos do interior, conseguiu instalar mais três postos militares - Muchelia, Itoculo e Ibrahimo. No entanto, em 20 de Maio deste mesmo ano, uma coluna militar comandada pelo Capitão Eduardo Costa que tentava dominar uma rebelião das gentes do Régulo* namarral* Matula-Muno é derrotada e obrigada a retirar-se desde Calapúti até ao posto militar de Ibrahimo.

Eduardo da Costa – (1865 – Luanda, 1907 – Eduardo Augusto Ferreira da Costa) - Oficial do Exército Português (Tenente-Coronel). Sendo Alferes em 1886, acaba promovido a Tenente em 1888 e a Capitão em 1889. Profundo estudioso das campanhas militares britânicas em África, embarca para Moçambique, a fim de se integrar na equipa que planificava a campanha contra o Reino de Gaza*. Em 21 de Janeiro de 1895 chega a Lourenço Marques*, juntamente com o Tenente Aires de Ornelas. Integrando o Estado-Maior das forças militares portuguesas, organiza a coluna militar que trava o combate de Marracuene* e também participa no combate de Coolela*, onde é ferido. Regressa a Portugal para se tratar mas, em 1897, encontra-se de novo em Moçambique, sendo nomeado Governador do Distrito de Moçambique. Integra-se na segunda fase da campanha dos Namarrais, onde volta a ser ferido por forças do Régulo* Matula/Muno, a 20 de Maio de 1897, no combate de Calapúti que o obriga a retirar-se para o posto militar de Ibrahimo, em condições muito duras, sendo que esta retirada foi considerada como um feito brilhante, face às condições adversas do terreno, homens feridos e falta de munições. Suspendendo, depois, a sua actividade militar ingressa nos quadros da Companhia de Moçambique* e torna-se, mais tarde, Secretário da Província daquela colónia, até 1902, altura em que é nomeado Governador de Benguela, em Angola, já como Tenente-Coronel. No ano seguinte é nomeado Governador-Geral de Angola, onde vem a falecer, por doença, em 1907.

Farelay – (? -?) – Originalmente o seu nome era Muhamunheva mas viria a adoptar o de Farelay. Era sobrinho directo de Ussene Ibrahimo e sobrinho, em segundo grau, de Mussa Quanto*. Tendo efectuado alguns estudos em Parapato, na escola muçulmana, acabou por criar uma quadrilha e, em 1882, instala-se nos arredores desta localidade, começando a exigir impostos e licenças aos comerciantes que pretendiam mercadejar no sertão. Entre 1889 e 1890 ataca várias vezes Parapato, sendo sempre derrotado, até que entrega-se às autoridades, hábil manobra política que lhe permite ganhar tempo. A 07 de Outubro de 1896 volta a atacar Parapato mas, de novo, é derrotado pois Mouzinho de Albuquerque*, ao iniciar a campanha dos Namarrais*, reforçara em homens e material aquela vila. Em 1897 a campanha dos Namarrais é suspensa e Farelay, aliando-se ao Sultão de Angoche*, Ibrahimo Bin Sultani e ao Régulo* Guarnea, formará um triunvirato que, até 1910, jamais darão descanso aos portugueses. A estes chefes rebeldes também se alia o Régulo Cobula. O Morla* Muno, um velho aliado dos portugueses morre, em 1902 e Farelay invade as suas terras, assumindo a chefia do Reino com o nome de Monga Muno. Em Maio de 1903, perante o crescendo bélico de Farelay, os portugueses nomeiam o Tenente José Augusto Cunha como Capitão-Mor* de Angoche e este desencadeia diversas acções militares de isolamento contra Farelay registando-se, entre outras, o ter obrigado o Sultão Ibrahimo Bin Sultani a fugir da ilha de Angoche e a refugiar-se no continente, sendo destituído do cargo, em Agosto de 1903. No ano seguinte os portugueses deportam, para Angola, Momade Omar, líder do Xecado de Sangage*, outro aliado de Farelay. Até 1910 fustiga os portugueses, provocando sublevações, guerrilhando no mato e atacando os pequenos postos militares que iam sendo montados até que, em Agosto desse mesmo ano, já isolado e perseguido, ao pedir refúgio ao Régulo Mamuia é preso por este que o entrega às autoridades coloniais. Morre, deportado, na Guiné.

Guarnea (? - ?) – Régulo* imbamela, de Likhoro, nas terras de Angoche, vassalo do Morla* Muicuna. Após a morte deste, ocorrida em 1887, estalam guerras intestinas, pois sendo os Morlas, por tradição, apoiantes dos interesses portugueses, entraram em rota de colisão com as gentes de Guarnea, que sempre recusaram pactuar com os colonos. Em 1889 Guarnea apoia Ussene Ibrahimo (o Muhenhua) e ataca, sem êxito, as gentes de Imbamela. A Morla Muicuna sucede-lhe Morla Namo (falecido em 1888) e a este sucedeu-lhe o seu irmão Morla Ualava que, em 1902, consegue estabelecer as pazes com Guarnea, fazendo perigar os interesses dos portugueses naquela zona. Após a morte do seu aliado Ussene Ibrahimo, Guarnea junta as suas forças às de Farelay, desencadeando diversos ataques a povoados portugueses sendo, no entanto, derrotado em 24 de Fevereiro de 1890 no ataque que desencadeou à vila de Parapato. Recompondo-se do desaire, reafirma a aliança com Farelay e ataca as forças do Morla Muno, aliado dos portugueses e, em Outubro de 1897, os seus homens matam o Tenente João da Cruz Fonseca e Almeida. Alargando o leque de aliados, a Guarnea e a Farelay vêm juntar-se as forças de Ibrahimo bin Sultani, conluiando uma aliança que durou até 1910. Em Fevereiro de 1907 os três chefes de guerra atacam a vila de Larde, mas não conseguem desalojar os portugueses. Em 1906 Guarnea volta a atacar as gentes do Morla, rompendo o tratado de paz que estabelecera em 1902. Entre Junho e Julho de 1910 Guarnea e os seus homens travam sucessivos combates contra o Exército Português mas, já sem poder contar com Farelay, também ele isolado, acaba por ser preso em Matatane, em Julho de 1910. Morre, deportado, na Guiné.

Ibrahimo Bin Sultani – (? - ?) - Sultão de Angoche. Formou, em conjunto com Guarnea e Farelay, um triunvirato anti-português. Herdando, por morte do seu tio Ussene Ibrahimo, o sultanato de Angoche*, renegou as ideias do seu pai, o sultão Sulimane Bin  Rajah, que se avassalara aos portugueses, após a morte de Mussa Quanto* e, fiel à sua política, alia-se a Farelay, tendo sido o único chefe  que se recusou, na presença do Governador do Distrito Eduardo da Costa, a aceitar a soberania portuguesa, quando este foi a Angoche em 1897. Em 1903, o Capitão-Mor* de Angoche, Tenente José Augusto Cunha, invade esta ilha, o que obriga Ibrahimo Bin Sultani a fugir para a zona do M´luli, no continente onde, sempre coligado a Farelay e a Guarnea, continua a combater os portugueses. É vencido, em 1910, e preso em Parapato.

Imã Chefe religioso muçulmano.

Imbuta Cerimónia de iniciação feminina, entre o povo chope*.

José Augusto Cunha– (? - ?) - Oficial do Exército Português (Tenente). Em 1903, como Capitão-Mor* de Angoche, inicia operações militares e, em Maio desse ano, tenta capturar Farelay mas, não o localizando, destrói o seu povoado, Erráti. De seguida, e sempre debaixo de fogo rebelde, consegue chegar a Boila e reconquista esse posto, nos primeiros dias de Junho. Ainda nesse mesmo mês desembarca na ilha de Angoche, para deter Ibrahimo-bin-Sultani mas, não o encontrando, arrasa todas as suas casas e mesquitas e avassala os ilhéus. Em Agosto, num ataque surpresa, tenta capturar Farelay em Mulaba, mas este consegue fugir, no meio da confusão da luta. Entre Setembro e Outubro de 1903 continua a batalhar as forças rebeldes, conquistando Mapasa, onde prende o Xeque* Amadi.

Manuel Simões  – (? - 1881) - Encontrando-se a residir em Angoche, em 1872 foi encarregue pelo Governador daquele distrito de organizar uma pequena expedição de auxílio ao Morla* Muno, aliado dos portugueses, contra Mussa Quanto*. Dirigindo-se para as terras do Morla Muno, na Imbamela, foi emboscado e preso pelas forças do Mussa Quanto, que o condenou à morte. Horas antes da execução consegue fugir do acampamento onde se encontrava prisioneiro e reúne forças do Morla Muno, travando sempre sucessivos combates contra as tropas de Mussa Quanto, rompendo o cerco que estas mantinham a Angoche, onde colheu armas e pólvora. De seguida, volta ao continente e, sempre em combate permanente e debaixo de fogo contra as forças de Mussa Quanto conquista, a 23 de Julho de 1872, de vez, o povoado de Parapato.

Paes de Almeida – (? /1902) – Engenheiro. Tendo-se associado a Pitta Simões requereu, em Janeiro de 1900, uma concessão em Angoche, para exploração de pesca, sal, borracha e gado, que pretendia subsidiar com a exploração de carvão e ouro que pensava existir na área de Mogovola. Foi assassinado, juntamente com o seu sócio, pelas gentes de Cobula.

Pitta Simões – (?/1902) - Sargento do Exército Português. Foi assassinado juntamente com Paes de Almeida, pelas gentes de Cobula.

Terras firmes - Assim chamadas por se situarem no continente, eram pequenas áreas territoriais fronteiras às ilhas onde se instalavam os portugueses registando-se, a título exemplificativo, as da ilha de Moçambique* (Cabaceira Grande, Cabaceira Pequena e Mossuril) e as de Pemba (Mocímboa e Pangane).

Ussene Ibrahimo – (? - 02/1889) – Sultão. Sucessor de Mussa Quanto* no Sultanato de Angoche*, de quem era sobrinho em segundo grau e seu companheiro de luta no sertão, depois de ter vencido as pretensões de Suleiman Bin Rajah, favorável aos interesses portugueses. Em 1885 subjuga o Sultão Buan Amadio, do Xecado de Sangage*, e faz perigar as pretensões portuguesas em Parapato. No entanto, nesse mesmo ano, volta a perder Sangage para os portugueses e, fruto disso, ataca as terras do interior, avassalando vários régulos. Inimigo do Morla* Muno, de Imbamela, que em 1887 auxiliara os portugueses contra o seu ataque ao Parapato provocando-lhe uma derrota, Ussene Ibrahimo razia estas terras em Janeiro de 1889, acabando vencido. Em Fevereiro desse mesmo ano repete as operações militares contra o Morla, mas acaba por morrer em combate. A sua espada, o seu feitiço e uma das suas mãos decepadas são enviadas, como troféus, ao Governador de Angoche.

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* - Já aberta ficha
** - A abrir ficha posteriormente

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LEITURAS EM PROSA

Título: Uma história de amor em África
Subtítulo: A vida notável de uma mulher singular em defesa da vida selvagem      
Autora: Daphne Sheldrick                                            
Editora: Casa das Letras      Ano: 2013     Págs.: 386       Género: Autobiografia

 


 
Escrito na primeira pessoa, é o relato vivencial da biografada desta mensagem. Pujante, é um grito de alerta para os perigos da desertificação animal e florestal em África mas também é, em simultâneo, uma mensagem de esperança. Obrigatório, numa biblioteca dos conservacionistas.

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Título: O império dos homens bons
Subtítulo: Moçambique, 1847: um amor proibido ente um padre e uma escrava. Uma história verídica de sobrevivência.
Autor: Tiago Rebelo
Editora: ASA     Ano: 2013      Págs.: 531     Género: Romance histórico / colonial

 
Mais um notável romance colonial que saiu da pena de Tiago Rebelo, que se centra na vivência do Padre Joaquim Santa Rita Montanha em Moçambique, na localidade de Inhambane, após ter sido lá colocado em 1847. Quando, a 01/05/2012, no “Historiando Moçambique Colonial” coloquei a ficha sumária da vila de Inhambane, onde abordava muito ao de leve o Padre Santa Rita Montanha, estava longe de imaginar que, posteriormente, iria sair um livro romanceando a sua odisseia.

À semelhança do seu outro livro “O tempo dos amores perfeitos”, já aqui referido por mim numa mensagem anterior, a personagem central da presente obra também é um antepassado do Autor. Muito bem concebido, encorpado numa estrutura linear bem construída, dota-nos duma leitura de digestão fácil, emotivamente apaixonante e encontrando-se historicamente bem documentado, por acção peculiante do seu irmão, segundo o mesmo refere.

A escrita de Tiago Rebelo consegue colocar-me numa máquina do tempo e transportar-me suave suavemente para a afro-era do colonialismo novecentista. Por isso dei por muito bem empregue a pecúnia que desembolsei por esta obra, cuja leitura recomendo vivamente. 

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Título: Na senda de Fernão Mendes Pinto
Subtítulo: Uma viagem inesquecível aos lugares explorados pelo maior aventureiro português de todos os tempos.                          
Autor: Joaquim Magalhães Castro
Editora: Parsifal     Ano: 2013     Págs.: 223       Género: literatura de viagens

 
O Autor, fixado em Macau, é um reputado jornalista, escritor, fotógrafo, documentarista e especialista na investigação da História da Expansão Portuguesa. Para além de diversos livros publicados, quer de escrita quer de fotografias é também autor de diversos documentários televisivos.

Pelo subtítulo do presente livro plasma-se o que nele se incorpora. Apaixonado pela lendária figura desse ínclito português que foi Fernão Mendes Pinto (1) e aproveitando a comemoração dos 500 anos da chegada dos portugueses à China, Joaquim Magalhães Castro seguiu a rota que terá sido deambulado por aquele aventureiro e relata a sua vivência num livro leve, escrito um pouco ao jeito de reportagem jornalística.

A única discordância que aponto ao Autor é que não considero Fernão Mendes Pinto como “… maior aventureiro português de todos os tempos.”. Houve alguns mais, gigantes como ele, como é o caso de Pêro da Covilhã e Pêro Escobar.
 
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1 – Pouco conhecido de muitos portugueses durante muito tempo, Fernão Mendes Pinto foi um dos gigantes da aventura portuguesa, que só tardiamente começou a ser descoberto. O seu livro – “Peregrinação” – é justamente considerado um dos ícones mundiais da epopeia europeia. Sobre a vida aventurosa deste personagem veio a lume, no último trimestre do ano passado, o romance histórico de Deana Barroqueiro titulado de “O corsário dos sete mares”, já por mim abordado numa mensagem anterior.

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LEITURAS EM POESIA

Reli, esta semana, dois dos livros do poeta José Craveirinha (“Xigubo” e “Maria”) que, indubitavelmente, considero um dos pilares da poesia moçambicana e de quem sou um admirador incondicional, não só pela sua actividade literária, como também pela sua postura numa vivência de dois mundos aparentemente antagónicos: ser-se português e moçambicano, sem se atrofiarem.
 
 
Acima dos nacionalismos planava a cultura de ambos os lados, qual cola a uni-los indelevelmente. Nascido em Lourenço Marques, em 1922, foi jornalista, cronista desportivo e, acima de tudo, um poeta gigante do despertar da consciência nacional.

Poema do futuro cidadão

Vim de qualquer parte
De uma Nação que ainda não existe
Vim e estou aqui!

Não nasci apenas eu
Nem tu nem nenhum outro…
Mas Irmão.

Mas
Tenho amor para dar às mãos cheias.
Amor do que sou
E nada mais.

E
Tenho no coração
Gritos que não meus somente
Porque venho de um País que ainda não existe.

Ah! Tenho o meu amor a todos para dar
Do que sou.
Eu!
Homem qualquer
Cidadão de uma Nação que ainda não existe.

Soube manter um perfeito equilíbrio lusófono, ele que era filho de pai branco e mãe negra. Nunca renegou Portugal, mas também nunca desistiu de lutar pelo nacionalismo moçambicano. Transportava em si a perfeita descontração de viver nestes dois mundos aparentemente opostos, mas que o futuro viria a dar-lhe razão. O amanhã vivia hoje em si ao assumir-se, muito tempo antes de se falar nisso, duma mestiçagem cultural que só o enriquecia.
 
Imprecação

… Mas põe nas mãos de África o pão que te sobeja
E da fome de Moçambique dar-te-ei os restos da tua gula
E verás como também te enche o nada que te restituo
Dos meus banquetes de sobras.

Que para mim
Todo o pão que me dás é tudo
O que tu rejeitas, Europa!

A cor da pele segregava-o no tempo colonial, ganhando mensalmente metade do que os seus colegas brancos auferiam pelo mesmo serviço. Preso pela polícia política do regime de então, a PIDE/DGS, cumpriu quatro anos de cadeia (1965/1969). Após a independência de Moçambique foi o primeiro Presidente da AEMO – Associação dos Escritores Moçambicanos, tendo representado o País em diversos eventos internacionais.

N´Goma

A n´goma grita
Sua voz forte de pele curtida e batida
Levantando a vida surpreendida nas plantações

Oh… mamanê… a n´goma grita
Seu grito insistente e bárbaro de sexo forçado
Seu grito milenário de chamamento
Seu grito enlouquecido de chorar as raízes da terra
Seu grito enorme de ritmos de batuque
Terrivelmente místicos.

A n´goma grita!
E seu grito de Mãe é um “chiuáia-uáia” de desespero
E o mato desperta em assombrações de Lua
E o velho batuque fermenta os espíritos
Potente como o grande deus Maguiguana
No coração de África.

Levanta-se potente o batuque
E enquanto os pés batem raivosamente o chão duro
À lua cheia
A n´goma grita
Grita!
Grita!

Multipremiado em diversos países, viu a sua consagração atingir o topo quando, muito justamente, lhe foi atribuído o Prémio Camões, em 1991. Porque, sem dúvida, ao ter partido para a Grande Grande Viagem, ocorrida em 2003, levava como bagagem uma consciência tranquila de nos ter deixado um legado de sã convivência entre povos que falam, sonham e pensam na mesma língua unitária. Mas sem cada um esquecer as suas raízes ancestrais.
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Nota: Os poemas aqui transcritos foram extraídos do livro “Xigubo”, das Edições 70/INLD, em 1980. Inicialmente esta obra foi editada em 1964, pela Casa dos Estudantes do Império, no pleno da ditadura colonial.

O livro “Maria”, lançado em 1988, é uma homenagem do poeta à sua falecida mulher, considerando esta obra, para além de intimista como um dos mais belos livros de poemas de amor que alguma vez já li.

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Sobre o Prémio Camões, o mais alto galardão, instituído pelos governos de Portugal e do Brasil, a parir de 1988 e que alcandora intelectuais que prestigiaram, pelas suas obras, a cultura em língua portuguesa, para além de José Craveirinha, apenas outro moçambicano atingiu este patamar, o escritor Mia Couto, galardoado precisamente no corrente ano.

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MÚSICA

O compositor Mick Jaeger, leader carismático e vocalista do conjunto “Rolling Stones” comemora, no dia de hoje, o seu septuagésimo aniversário. É obra, convenhamos. A banda tem cinquenta anos de actividade em pleno, com milhões de discos vendidos, dezenas de turnés mundiais, derrubando recordes atrás de recordes, quer de vendas de discos quer de assistências nos seus espectáculos.
 
 
O que mais me impressiona é o vigor físico que Mick Jaeger apresenta em palco. São 50 anos de muito sexo, drogas e rock´n roll. Para a vida que levou (e ainda leva) não sei onde é que ele vai buscar tanta energia, tal como os restantes companheiros musicais, todos eles já na casa dos sessenta e muitos. Keith Richard, o guitarrista e também compositor, entrará no clube dos 70 em Dezembro do corrente ano.

Por outro lado a unidade que a banda mantém desde o seu início, apenas com algumas alterações dos músicos é outro facto digno de nota. Outros conjuntos famosos não duraram tanto por dissensões intestinas (Beatles, Pink Floyd, por exemplo), mas os Rolling Stones estão aí para provarem que são, para os seus fiéis seguidores, como o vinho do Porto – quanto mais velho melhor.

Pessoalmente não sou grande apreciador deste conjunto, mas também sei que a minha opinião pouco aquece ou arrefece os membros da banda. Há, no entanto, uma música desta banda que é um dos marcos da minha juventude e ainda hoje perdura na minha mente. Trata-se do “Satisfaction”, mas com a sonoridade do solo de guitarra de Brian Jones, o primeiro que a banda teve e que faleceu em 1969.

 

Pelo seu aniversário e por ter mantido a liderança do grupo durante meio século achei que seria justo assinalar tal facto nesta minha singela mensagem. Se bem que tenha a noção perfeita que isto não trará nenhuma mais-valia nem aos Rolling Stones nem ao seu mítico leader. Mas fica o registo.

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FILME


Título:             Um amor em África
Produtor:                            Realizador: John Boorman
Actores: Juliette Binoche; Samuel L. Jackson
Ano: 2004     Género: Documento social    Duração: 103 minutos

 

Quando o sistema político do “apartheid” (1) foi desmantelado na África do Sul, vieram ao de cima todos os traumas e feridas que aquele regime nazificazante legou. Dum lado os “boers” extremistas, que se recusavam a perder o poder com receio da vaga de fundo radical negra que estava a acossá-los. Do outro lado da barricada, a facção radical negra que ansiava tomar o pleno poder nas suas mãos e vingar-se das seculares humilhações que fora vítima.

O País esteve à beira duma guerra civil, que só a muito a custo e no limite foi sustida, graças à tenacidade dalguns agentes políticos que tiveram a plena noção não só do momento histórico que estavam a atravessar como também que podiam escrever História. Todos sabemos o gigante que foi Nelson Mandela, nesta fase crucial da História sul-africana.

Uma das medidas inteligentes que foi adoptada e que logrou ajudar a descomprimir a tensão política que varria o País, foi a criação da “Comissão para a Reconciliação e Verdade”, liderada pelo nobelizado Bispo anglicano Desdmond Tutu, onde algozes e vítimas (de ambos os lados) se cruzaram e libertaram, nas audiências públicas, os “demónios” que os atormentavam, sem incorrerem em riscos de processos judiciais acabando por, dentro do possível, perdoarem-se. Porque em ambos os lados houve algozes e vítimas.

O filme que agora aponto, baseado num livro de Antjie Krog (2), centra-se na interpretação duma descendente dos colonialistas (interpretado por Juliete Binoche) e dum jornalista norte-americano (interpretado por Samuel L. Jackson), que efectuam a cobertura das audiências da “Comissão”. Inspirado em factos verídicos e pleno de humanismo, eis um excelente filme que nos dá uma panorâmica da realidade do que foram aqueles idos tempos das brancas balas silvantes e dos negros pneus queimados à volta dos pescoços.
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1 – Quando acabar o “Historiando Moçambique Colonial” irei abordar, dicionariamente, a História da África do Sul (bem como doutros países da África Austral), onde todos estes temas serão abordados.

2 – Antjie Krog (1952) – Poetisa e escritora sul-africana, cujo livro “Country of my skull” (editado em 1998 e baseado em experiências próprias) serviu de base ao presente filme.

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ESCULTURA

Humberto Abad – Não conhecia a arte deste jovem escultor de madeira, residente em Burgos – Espanha, até que mão amiga me enviou um “mail” com dados sobre o mesmo, acompanhando um portefólio dos seus trabalhos, que me fascinaram.

 
Vale a pena pesquisar na “net” os espantosos trabalho deste artista. Mas, preferencialmente, visitar uma exposição sua. O que farei numa futura ida às terras dos “nuestros hermanos”.
 


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PORQUE SÓ HÁ UM PLANETA


 

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ACONTECEU

Bana – A meados do corrente mês calou-se fisicamente, para sempre, a voz daquele que desbravou a morna para o Mundo. Adriano Gonçalves, de “nominho” Bana, o pai musical de quase todas as vozes verdeanas contemporâneas, deixou-nos. De certeza que tinha encontro cósmico marcado com Cesária Évora, a diva insular. Restam-nos os registos magnéticos. Mas também a saudade do seu largo sorriso, do tamanho do Mundo.   
 
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Guilherme de Melo – Na recta final do mês passado faleceu este escritor, jornalista e combatente pelos direitos da causa homossexual. Natural de Moçambique (Lourenço Marques), legou-nos dezena e meia de livros, entre romances e ensaios. Não lhe colhendo simpatias pelas suas opções políticas (deu-se sempre bem com ditaduras), respeito-o pela sua luta elegante pelos direitos dos homossexuais. Da escrita, retenho a sua autobiografia romanceada “A sombra dos dias”.

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A revista “África 21, do corrente mês de Julho, traz um artigo sobre as comemorações do quinquagésimo aniversário da fundação da OUA – Organização de Unidade Africana, antecessora da actual União Africana. Não pretendendo sobrepor-me ao excelente artigo que aí vem relatado, acrescento a seguinte nótula:

Organização da Unidade Africana (OUA) Antecessora da actual União Africana (UA), este organismo continental, foi criado em 25 de Maio de 1963, em Adis-Abeba (Etiópia), sendo os seus principais impulsionadores Kwame N´Krumah (Gana), Sekou Touré (Guiné Conakry) e Gamel Abdel Nasser (Egipto). Na sua Primeira Conferência estiveram presentes trinta e dois países africanos de pleno direito e com o estatuto de observadores, os delegados dos movimentos de libertação de Angola, Moçambique, Malawi, Zimbabwé, Swazilândia e Quénia. Os fundadores desta organização são: N´Garta Tombalbaye (Chade), Abubakar Balewa (Nigéria), Gregoire Kaiibanda (Ruanda), Mobido Keita (Mali), Hailé Selassié (Etiópia), Gamal Abdel Nasser (Egipto), William S. Tolbert (Libéria), Leon Mba (Gabão),  Miltom Margai (Serra Leoa), Kwame N´Krumah (Gana),  Mwambutsa IV (Burundi), Fulbert Yulu (Congo Brazzaville), Nicolás Grunitzky (Togo), Idriss I (Líbia), Milton Obote (Uganda), Joseph Kasavubu (Zaire), Philibert Tsiranana (Madagáscar),  Hubert Cutucú Maga (Benin), Ahmed Ben Bella (Argélia), Hamani Diori (Níger), Julius Nyerere (Tanzânia), Ahmed Sekou Touré (Guiné Conacry), Leopold Sedár Senghor (Senegal), Ahmadu Ahidjo (Camarões), Habib Burguiba (Tunísia), Uld Daddah (Mauritânia), Hassan II (Marrocos), Félix Boigny (Costa do Marfim), Aden Abdulah Osman (Somália), Maurice Yameogo (Alto Volta), Ibrahim Abboud (Sudão), David Dacko (República Centro Africana). A organização reunia anualmente a cimeira dos Chefes de Estado, onde se renovava a direcção política e, tradicionalmente, o Chefe de Estado do país anfitrião presidia nesse ano à Organização. 

 É, aliás, em homenagem à data da sua fundação, que a mesma foi considerada o Dia de África.

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E, já que estou com a mão na massa, permito-me traçar um reparo positivo à revista “África 21”. Mensalmente adquiro-a e continua, na minha opinião, a manter a fasquia bem alta, no que toca à qualidade do papel, da escrita dos textos, fotografias cuidadas e não a considerando sectária. Noticiando, mensalmente, o que de importante aconteceu naquele continente, sem ser cansativa, é uma revista que projecta bem alto o contexto africano, nomeadamente o do mundo lusófono.

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